O livro de Rute comprova a providência divina no estabelecimento da família do Messias.
INTRODUÇÃO
-Iniciando o estudo dos “dois livros femininos” da Bíblia Sagrada, começaremos pelo livro de Rute.
-O livro de Rute comprova a providência divina no estabelecimento da família do Messias
I – VISÃO PANORÂMICA DO LIVRO DE RUTE
-Conforme vimos na lição introdutória, neste trimestre teremos um trimestre bíblico, em que estudaremos dois livros das Escrituras, os dois “livros femininos”, já que são livros cujo título é de uma mulher, mulheres que são as protagonistas das narrativas de ambos os livros, que são os livros de Rute e de Ester.
-Estes dois livros, além de pertencerem ambos ao Antigo Testamento, estando, por isso mesmo, relacionados diretamente com a história do povo de Israel, a propriedade peculiar de Deus dentre todos os povos (Ex.19:5), para que, por meio dele, viesse o Salvador da humanidade (Jo.4:22), são do grupo dos chamados “livros históricos”, ou seja, livros cujo objetivo é narrar fatos, acontecimentos que expliquem a convivência entre o Senhor e a nação que formou para ser Seu reino sacerdotal e povo santo (Ex.19:6).
-O objetivo do trimestre é mostrar, através destes dois livros, o governo de Deus sobre o mundo e o Seu cuidado para com a família, dando-nos uma clara visão de que o Senhor fez do homem um ser social para que, com base na família, formasse uma sociedade, ou sociedades onde o nome do Senhor fosse glorificado.
-O primeiro destes dois livros a ser estudado é o livro de Rute, não só por uma questão cronológica, mas também pelo fato de o objeto da narrativa é a formação da família que seria a família real de Israel, a casa de Davi, a família escolhida por Deus não só para governar o Seu povo, uma vez escolhida pelos israelitas a monarquia como forma de governo, mas também para dela vir o Messias, que forçosamente tinha de ser da linhagem real de Israel.
-Assim, além do aspecto cronológico, temos que Rute mostra como é a partir da família que se pode estruturar uma sociedade e que temos de ter uma família temente a Deus para que venhamos a ter uma sociedade temente a Deus.
-Não é por outro motivo que, ao longo da história da humanidade, o inimigo de nossas almas tem se esforçado para destruir a família e, deste modo, cumprir o seu desiderato homicida desde o princípio (Jo.8:44).
-O livro de Rute é, precisamente, a história de uma família que, por sua desobediência e incredulidade, estava praticamente destruída, família que era, precisamente, a família planejada para dela vir o Salvador, mas que, pela providência divina, não só voltou a existir mas veio a se tornar a linhagem real de Israel que, por meio de Cristo Jesus, vivo para todo o sempre (Ap.1:18), reinará para sempre não só sobre Israel mas sobre todo o mundo até tornar a congregar todas coisas em Deus Pai (II Sm.7:13,16; Ap.19:6; 20:6; Ef.1:10).
-O livro de Rute faz parte dos “Ketuvim”, ou seja, “os outros escritos”, que é a terceira parte do cânon judaico, que o Senhor Jesus denomina de “salmos” (Lc.24:44), por serem os Salmos o primeiro livro deste grupo na disposição dos livros na chamada “Bíblia hebraica”.
-Aliás, as Escrituras hebraicas são conhecidas como “TANAKH”, acróstico de “Torá” (lei), Neviim (profetas) e “Ketuvim” (escritos).
-Por ter conteúdo narrativo, quando da tradução das Escrituras hebraicas para o grego, por ordem do rei do Egito, Ptolomeu II Filadelfo, segundo rei do Egito após a divisão do império de Alexandre, o Grande, que reinou de 281 a 262 a.C., reino que ficara com o poder políticos sobre os judeus de Israel, foi considerado como livro histórico pelos estudiosos da Bíblia.
-Daí se explicar a colocação de Rute logo após o livro de Juízes, além do que a narrativa se dá exatamente neste período histórico (Rt.1:1), sendo, assim, o oitavo livro da Bíblia nesta disposição da chamada Septuaginta ou Versão dos Setenta, precisamente esta versão da Bíblia hebraica para o grego.
-Dentre os “Ketuvim”, o livro de Rute, aliás, faz parte dos chamados “Hamesh Meguillot”, ou seja, “Cinco Rolos”, que são os livros lidos durante as festividades judaicas.
-A partir de Esdras, surge o que podemos denominar de “judaísmo”, este sistema religioso surgido após o cativeiro da Babilônia, que, ao lado da revelação divina representada pelas Escrituras, criou e organizou todo um conjunto de normas e ditames, que compuseram o que se passou a denominar de “a tradição dos anciãos” (Mt.15:12,13) e que é a base da religião dos filhos de Israel até os dias de hoje, notadamente após a rejeição de Jesus por parte dos israelitas.
-Pois bem, nesta tradição religiosa, alguns livros foram escolhidos para serem lidos em ocasiões especiais, de festividades judaicas, livros que, portanto, por terem sido inseridos nesta liturgia, tiveram o reconhecimento pelos doutores da lei, como sendo livros santos, livros inspirados, que são verdadeiras e autênticas mensagens divinas para o Seu povo.
-O livro de Rute é um destes “Cinco Rolos” (ou seja, “Cinco Livros” ou “Cinco Pergaminhos), porque, como se sabe, antes da imprensa, os livros eram feitos em rolos, seja de papiro (resina tirada de planta do mesmo nome, abundante no Egito), seja de peles de animais (os “pergaminhos”, pois se tratou de técnica desenvolvida na cidade de Pérgamo, situada onde hoje é a Turquia).
-O livro de Rute é lido na festa das Semanas (em hebraico, “Shavuot”), que é a festa de Pentecostes. “…Na sinagoga, nesse dia santificado (dia de Pentecostes, observação nossa) em que se comemora a consagração de Israel ao serviço de Deus, lê-se em voz alta o Livro de Ruth.
Os Sábios consideravam apropriada para a ocasião a narrativa ali contida, não só porque se passava em época de colheita de verão, como por causa dos ensinamentos morais nela encerrados.…” (AUSUBEL, Nathan. Shavuot. In: JUDAICA, v.5, p.778).
-Esta associação do livro de Rute com a Festa das Semanas, que celebra o início da colheita dos primeiros frutos (Lv.23:13-21), foi feita tendo em vista que a narrativa do livro se desenvolve precisamente na época da colheita da cevada e do trigo (Rt.1:22; 2:23).
-Mas, além de ser uma festividade de gratidão a Deus pelo início da colheita (a festividade se dá cinquenta dias depois da Páscoa, na primavera, quando a vegetação retorna a Israel e vêm as primeiras chuvas, a chamada “chuva temporã” – Dt.11:14; Jr.5:22), a festividade também comemora a entrega da lei ao povo de Israel, o que se deu cinquenta dias depois da saída do povo do Egito, no monte Sinai (Ex.19:1).
-Esta festa tem em vista lembrar o povo de que ele é uma propriedade peculiar de Deus dentre os povos, Seu reino sacerdotal e povo santo (Ex.19:5,6) e que devem cumprir o compromisso assumido diante do Senhor de Lhe ser fiel e obediente.
-O livro de Rute mostra como quem se decide a servir ao Senhor tem de observar os Seus mandamentos, que foi precisamente o que fizeram tanto Noemi quanto Rute.
-Noemi, uma vez livre do jugo de seu marido e seus filhos, em virtude da morte deles, resolveu retornar a Belém, sua terra natal, para cumprir o desígnio divino sobre sua vida.
Rute, também, ao adotar o Deus de Israel como o seu Deus, resolutamente disse que acompanharia Noemi neste retorno, contra a própria vontade e conselho da sogra.
-Uma vez em Belém, ambas as mulheres observaram escrupulosamente todas as regras existentes, em especial, a concernente ao instituto da respiga e da remissão da terra, mostrando, assim, o compromisso de guardar o pacto estabelecido entre Deus e Israel.
-O instituto da respiga, aliás, foi estabelecido na lei precisamente quando Moisés está a tratar da celebração da Festa das Semanas (Lv.23:22), o que é mais um fator pelo qual o livro de Rute foi escolhido para ser lido nesta ocasião.
-O livro de Rute, segundo os rabinos judeus, em sua narrativa mostra que é preciso, no aprendizado da lei do Senhor, passar-se pela dor e pela pobreza para se chegar ao conhecimento divino, tendo sido este o caminho traçado por Rute, que, para se tornar parte do povo de Deus, teve, antes de experimentar tanto a dor quanto a pobreza.
-Tal pensamento encontra eco nos ensinos de Nosso Senhor, que mostra que, para termos vida espiritual, faz- se preciso que, primeiro, nasçamos de novo (Jo.3:3,5), ou seja, que haja a morte para o pecado (Rm.6:1,2), o que somente é possível para quem se arrepende de seus pecados, tendo a “tristeza segundo Deus” (II Co.7:10), como também reconhecendo sua insuficiência, e a necessidade absoluta de Cristo para a salvação, reconhecendo-se, assim, “um pobre de espírito” (Mt.5:3), um “necessitado que precisa ser cuidado pelo Senhor” (Sl.40:17).
-Bem por isso, aliás, os rabinos judeus veem no livro de Rute a manifestação da “benevolência divina”, que nada mais é que a graça de Deus, em hebraico a palavra “chesed”, também traduzida por benignidade ou por misericórdia.
-Em Rute, vemos a boa vontade do Senhor sobre os homens, restaurando a família de Elimeleque a partir da decisão de Rute e de Noemi de seguir-Lhe os mandamentos. Em resposta à fé daquelas mulheres, o Senhor proporciona a redenção por intermédio de Boaz, que compra as terras e toma Rute como sua esposa.
-A boa vontade divina fez com que o Senhor Jesus viesse a este mundo como homem e morresse por nós na cruz do Calvário, comprando-nos com o Seu sangue e nos tornando filhos de Deus por termos crido n’Ele (Jo.1:12).
-“…Aquele que deseja saber qual é o justo valor e importância de Cristo faz uma pergunta que deixa todas as pessoas na Terra e os anjos no Céu em estado de permanente perplexidade.
O mais alto grau de conhecimento que alcançamos nesta vida é saber que Cristo e Seu amor excedem a todo entendimento (EF 3:19). Mas Cristo é magnífico, e sejam quais forem os tesouros de justiça que estão em Seu sangue, e sejam quais forem a
alegria, a paz e as consolações arrebatadoras, reveladas aos homens por Sua encarnação, humilhação e exaltação, tudo isso é concedido para benefício e consolação dos homens como meio de aplicação eficaz.
Pois uma ferida jamais foi curada com um unguento preparado, contudo não aplicado; nunca o corpo de uma pessoa foi aquecido por um cobertor feito com esmero, porém não colocado sobre ela;
jamais alguém se sentiu renovado e estimulado pelo mais fino tônico sem ingeri-lo; nem nunca se soube, desde o princípio do mundo, que um pecador insignificante, desiludido, condenado, corrompido e infeliz foi, de fato, liberto desse estado lastimoso enquanto Cristo não o tornou, da parte de Deus, sabedoria, justiça, santificação e redenção.
Pois assim como a condenação do primeiro Adão não nos é transferida a menos que (por descendência) pertençamos a ele, também a graça e a remissão não nos são transferidas do segundo Adão, a menos que (por regeneração) pertençamos a Ele.
O pecado de Adão prejudica somente os que estão nele; e o sangue de Cristo beneficia somente os que estão nele.
Que grande peso existe na aplicação eficaz de Cristo à alma dos homens! E, no mundo inteiro, não há algo tão terrivelmente solene, tão grandemente importante quanto isso!
Esse é o forte resultado da consolação que, neste contexto, o apóstolo oferece aos cristãos de Corinto como uma recompensa superabundante pela desprezível maldade e infâmia da condição exterior deles neste mundo, sobre as quais ele acabara de falar nos versículos 27 e 28, dizendo que, embora o mundo os condenasse como desprezíveis, tolos e fracos, eles se tornaram, “da parte de Deus, sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção”…” (FLAVEL, John. A redenção aplicada. In: Dia a dia com os puritanos ingleses. 23 de maio. pp.245-6).
-Mas, além destes elementos narrativos, o livro de Rute, ao ser associado à festa de Pentecostes, faz-nos observar que esta festividade é a figura do derramamento do Espírito Santo sobre a Igreja, como se verifica claramente no capítulo 2 do livro de Atos dos Apóstolos.
-Ora, no dia de Pentecostes do ano 29, quando se realiza a figura estatuída na lei, vemos o início da “colheita de almas” por parte da Igreja, pois, naquele dia, o derramamento do Espírito Santo levou os apóstolos a pregarem o Evangelho para a multidão que se aglomerou para ver o que estava a acontecer no cenáculo, tendo, então, se convertido quase três mil pessoas, muitas das quais judeus ou prosélitos do judaísmo de diversas partes do planeta.
-Se lembrarmos que Rute era uma moabita, portanto uma estrangeira, que se converteu ao Deus de Israel e, com tal gesto, acabou por ser, inclusive, ascendente do Senhor Jesus (Mt.1:5), integrante da “família de Deus” (Ef.2:19), não podemos deixar de ver em Rute uma figura da “igreja gentílica”, o “zambujeiro que foi enxertado na oliveira” (Rm.11:17-20).
-Assim como Rute, todos os gentios, que não podiam participar da comunhão com Deus por causa do pecado e da desobediência (Ef.2:11,12), destituídos da glória de Deus (Rm.3:23), crendo em Deus, como fez Rute e passando a ter o Senhor como o seu único e verdadeiro Deus, são comprados por bom preço pelo Senhor Jesus (I Co.6:19,20), como Boaz comprou todas as terras de Elimeleque e tomou Rute como sua esposa (Rt.4:1-11).
-Assim também fez o Senhor Jesus que remiu a todos os que creram n’Ele, independentemente da nação a que pertenciam, fossem judeus ou gentios, pagando com o preço do Seu sangue o preço dos pecados da humanidade, tomando-se estes salvos como a Sua Esposa, a Igreja, fazendo-os parte da “família de Deus”. Aleluia!
-O nome “Rute” é moabita e significa “associação”, “amizade”, “companheira”, enquanto para outros, seu significado é “vistosa”.
-Todos estes significados falam sobre o caráter de Rute e nos indicam preciosas lições a serem seguidas, já que tudo que foi escrito nas Escrituras foi escrito para nosso ensino, consolação e esperança (Rm.15:4).
-“Associação” revela que Rute resolveu, de livre e espontânea vontade, crendo no que sua sogra lhe dissera, crer no Deus de Israel e passar a servir-Lhe.
-As circunstâncias da vida de Rute eram suficientes para que ela jamais tomasse esta decisão. Conheceu a família de Elimeleque como uma família decepcionada com o seu Deus, a ponto de abandonar a própria terra natal para tentar uma “vida melhor” no estrangeiro, precisamente a sua própria terra, Moabe.
-Desta forma, poderia, diante disto, considerar que seu deus era superior ao de Israel. Entretanto, apesar disto, passou a ouvir os ensinamentos de Noemi e a perceber que o Senhor era o único e verdadeiro Deus, o que, certamente, foi fortalecido quando enviuvou e viu também sua cunhada enviuvar, já tendo, antes, acompanhado, quem sabe, a morte de Elimeleque.
-Rute percebeu que a desobediência ao Deus de Israel trazia a morte e não a vida, tendo, ao saber que o Senhor voltar a mandar alimento para os israelitas, de que o problema não estava em Deus mas na desobediência daquela família e, por isso mesmo, quando Noemi resolve retornar, entende que, no caminho da obediência, estaria a certeza de uma verdadeira vida melhor.
-A “associação” com Deus somente se dá quando há a decisão de agradar ao Senhor e de cumprir-Lhe a vontade, ou seja, os mandamentos. Como diz o profeta Amós, dois não podem andar juntos se não estiverem de acordo (Am.3:3).
-Não é por outro motivo, aliás, que o apóstolo Paulo manda aos coríntios que tomassem muito cuidado ao se associar às pessoas, visto que associação é diferente de convivência e comprometimento, mandando que se tivesse especial cuidado com os “falsos irmãos” (I Co.5:9-11).
-Noemi convivia com seu marido e filhos, mas nunca se associou a eles, mantendo a sua fé em Deus e sendo um exemplo para suas noras, tanto que Rute, contra a própria vontade de Noemi, resolveu ir para Israel.
-A ”associação” exige a fé, pois, sem fé é impossível agradar a Deus (Hb.11:6) e a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam e a prova das coisas que se não veem (Hb.11:1).
-Apesar da elucidativa e clarividente afirmação de Noemi de que, ainda que gerasse filhos naquele dia, mesmo assim não haveria como recompor a família de modo a que estes novos filhos fossem novos maridos para suas noras (Rt.1:8-18), o que levou Orfa a retroceder, Rute, a exemplo de Abraão (Rm.4:18), em esperança, creu contra toda a esperança, crendo que viria a ser o instrumento para a restauração daquela família destruída.
-Mas Rute também significaria “amizade” e não há como ser amigo de Deus se não se tiver fé, tanto que o “pai da fé” Abraão é chamado de “amigo de Deus” (Is.41:8).
-A “amizade” com Deus advém não só da fé, mas também da redenção, ou seja, do resgate da pessoa escravizada pelo pagamento do preço.
-Todos nós nos tornamos inimigos de Deus quando pecamos, e, para restaurar esta amizade com Deus, torna- se necessário que haja o resgate, a libertação, pois quem vive na prática do pecado é escravo do pecado (Jo.8:34).
-Só o Filho de Deus pode nos tornar verdadeiramente livres (Jo.8:36), livrando-nos do poder de Satanás para o de Deus (At.26:18).
-Deus nos tirou da potestade das trevas e nos transportou para o reino do Filho do Seu amor, em quem temos a redenção pelo Seu sangue, a saber, a remissão dos pecados (Cl.1:13,14a).
-Rute também significa “companheira”. Ela passou a conviver com sua sogra Noemi e de forma tão profunda que disse que apenas a morte a separaria dela (Rt.1:16-18). Rute, ao se comprometer a servir a Deus, também se comprometeu a estar ao lado da sua sogra até o fim.
-Esta resolução de Rute é o que se exige de cada membro em particular do corpo de Cristo (I Co.12:27). Temos de assumir o compromisso de servir ao Senhor e estar ao Seu lado até a morte, pois é isto que Ele exige de nós (Ap.2:10).
-É este, aliás, o compromisso assumido pelos cônjuges quando do casamento (Rm.7:2,3), e não por outro motivo é o casamento a figura bíblica tanto da aliança de Deus com Israel como de Cristo com a Igreja (Ef.5:25-32).
-Bem por isso, o livro de Rute é uma narrativa que nos mostra como Deus cuida da família e, como nesta instituição que é a base, a célula da sociedade, temos de ter associação, amizade e companheirismo.
-Ser “companheira” é ter comunhão, é ter uma unidade, um só pensamento, um só objetivo, um só desígnio. Rute associou-se a Noemi e Noemi a ela e o resultado disto foi a bênção e a vida para sempre (Sl.133), pois onde há união, Deus ali Se manifesta e onde o Senhor está, ali estão inevitavelmente a vida e a bênção para sempre, pois Deus é vida (Dt.30:20), Deus é bênção (Gn.1:28), Deus é Eterno (Sl.90:2).
-Por fim, Rute significa “vistosa”, ou seja, “agradável à vista”. Sua formosura, porém, nada tinha de sensual, como era próprio das mulheres moabitas, que haviam levado os israelitas à prostituição e idolatria no episódio de Baal-Peor (Nm.25; 31:13-18; I Co.10:8).
-Embora fosse bela fisicamente, Rute se sobressaiu muito mais pela sua beleza espiritual, que de todos foi logo reconhecida, como se verifica no primeiro diálogo que teve Boaz com ela (Rt.2:5-12).
-Aqui, uma vez mais, Rute se apresenta como figura da Igreja, pois é ela a Esposa do Cordeiro que se encontra espiritualmente adornada, com a justiça dos santos (Ap.19:7,8), com os dons do Espírito Santo (I Co.1:4-7), embora não seja notada no mundo por, a exemplo de seu Senhor, não ter nenhum traço físico sobressalente (Is.53:2).
-É aquela que, por seu Esposo, o seu Amado, vista como “aquela que é formosa como Tirza, aprazível como Jerusalém, formidável como um exército com bandeiras” (Ct.6:4), “aquela que aparece como a alva do dia, formosa como a lua, brilhante como o sol, formidável como um exército com bandeiras” (Ct.6:10).
-Rute ocupa, na ordem judaica dos livros da Bíblia, a décima oitava posição, sendo o quinto do grupo dos “Escritos” e o segundo do segundo subgrupo desta parte final das Escrituras hebraicas, os “Cinco Rolos”, já que é o livro lido na segunda festividade, que é a da Festa das Semanas ou Festa de Pentecostes.
-Há, porém, alguns, como o historiador judeu Flávio Josefo, que defendiam que as Escrituras hebraicas fossem reunidas em 22 livros, correspondendo cada um a uma letra do alfabeto hebraico e, deste modo, reuniam os livros de Josué e Juízes num único rolo, como também os livros de Samuel e Reis num único rolo.
-Segundo este ponto-de-vista, portanto, Rute ocuparia a décima sexta posição no cânon judaico, sendo associado, assim, à letra “Ayin”, cujo significado é o de “olhos”.
-Os olhos, como disse o Senhor Jesus, são a “candeia do corpo” (Mt.6:22,28) e eles podem ser tanto “maus” quanto “bons”.
Elimeleque teria tido “olhos maus”, pensando na vida na perspectiva puramente material e encontrando, no abandono de Israel, tão somente a morte, enquanto Rute e Noemi, por terem “olhos bons”, tendo uma visão espiritual, com fé e fidelidade a Deus, encontraram a restauração de suas famílias e, mais do que isto, passaram a pertencer à própria linhagem do Messias, a fazer parte da “família de Deus”.
-O livro de Rute, dentro desta perspectiva, também mostra que “os olhos do Senhor estão em todo o lugar, contemplando os bons e os maus” (Pv.15:3) e que, ante o Seu olhar, usa da providência divina para trazer a Sua benignidade, bondade e misericórdia para os que creem e confiam n’Ele.
-Este envolvimento dos servos do Senhor, dos integrantes do Seu povo, com a graça, bondade, benignidade e misericórdia divinas são uma realidade que o apóstolo Paul quis sempre deixar claro aos cristãos, como se verifica de suas saudações iniciais em suas epístolas.
-Na disposição estabelecida pela Septuaginta, que é a adotada pelos cristãos, o livro de Rute ocupa a oitava posição, o que corresponderia à letra hebraica “Hete”, cujo significado é “cerca, muro”, o que faz com que o livro mostre o cuidado divino para com os Seus servos, a Sua proteção, estabelecida fundamentalmente pela benevolência divina, pela graça, misericórdia, que são resultado deste comprometimento dos homens com os mandamentos divinos.
-Esta proteção gera um relacionamento, uma comunhão, motivo pelo qual também se associa o livro de Rute à “amizade”, que, como já vimos, é, a propósito, um dos significados atribuídos à palavra “Rute”.
-Quem agrada a Deus n’Ele confiando recebe a proteção do Senhor, está debaixo das Suas asas (Sl.91:1,2), tem segurança e está eternamente ligado a Deus. É esta possibilidade real que nos mostra o livro de Rute, uma moabita que se torna ancestral do próprio Cristo.
II – AUTORIA E ESTRUTURA DO LIVRO DE RUTE
-A tradição judaica atribui a autoria do livro a Samuel, mas alguns questionam esta atribuição porque o livro fala de Davi.
Entretanto, tais pessoas esquecem-se de que foi Samuel quem ungiu a Davi como rei (Cf. I Sm.16:11-13), sendo certo que o livro realça a figura de Jessé e não contém qualquer indicação de que Davi já fosse rei quando foi escrito (Cf. Rt.4:17), o que torna bem provável a atribuição de autoria a Samuel.
-O livro de Rute faz parte da “segunda onda de inspiração” das Escrituras, que tem início precisamente com o profeta Samuel (I Sm.3:1,19-21; At.3:24), cujo aparecimento fez ressurgir a comunicação de Deus com o Seu povo, fortemente prejudicada diante da tragédia espiritual que foi o período dos juízes (Jz.2:7-23), que termina com o próprio Samuel (I Sm.8:4-8).
-Desta “onda segunda de inspiração” fazem parte os livros de Juízes, Rute e os dois livros de Samuel, como também os escritos de Davi, outros salmistas de seu tempo e Salomão, havendo, então, nova interrupção com a divisão do reino.
-Aqui devemos desmentir alguns pensamentos de falsos ensinadores que procuram dizer que o livro de Rute teria sido escrito como uma “reação à proibição de casamentos mistos” no tempo de Esdras.
-Por primeiro, lembremos que a referida proibição não data da época de Esdras, que apenas levou o povo a retornar a observar o que já prescrevia a lei de Moisés que Esdras foi incumbido de ensinar e a aplicar entre os judeus que haviam retornado do cativeiro (Ed.9).
-Por segundo, dizer que um livro das Escrituras foi escrito para contrariar outra passagem bíblica é um absurdo, já que a Bíblia é a Palavra de Deus e Deus não é contraditório (II Co.1:20).
-Por terceiro, o que o livro de Rute mostra não é uma defesa ou apologia do casamento misto, mas, sim, como alguém, mesmo sendo gentio, pode agregar-se ao povo de Deus mesmo que, a exemplo de Rute, seja previamente considerada impossível se apresentar diante do Senhor, desde que creia no Senhor e o tome por único e verdadeiro Deus.
-Rute, antes de se casar com Boaz, havia se tornado uma serva de Deus, de modo que não houve o chamado “jugo desigual” quando se casou, mas, bem ao contrário, o casamento era até imposto por força da própria lei.
-Rute foi uma mulher que adotou a lei de Deus, que passou a se submeter à vontade divina, bem diferente das mulheres estrangeiras desposadas nos dias de Esdras, que levavam seus filhos a praticar a idolatria e que puseram em risco a própria identidade de Israel como povo santo (Ed.9:1,2).
-A mensagem de Rute, portanto, não só não se contrapõe como ainda reforça a medida tomada por Esdras na questão dos casamentos mistos, que, alguns anos depois, seria retomada por Neemias (Ne.13:23-31).
-O livro e Rute é uma preciosa lição que o Senhor nos dá em Sua Palavra de que como não se podem edificar famílias sadias e que alicercem o povo de Deus se houver “casamentos mistos”.
-Uma outra teoria procura estabelecer que o livro de Rute teria sido elaborado na época dos reis hasmoneus, ou seja, no curto período em que os israelitas se libertaram do reino da Síria até serem subjugados pelos romanos, no período intertestamentário, entre 164 e 63 a.C.
-Trata-se de mais um devaneio destes estudiosos incrédulos; a uma, porque sabido que, durante o período intertestamentário, não houve inspiração das Escrituras, pois nenhum profeta foi levantado depois de Malaquias até o início do ministério de João Batista, o que torna impossível o surgimento de um livro inspirado no período.
-A duas, porque, segundo tais “estudiosos”, o livro seria uma reação ao exclusivismo étnico trazido pelos hasmoneus, o que faz com que se tenha aqui os mesmos erros já apontados para a outra teoria, que cria a hipótese de livros que se contradiriam no texto sagrado, e, aqui, com um agravante, a contraditoriedade seria contra os escritos feitos neste período, em especial os livros apócrifos de I e II Macabeus.
-A propósito, como já demonstramos, a mensagem de Rute nada se contrapõe ao mandamento divino de Israel ser um povo santo e um reino sacerdotal, o que evita, à evidência, os casamentos mistos.
-O livro de Rute, que tem 4 capítulos, pode ser dividido em três partes, a saber:
a)1ª parte – introdução – a narrativa do drama de Noemi e sua volta a Judá – Rt.1
b)2ª parte – a história de amor entre Rute e Boaz – Rt.2:1-4:17
c)3ª parte – a genealogia de Davi – Rt.4:18-22
-Segundo Finis Jennings Dake (1902-1987), o livro de Rute tem 4 capítulos, 85 versículos, 16 perguntas, sendo o primeiro livro da Bíblia sem profecia ou mensagem particular de Deus por um profeta de Israel, 30 ordens e 2 promessas.
-O texto bíblico diz que os acontecimentos do livro de Rute ocorreram “no tempo dos juízes”, sem precisar em que época isto ocorreu.
-Há controvérsia sobre a duração do período dos juízes, um longo período entre 1415 ou 1462 a.C., segundo respectivamente os cronologistas bíblicos Edward Reese (1928-2015) e Frank Klassen (1895-1967), e 1067
a.C. J.B. Pyne afirma, entretanto, que o período dos juízes teve uma duração de 319 anos até o início do governo de Samuel, consoante cronologia que apresenta em ‘O novo dicionário da Bíblia”, organizado por
J.D. Douglas, como se verifica na página 889 da referida obra.
-A Tábua Cronológica da Bíblia, editada por Jorge Defanti, é muito feliz ao afirmar sobre este período, “in verbis”: “…A cronologia dos juízes é muito incerta, porque há informações sobre simultaneidade de acontecimentos…”.
-Segundo Reese e Klassen, a história de Rute teria se dado por volta de 1268 a.C ou 1251 a.C, respectivamente, após o governo do terceiro juiz, Sangar, quando então teria sobrevindo a opressão do rei de Canaã, Jabim, que durou vinte anos (Jz.4:1).
-Na já mencionada Tábua Cronológica da Bíblia, a história de Rute, ainda que expressamente reconhecido não haver certeza da afirmação, é posta durante o tempo de Gedeão, o quinto juiz.
-No livro de Rute, nós observamos como Deus não faz acepção de pessoas e como estava velando para o desenvolvimento de Sua promessa de redenção da humanidade, através da formação da casa de Davi. Rute mostra-nos Jesus como o nosso Remidor, o nosso Redentor.
OBS: “Paralelismo do livro de Rute com o Novo Testamento – Este livro declara quatro verdades do Novo Testamento.
(1) Transtornos humanos dão oportunidade a Deus para realizar Seus grandes propósitos redentores (Fp.1.12).
(2) A inclusão de Rute no plano da redenção demonstra que a participação no reino de Deus independe da descendência física, mas pela conformação da nossa vida à vontade de Deus, mediante a ‘obediência da fé’ (Rm.16.26; cf. Rm.1.5,16).
(3) Rute como partícipe da linhagem de Davi e de Jesus (ver Mt.1.5) significa que pessoas de todas as nações farão parte do reino do grande ‘Filho de Davi’ (Ap.5.9; 7.9).
(4) Boaz, como o parente-remidor, é uma prefiguração do grande Redentor, Jesus Cristo (Mt.20.28…).” (BÍBLIA DE ESTUDO PENTECOSTAL, p.421).
“Cristo Revelado – Boaz representa uma das mais dramáticas figuras do AT que antecipa a obra redentora de Jesus Cristo. A função de ‘parente remidor’ cumprida de forma tão elegante nas ações que promoveram a restauração pessoal de Rute, dá testemunho eloquente a respeito disso.
As ações de Boaz efetuam a participação de Rute nas bênçãos de Israel e a incluem na linhagem familiar do Messias (Ef.2.19).
Eis aqui uma magnífica silhueta do Mestre, antecipando em muitos séculos a Sua graça redentora. Como nosso ‘parente chegado’, Ele Se torna carne – vindo como um ser humano (Jo.1.14; Fp.2:5-8).
Pela Sua disposição em Se identificar com a família humana (assim como Boaz assumiu as funções da sua família humana), Cristo operou uma redenção completa da nossa condição.
E mais: a incapacidade de Rute em fazer qualquer coisa para alterar a sua própria condição tipifica a absoluta incapacidade humana (Rm.5.6); e a prontidão de Boaz em pagar o preço completo (4.9) antecipa o pagamento total de Cristo pela nossa salvação (1Co.6.20; Gl.3.13; 1 Pe.1.18-19). (BÍBLIA DE ESTUDO PLENITUDE, p.282).
Pr. Caramuru Afonso Francisco
Fonte: https://www.portalebd.org.br/classes/adultos/10669-licao-2-o-livro-de-rute-i