INTRODUÇÃO
– Na sequência do estudo do período da formação da Comunidade do Segundo Templo, analisaremos hoje a questão da união.
– Avivamento espiritual exige união.
I – UM OBSTÁCULO À OBRA DA REEDIFICAÇÃO SURGE NOS RELACIONAMENTOS SOCIAIS ENTRE OS JUDEUS
– Na continuidade do estudo do período da formação da denominada “Comunidade do Segundo Templo” com vistas a termos lições sobre o avivamento espiritual, estudaremos a questão da união do povo de Deus.
– Lembramos que, ao estudarmos sobre os episódios que levaram ao levantamento do altar, logo que o povo judeu retornou do exílio, um dos fatores que indicaram o avivamento foi o fato de eles terem se ajuntado como um só homem em Jerusalém (Ed.3:3).
– A união do povo de Deus é essencial para que se tenha um verdadeiro e genuíno avivamento espiritual, porque, quando os irmãos vivem em união, ali o Senhor ordena a bênção e a vida para sempre (Sl.133).
– Para analisarmos este aspecto, o saudoso comentarista convida-nos a analisar o que ocorreu nos dias de Neemias, quando ele ainda lutava para reconstruir os muros da cidade, fatos narrados no capítulo 5 do livro daquele governador.
– Neemias relata a grande oposição que lhe faziam Sambalate, Tobias e Gesem e como, em virtude dela, tiveram os edificadores de trabalhar com uma mão nas ferramentas e outra nas armas. Eram, verdadeiramente, “tempos angustiosos”, como, aliás, já profetizara a respeito o profeta Daniel (Dn.9:25).
– Em meio a esta aflição por causa da ameaça de um ataque iminente do exército de Samaria, exsurge um novo obstáculo à obra, surpreendente até, visto que não nascido do exterior, não proveniente do inimigo, mas, sim, do próprio interior do povo de Judá.
Este obstáculo como que interrompe a narrativa da oposição dos adversários e passa a ser relatado por Neemias.
– “Foi, porém, grande o clamor do povo e de suas mulheres, contra os judeus, seus irmãos” (Ne.5:1). No meio da aflição que se vivia por causa do perigo externo, aparece uma murmuração entre os judeus, um desentendimento entre os próprios compatriotas.
Por que havia este clamor? O próprio Neemias responde: porque estava ocorrendo uma desmedida exploração dos mais pobres pelos mais ricos que, diante da fome que havia na terra, aproveitaram a ocasião para se enriquecer ainda mais, gerando um quadro de grande servidão por causa das dívidas contraídas pelos mais pobres para que pudessem sobreviver, alimentar-se do necessário.
– O quadro em Judá era, como descrito pelos judeus quando se encontraram em Neemias, era de grande miséria e de desprezo (Ne.1:3).
Neemias tinha consciência disso desde quando passou a orar a Deus e pôde vê-lo com seus próprios olhos ao chegar a Jerusalém.
No entanto, este clamor lhe revelava um fator que até então lhe passara despercebido: a grande miséria não era só resultado da falta de recursos, da inexistência de uma Jerusalém reedificada e segura, mas, também, consequência de uma injustiça social.
– Diante da situação de escassez de recursos, os pobres, para poderem se alimentar, acabaram se endividando com os mais ricos, que, sem dó nem piedade, aproveitaram-se da ocasião para tomarem as terras dos seus compatriotas, como também de reduzi-los à escravidão.
– Como se sabe, a única forma pela qual se permitia a escravidão de judeus por judeus na lei de Moisés era em virtude das dívidas.
Não tendo com que pagar as dívidas, os devedores eram escravizados pelo prazo máximo de seis anos (Lv.21:1,2).
– Ante a situação difícil em que os judeus se encontravam, em pouco tempo quase todo o povo fora escravizado por uns poucos que, detentores dos recursos, não tiveram outro objetivo senão se aproveitar da ocasião para seu próprio enriquecimento, sem exercer a misericórdia que se exigia de um povo que servia ao Senhor, Ele próprio misericordioso.
– A situação era de calamidade social e, com este clamor, Neemias percebeu claramente que não poderia executar a obra da reedificação dos muros e portas de Jerusalém, visto que tal obra exigia a participação de todos, a união de todo o povo, algo imprescindível para se realizar a vontade de Deus.
Havia ele conclamado todo o povo à obra e ali estava o povo todo a trabalhar, apesar das angústias vividas, mas este clamor representava um enorme fator de risco para a continuidade da obra.
– De igual maneira, não podemos fazer a obra de Deus se não houver comunhão na Igreja. A Igreja tem de se caracterizar pela comunhão, como nos deixa claro a descrição que Lucas faz da igreja primitiva em Jerusalém em At.2:42-47.
– A comunhão dá-se não somente pela crença em comum na pessoa de Jesus Cristo, mas também no compartilhamento tanto material quanto espiritual dos crentes.
“Eles tinham tudo em comum”, relata o livro de Atos, o que importava, inclusive, no compartilhamento do necessário para a sobrevivência.
Quando isto teve uma certa defasagem, vemos o surgimento da murmuração no capítulo 6 de Atos, o que levou os apóstolos à instituição do diaconato, para que não houvesse a persistência da carência ainda que em um segmento da comunidade.
– Não há como se realizar a contento a obra do Senhor se os relacionamentos sociais dos salvos não forem transformados pelo Evangelho.
Por isso, o Senhor Jesus nos ensinou que devemos amar uns aos outros como Ele nos amou, amor que não envolveu apenas o aspecto da salvação, mas também a tomada de atitudes concretas para minorar o sofrimento e a carência do povo, inclusive no que respeita aos aspectos terrenos de nossa existência.
– Nos dias hodiernos em que vivemos, de crescente desigualdade social apesar do progresso da tecnologia, a Igreja não poderá realizar a obra do Senhor se transferir para o seu interior o mesmo quadro de injustiça social que o mundo está a viver.
Muitos, a exemplo do que ocorria nos dias de Neemias, estão se aproveitando de sua posição privilegiada na sociedade e, sem dó nem piedade, estão a se enriquecer às custas do próximo e, o que é mais grave, às custas dos próprios irmãos.
É triste verificarmos que, assim como ocorre no mundo, não são poucos os que fazem da Igreja um local para acumulação de riquezas, para o seu próprio enriquecimento, gerando as mesmas murmurações que foram ouvidas por Neemias junto ao povo e às suas mulheres que, por causa do pão de cada dia,
estavam em situação deplorável, com a perda tanto de seu patrimônio quanto de seus familiares, que já se achavam escravizados pelos mais ricos.
– A situação de extrema desigualdade social é contrária à vontade do Senhor. Quando do estabelecimento da lei, o Senhor já sinalizara para o povo de Israel que, embora sempre haverá diferença de rendimentos entre os homens, pois a pobreza é inafastável da realidade humana (Dt.15:11),
não se poderia admitir uma diferença gritante entre os diversos segmentos da sociedade e, mais ainda, que os mais pobres ficassem a viver em extrema escassez a ponto de lhes colocar em risco a sua dignidade.
– Tanto assim é que o Senhor mandou criar mecanismos que impedia o crescimento ilimitado da desigualdade social entre os israelitas, tais como a limitação da escravidão de um israelita por outro a seis anos (Ex.21:1,2);
o ano sabático, onde o descanso da terra era acompanhado da liberdade de qualquer um colher do fruto da terra naquele ano (Ex.23:10,11);
a respiga, que permitia que os necessitados colhessem livremente o que caía na hora da colheita (Lv.19:9; Dt.24:19-21) e, por fim,
o ano do jubileu, quando as propriedades adquiridas eram devolvidas aos seus donos primitivos, o que, a um só tempo, impedia a concentração de renda e se criava um instrumento para se evitar o aumento desmedido dos preços (Lv.25:10-15).
– Como se não bastasse isto, verificamos, ao longo da história sagrada, que as ocasiões de intensa desigualdade social que se encontraram em Israel eram precisamente períodos de ocaso espiritual, a nos apontar que o distanciamento da vontade de Deus gera um quadro de injustiça social.
É a situação que vemos no final do reinado de Salomão, quando a idolatria havia retornado à sociedade (I Rs.12:4); no reinado de Zedequias, o último rei de Judá, quando a apostasia chegou ao seu grau máximo (Jr.34:8-11).
– O Senhor, por fim, dá-nos demonstração inequívoca de seu desagrado com este estado de injustiça social quando levanta profetas para denunciar esta situação, como vemos, por exemplo, nos ministérios de Amós (Am.4, 5, 8), Miqueias (Mq.2,3) e Jeremias (Jr.34:12-22).
– Diante da situação angustiante que se estava a passar na reedificação dos muros e das portas de Jerusalém, o povo não mais aguentou e começou a clamar.
Ao povo, diante da situação de miséria em que se encontrava, situação que não tinha qualquer perspectiva de modificação, não tinha outra coisa a se falar senão clamar. Este recurso não é condenado por Deus.
Pelo contrário, a Bíblia nos fala que o Senhor atenta para o clamor do pobre e do necessitado (Ex.2:23; 3:7,9; 22:22,23; Jó 34:28; Sl.9:12).
– Deus não quer que o pobre clame somente a Ele. Também é legítimo que o pobre clame aos demais homens, sendo certo que se os homens não o ouvirem, também não serão ouvidos por Deus (Pv.21:13).
– O fato é que a situação era tão aflitiva que o povo e as suas mulheres começaram a clamar não somente a Deus mas, também, contra os judeus, seus irmãos, a nos revelar que,
quando há insensibilidade por parte dos mais aquinhoados em relação ao clamor dos pobres, temos, também, um incentivo e estímulo ao desespero, o que poderá levar, inclusive, os pobres a pecar, deixando de simplesmente clamar para começar a murmurar.
Este pecado não será, porém, apenas dos pobres, mas também dos que foram responsáveis por esta situação. Temos consciência disso?
– A situação, entretanto, não parece ter sido percebida por Neemias logo de início, pois foi preciso que o povo clamasse insistentemente até o ponto em que “Neemias se enfadou” (Ne.5:6).
É preciso ter perseverança, mesmo no clamor por causa da necessidade e da carência. Caso o povo e as suas mulheres tivessem, diante de uma aparente indiferença inicial de Neemias, cessado de clamar, não teria havido qualquer modificação na situação adversa que estavam a passar.
O clamor do pobre e do necessitado tem de ser ouvido pela Igreja que, não só no seu interior, mas também na sociedade, deve fazer com que haja uma perseverança, uma persistência neste clamor, até que haja o “enfado” de quem pode modificar a situação.
Espelhemo-nos no exemplo da viúva da parábola do juiz iníquo (Lc.18:1-8) que, apesar de saber que o juiz não queria fazer justiça a pessoa alguma, não desanimou e perseverou em sua demanda, até que conseguiu que a justiça fosse feita.
– Qual é a nossa situação diante da grande injustiça social que existe tanto dentro da Igreja quanto na sociedade em que vivemos? Será que somos como o juiz iníquo? Sensibilizemo-nos com o clamor do pobre e do aflito para que possamos também ser ouvidos pelo Senhor e pelos homens.
II – NEEMIAS ATENDE AO CLAMOR DOS NECESSITADOS
– Neemias era um homem de Deus e, embora tenha resistido um pouco ao clamor do povo e de suas mulheres, “enfadou-se”. Este enfado foi uma bênção, visto que, por primeiro, foi uma conversão interior.
O próprio Neemias afirma que “considerou consigo mesmo no seu coração”. Coisa boa é quando nos sensibilizamos por causa do clamor do pobre e do necessitado, quando sentimos compaixão pelo próximo, quando nos deixamos sensibilizar pela situação de injustiça por que passa a humanidade.
– Neemias, primeiro, verificou se as reivindicações apresentadas estavam de acordo com a Palavra do Senhor. Sentiu, como homem de Deus que era, que o clamor era justo e legítimo e que a forma pela qual a elite judaica estava vivendo não correspondia à vontade de Deus.
Não havendo a observância da vontade de Deus nos relacionamentos sociais, jamais o Deus do céu faria prosperar a obra de reedificação dos muros e portas de Jerusalém.
– Neemias também ponderou que de nada adiantaria restabelecer Jerusalém como uma cidade, com muros, portas e segurança, caso não houvesse justiça entre os judeus, pois a estrutura social não existe por si só, mas, sim, para o homem, o que, aliás, o Senhor Jesus ensinaria ao dizer que o sábado foi feito para o homem e não o homem, para o sábado (Mc.2:27).
– Neemias, após ter entendido que o clamor era justo e legítimo e, portanto, para ele estava a atentar o Senhor, tomou uma atitude concreta e corajosa: pelejou com os nobres e com os magistrados, mostrando-lhes que eles haviam praticado usura, tendo, inclusive, ajuntado um grande ajuntamento contra eles (Ne.5:7).
– Neemias, em suas ponderações, observou claramente que este enriquecimento desmedido em detrimento dos menos favorecidos era usura, o que era expressamente vedado pela lei (Ex.22:25; Lv.25:36,37; Dt.23:19,20).
“Usura” é a cobrança de juros excessivos sobre o empréstimo dado a alguém, uma verdadeira transferência do patrimônio para alguém sem que tenha havido qualquer trabalho por parte daquele que enriquece.
– A quem Neemias então deveria se dirigir? Aos que haviam se enriquecido indevidamente, ou seja, os nobres e magistrados, à elite judaica. Assim, afirma que “pelejou” com eles, a mostrar que não foi na primeira ocasião que conseguiu convencer os poderosos da sociedade de então a ceder às reivindicações dos menos favorecidos.
– Neemias chegou mesmo a ajuntar o povo num ajuntamento contra os nobres e os magistrados, a indicar que a resistência era grande para que se alterasse a situação.
Não nos iludamos, portanto, quando empunhamos a bandeira da justiça social, da diminuição das desigualdades, seja no interior da Igreja, seja na sociedade, pois a resistência sempre será grande, mas perseveremos, porquanto estaremos a fazer a vontade de Deus.
Feito o ajuntamento, um ajuntamento pacífico e ordeiro, determinado pela própria autoridade [o próprio Neemias, que era o governador],
Neemias denunciou a injustiça cometida, lembrando aos nobres e magistrados que todo o povo havia sido resgatado do cativeiro, que todos haviam readquirido a liberdade, por uma operação divina, e, portanto, como agora os próprios judeus estariam a escravizar os seus irmãos?
Como dizer que se estava lutando pela manutenção da liberdade frente aos povos vizinhos, que queriam escravizá-los, se os próprios judeus escravizavam seus irmãos? (Ne.5:8).
– A injustiça social é um reflexo do pecado que campeia na humanidade, pois todo pecado é iniquidade, ou seja, injustiça (I Jo.3:4).
Assim, consentir com a injustiça social, tirar proveito dela é consentir com o pecado e é digno de morte tanto quem o pratica, quanto quem consente com a sua prática (Rm.1:32).
– A injustiça social leva os homens à uma situação tanto de miséria quanto de suntuosidade que compromete a sua própria dignidade, tornando-se um fator de incentivo para a prática do pecado.
O sábio Agur já ensinava que a situação de extrema injustiça social é uma janela escancarada para o pecado, seja para o pobre, que se tornará um furtador; seja para o rico, que se tornará um vaidoso e soberbo (Pv.30:8,9).
– O papel do governante, como se vê, é o de promover, de forma ordeira, justa e legítima, a cessação das atividades que geram a injustiça social, ficando sempre ao lado dos menos favorecidos, sem que, para tanto, venha a destruir os mais abastados.
Faz-se preciso denunciar a injustiça e conscientizar os mais abastados a tomar medidas efetivas para que tal situação deixe de existir, diminuindo o abismo entre os estratos extremos da sociedade.
– Neemias, em sua argumentação, não se utilizou de qualquer filosofia, ideologia ou doutrina humanas.
Como homem de Deus, mostrou claramente aos nobres e magistrados que era necessário “andar no temor do nosso Deus, por causa do opróbrio dos gentios, os nossos inimigos” (Ne.5:9).
Sem o temor de Deus, não há como se realizar justiça social. Sem que estejamos obedientes ao Senhor, não há como vivermos de acordo com a Sua vontade no que respeita aos nossos relacionamentos sociais.
– Por isso, a melhor forma pela qual a Igreja tem para debelar a extrema desigualdade social é através de uma vida de temor a Deus, de estrita obediência à Palavra de Deus.
Não é papel da Igreja assumir filosofias, doutrinas ou pensamentos humanos para tentar criar condições para uma melhor vida sobre a face da Terra, mas lutar e pelejar para que, havendo temor a Deus, esta melhora se realize pela concretização do amor ao próximo, da vontade do Senhor.
– A presença da injustiça social no meio da Igreja, como se tem verificada cada vez mais entre nós, é mais uma demonstração de que está a faltar o temor a Deus entre os que cristãos se dizem ser.
O temor a Deus não se apresenta apenas em uma maior devoção individual, mas, também, num relacionamento fraterno e amoroso para com o irmão, na ajuda aos necessitados, a começar pelos de nossa igreja local.
– Neemias não foi um político demagogo, que simplesmente fez discursos e promessas ao povo que clamava, sem tomar qualquer iniciativa concreta.
Não só assumiu a luta contra os nobres e magistrados, como fez o ajuntamento de todos contra eles, mas também confessou e deixou as suas próprias práticas usurárias, pois também ele, seus irmãos e seus moços haviam emprestado dinheiro para os mais necessitados.
Num gesto exemplar, Neemias abandonou o ganho dos juros destes empréstimos, fazendo antes de exigir que os outros fizessem (Ne.5:9).
– Neemias, então, após dar o exemplo, determinou que os nobres e magistrados restituíssem aos pobres as suas terras, as suas casas, como também a taxa que estavam a cobrar de juros pelo dinheiro, trigo, mosto e azeite que exigiam deles, taxa que correspondia ao “centésimo”, ou seja, 1% (um por cento)
(Ne.5:10,11), taxa bem inferior ao que vemos em nosso país, que é conhecido como “o paraíso dos juros” em nosso planeta.
Neemias foi vitorioso e a elite judaica também se sensibilizou com o clamor dos pobres e necessitados, restituindo o que haviam tomado dos mais necessitados, como também deixando de exigir os juros que estavam a cobrar, compromisso que foi solenemente firmado, tendo, inclusive, havido juramento perante os sacerdotes (Ne.5:12), bem como o gesto simbólico do sacudir do regaço (Ne.5:13).
– A consequência de se ter conquistado a justiça social, com o fim da desigualdade social gritante, foi o louvor a Deus (Ne.5:13).
A justiça social é uma boa obra e, com ela, o nome do Senhor é glorificado. Que bom será quando isto se der no interior de cada igreja local!
III – A JUSTIÇA SOCIAL ATINGE A ADMINISTRAÇÃO DE JUDÁ
– O capítulo 5 de Neemias, contudo, não termina nesta redenção dos relacionamentos sociais entre pobres e ricos.
– Neemias como que explica como havia sido bem sucedida a sua modificação do quadro da injustiça social. Ele tinha credibilidade pois, diante do quadro de grande miséria e desprezo que vivia o seu povo, não se prevaleceu da sua condição de governador para se enriquecer.
– Neemias dá-nos conta de que, desde o dia em que foi nomeado governador na terra de Judá pelo rei Artaxerxes até o fim do seu primeiro mandato, que foi de doze anos (desde o ano vinte até o ano trinta e dois daquele rei – Ne.5:14), Neemias nem seus irmãos comerão do “pão do governador”, ou seja, não receberam os salários a que fariam jus pelo exercício desta função.
– Esta expressão de Neemias mostra-nos que, embora não seja pecaminoso que um governante seja assalariado, todo governante precisa ter a prudência e a sensibilidade para que este assalariamento não seja um escândalo, uma ocasião para que se tenha murmuração e revolta em meio à população.
– O apóstolo Paulo também procedeu do mesmo modo em Tessalônica, quando, para que não houvesse escândalo entre os que se evangelizavam ali, trabalhou noite e dia para não ser pesado aos irmãos e, com isto, ter credibilidade e legitimidade para pregar o Evangelho (I Ts.2:9).
É o próprio Paulo quem diz que digno é o obreiro do seu salário (I Tm.5:18), ensino, aliás, que é do próprio Senhor Jesus (Lc.10:7). Todavia, este ganho deve ser obtido sem escândalo, sem que isto seja um tropeço para a obra de Deus.
– Neemias, mesmo tendo caído na “tentação da usura”, desde quando chegou a Jerusalém, ao verificar a situação de grande miséria e desprezo que vivia o povo abriu mão do “pão do governador”,
num gesto de sensibilidade e de compaixão para com o próximo. Sem dúvida alguma, este seu gesto foi um dos fatores para que tivesse autoridade para conseguir demover a grande injustiça social então reinante.
Como afirma o próprio Neemias: “…nem por isso exigi o pão do governador, porquanto a servidão deste povo era grande” (Ne.5:18 “in fine”).
– Muito da injustiça social em nossas igrejas locais se deve à falta de autoridade que muitos de nossos líderes tem tido precisamente porque não só não abrem mão do “pão do governador”, como ainda, a exemplo de nossas autoridades civis, estão perigosamente a se acostumar a uma vida nababesca, incompatível com a situação social de nosso povo.
É preciso que tenham a mesma sensibilidade que tiveram tanto Neemias quanto Paulo para que a obra de Deus não continue a ser prejudicada.
– Os antecessores de Neemias oprimiram o povo, tomaram-lhe pão e vinho e, além disso, quarenta siclos de prata, uma espécie de “imposto per capita (por cabeça) abrindo caminho para que seus moços, isto é, seus ajudantes também dominassem duramente sobre o povo, tudo fazendo porque não tinham temor a Deus, ao contrário de Neemias (Ne.5:15).
Esta situação não nos é desconhecida. Vivemos num país em que a Administração Pública se tornou uma grande opressão para o povo, com um aumento desmedido da carga tributária sem que haja qualquer retorno para o bem-estar da população.
Como se não bastasse isso, os gastos governamentais aumentam cada vez mais com salários dos governantes e de seus assessores, cada vez em maior número, sem falar no que é desviado pela corrupção para a satisfação dos “caixas dois” de campanhas dos partidos e enriquecimento dos políticos. Tudo isto é mostra de falta de temor a Deus.
– Lamentavelmente, os que cristãos se dizem ser que ocupam tais posições, em vez de se comportarem como Neemias, estão a copiar os antecessores de Neemias, vivendo da mesma maneira que os integrantes da Administração que não servem a Deus, mostrando, com isso, que não têm também temor a Deus.
Devemos observar estas condutas e, na hora das eleições, não nos deixar levar pela simples afirmação de que A ou B é “crente”, mas verificar se, no exercício das funções públicas, agiram como “crentes” ou se tão somente estão a repetir as mesmas atitudes deletérias e reprováveis dos incrédulos.
– O que ocorre, porém, é que esta opressão não se circunscreve apenas à Administração Pública. As igrejas locais, também, em suas estruturas administrativas, estão cada vez mais parecidas com o Estado.
Há, também, muita opressão sobre o povo, com uma crescente arrecadação que não se converte em benefício da obra de Deus, havendo também muitos “moços” que estão a dominar o povo, vivendo como parasitas em torno dos cofres das igrejas.
Há muitos “mercenários” no meio do povo de Deus. Torna-se necessário e urgente que o temor a Deus volte a prevalecer na administração de nossas igrejas.
– Neemias, além da sensibilidade para abrir mão do “pão do governador”, também tomou a decisão de participar da obra de reparação, dando o exemplo, não querendo ser um “mandão”, mas um “líder servidor”, assim como o Senhor Jesus nos ensina, pois, em termo se Igreja, o maior deve servir o menor e não o contrário, como ocorre no mundo.
– Neemias, também, além de se mostrar um líder servidor, que não se isolava dos seus liderados, também tomou o cuidado de não ter um acréscimo patrimonial que pudesse causar escândalo ao povo. Fez questão de não comprar terra alguma, a fim de que não se criasse suspeita a respeito de sua honestidade.
– O aumento patrimonial não é um mal em si. Deus abençoa os Seus servos e pode, sim, fazer com que alguém venha a enriquecer.
No entanto, para quem está na liderança, seja na sociedade, seja na igreja, todo cuidado é pouco e se deve viver de maneira tal que não haja qualquer motivo de suspeita.
É bom lembrarmos que, segundo a legislação brasileira, o aumento patrimonial injustificado por si só já se constitui em ato de improbidade administrativa, ou seja, numa demonstração de desonestidade.
Ora, se assim é a lei dos homens, como deve comportar-se o salvo, cuja justiça deve exceder a dos escribas e fariseus (Mt.5:20)?
OBS: Assim diz o artigo 9º da lei 8.429/1992: “Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer
tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art.1º desta lei e, notadamente:
(…) VII – adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público;”
– Neemias não comprou qualquer terra para não dar motivo à murmuração nem que tal exemplo pudesse fomentar o recrudescimento da injustiça social.
Assim devem também fazer os líderes no meio do povo de Deus, agindo de forma transparente para que toda e qualquer aquisição não seja motivo de desconfiança ou suspeita. A falta de transparência, entretanto, é mais uma das mazelas de nossos dias hodiernos.
– Além de não adquirir qualquer propriedade, Neemias ainda fez com que seus moços também se ajuntassem à obra.
Neemias também não quis criar uma “casta de privilegiados” em torno de si, não quis que seus “assessores” usassem da proximidade com o líder para se fazerem “chefetes” no meio do povo, o que, também, infelizmente, tem ocorrido no meio das igrejas locais. Não havia, nos dias de Neemias, lugar para “parasitas”.
– Neemias não só mandava os seus moços trabalharem, mas também se incumbia de, às suas expensas, providenciar o sustento deles e dos cento e cinquenta homens dos judeus e magistrados, além daqueles que vinham aos judeus dentre as gentes que estavam à sua roda.
Todos os dias, era preparado um boi e seis ovelhas escolhidas, além de aves, sendo que, de dez em dez dias, era providenciado muitíssimo vinho. Neemias cuidava dos seus, mas nem por isso exigia o “pão do governador”.
– Temos aqui que não se está a defender que os líderes passem necessidades ou vivam indignamente. Têm eles, como já dissemos, o direito ao salário para que possam viver com dignidade e bem cuidar dos seus, pois também são pais de família.
De igual maneira, têm o mesmo direito aqueles que estão ajudando os líderes. Todavia, tudo deve ser feito com transparência e sem qualquer intuito de enriquecimento.
Neemias era tão transparente que deixou registrado o quanto se gastava com alimentação dia após dia. Precisamos desta mesma transparência no meio do povo de Deus.
– Por que Neemias agiu desta maneira? Primeiro, como vimos, porque tinha temor a Deus. Segundo, porque queria o bem do seu povo. Por isso, ao prestar contas de sua administração, termina com uma oração ao Senhor:
“Lembra-Te de mim para bem, ó meu Deu, e de tudo quanto fiz a este povo” (Ne.5:19). Será que com a administração que temos feito dos recursos do povo de Deus, podemos ter convicção de que Deus Se lembra de nós para nosso bem?
IV – AS CONSEQUÊNCIAS DO RESTABELECIMENTO DA UNIÃO
– Após as medidas tomadas por Neemias, cessou a murmuração dos mais pobres e pôde o governador prosseguir com a reconstrução dos muros de Jerusalém.
– A inquietação, o mal-estar desapareceram e o povo, como um só homem, voltaram a realizar a obra que se conclui no tempo recorde de 52 dias (Ne.6:15).
– Com a retomada da união do povo, o inimigo não teve mais condição de tentar desfazer o propósito dos israelitas a partir do interior, a partir dos próprios judeus.
Notemos que, ao vermos a narrativa bíblica, que, logo após a retirada destas causas de desunião do povo, o muro foi edificado e nele já não havia brecha alguma (Ne.6:1).
– Temos aqui um importante simbolismo que muito nos ensina. A união dos salvos faz com que sejam removidas as brechas, ou seja, ter desunião é dar lugar ao inimigo (Ef.4:27), é abrir brechas em nossa vida espiritual e sabemos que, por meio das brechas, o inimigo, mais dia, menos dia, obtém a destruição (Jr.39:2-6; 52:7-11; Ez.22:30)
– Com a união, conseguimos “edificar o muro”, ou seja, atingir os propósitos estabelecidos pelo Senhor, porque a união faz com que se tenha o ambiente propício para que se realize a vontade de Deus.
– O povo de Deus é forjado pela união. O apóstolo Paulo mostra que a unidade é característica essencial da Igreja, elencando sete aspectos da unidade, a saber: um só corpo, um só Espírito, uma só esperança da vocação, um só Senhor, uma só fé, um só batismo, um só Deus e Pai de todos (Ef.4:4-6).
– O povo de Deus é um só corpo, porque somos todos membros uns dos outros (Rm.12:5; Ef.4:25), tendo por cabeça a Cristo (Ef.5:23).
– O povo de Deus tem um só Espírito, pois, quando cremos em Cristo, recebemos todos o Espírito Santo (Jo.7:38,39), que testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus (Rm.8:15,16).
Os que causam divisões, os que procuram desunir somente o fazem porque não têm o Espírito (Jd.19).
– O povo de Deus tem uma só esperança da vocação, porque está esperando o Senhor Jesus vir buscá-lo para que onde o Senhor estiver, estejam eles também (Jo.14:1-3; I Ts.1:10; Tt.2:13;I Jo.3:2,3).
– O povo de Deus tem um só Senhor, pois serve única e exclusivamente ao único e verdadeiro Deus (Dt.6:4; Mt.23:8).
O povo de Deus tem uma só fé, pois somos salvos por meio da fé (Ef.,2:8), a fé que vem pelo ouvir pela Palavra de Deus (Rm.10:17).
– O povo de Deus tem um só batismo, porque somente somos inseridos no corpo de Cristo pelo Espírito Santo (I Co.12:13), lembrando que aqui batismo é a inserção no povo de Deus, não se confundindo seja com o batismo nas águas, seja com o batismo com o Espírito Santo.
– O povo de Deus tem um só Deus e Pai de todos, pois somente os que creem no Senhor é que são filhos de Deus (Jo.1:12).
– Não é por outro motivo que devem os membros do povo de Deus guardar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz (Ef.4:3), buscando sempre manter esta unidade para que a Igreja, edifício que é do Senhor (Mt.16:13), possa ser edificada, como foram os muros de Jerusalém. A Igreja é uma, este é um dos seus elementos identificadores.
– É o que diz, muito propriamente, o item 8 do Cremos da Declaração de Fé das Assembleias de Deus: “[CREMOS] Na Igreja, que é o Corpo de Cristo, coluna e firmeza da verdade, una, santa e universal assembleia dos fiéis remidos de todas as eras e todos os lugares, chamados do mundo pelo Espírito Santo para seguir a Cristo e adorar a Deus (I Co.12:27; Jo.4:23; I Tm.3:15; Hb.12:23;Ap.22:17).” (negrito nosso).
– O inimigo, não tendo como agir, foi, então, ameaçar Neemias e chamá-lo para que se encontrasse com os inimigos no vale de Ono (Ne.6:2).
O inimigo teve de recorrer a outro lugar, para tentar executar seus planos, pois não tinha mais guarida no meio do povo e isto facilitou tremendamente o enfrentamento por parte de Neemias, que, simplesmente, disse que tinha uma grande obra a fazer e que não poderia descer até aquele vale (Ne.6:3).
– Quando o povo de Deus se une, o inimigo fica sem espaço para atuar internamente e terá de recorrer a expedientes externos, o que facilita sobremaneira a nossa luta contra ele. Lembremos disto!
Ev. Caramuru Afonso Francisco
Fonte: https://www.portalebd.org.br/classes/adultos/5603-licao-8-as-causas-da-desuniao-devem-ser-eliminadas-i