LIÇÃO Nº 8 – A RESISTÊNCIA DE MARDOQUEU

 

INTRODUÇÃO

-Na sequência do estudo do livro de Ester, estudaremos hoje Et.2:20-3:6.

-Mardoqueu ensina-nos como viver neste mundo.

I – A CONDUTA DE MARDOQUEU

-Na sequência do estudo do livro de Ester, veremos hoje o trecho compreendido entre Et.2:20 e Et.3:6, que nos relatam dois fatos: a descoberta de uma conspiração contra o rei Assuero por parte de Mardoqueu, bem como a ascensão ao poder de Hamã e o ódio que ele passou a nutrir contra Mardoqueu, que se estende até o povo judeu, povo a que pertencia o mesmo Mardoqueu.

-Estes dois fatos, aparentemente desconexos, ao longo da trama trazida pelo livro de Ester, vão mostrar como fazem parte de todo o trabalho divino para impedir a destruição de Israel e, deste modo, manter intacto e incólume o plano divino da salvação da humanidade.

-“Mardoqueu” é o nome utilizado tanto na Septuaginta (“Mardocaios” – Μαρδοχαῖος) quanto na Vulgata (“Mardocheus”) para se referir ao funcionário da corte de Assuero que era o pai adotivo de Ester, mas seu nome hebraico é “Mordecai” (כי_ ַ֗ ֳּד ְר ָמ ), cujo significado é “pequeno Marduque”.

-Este nome já nos mostra que Mardoqueu era descendente daqueles judeus que, desde o início do cativeiro da Babilônia, passaram a fazer parte do corpo administrativo do palácio real, tendo sido preparados para serem altos funcionários do Império.

-Isto se iniciou logo no início do cativeiro, quando Nabucodonosor, o rei da Babilônia, mandou levar cativos a elite de Judá, principalmente os integrantes da família real, como era o caso de Daniel, Azarias, Misael e Hananias (Dn.1:1-6,19-21).

-A excelente performance de Daniel e seus amigos na corte babilônica e a ação da Divina Providência em tornar Daniel, no dia mesmo do término do Império Babilônico, como terceiro dominador do reino, predizendo a vitória dos medos e persas sobre os babilônios (Dn.5), fez com que se tivesse uma situação inusitada para os padrões não só da época mas da história política, qual seja, a manutenção dos judeus neste corpo administrativo, mesmo tendo havido a mudança de império.

-É neste sentido, aliás, que devemos interpretar o texto de Et.2:5,6. Numa leitura apressada, alguém pode achar que Mardoqueu teria sido um dos transportados para a Babilônia, a exemplo de Daniel e seus amigos. Entretanto, não é isto que diz o texto.

-O texto, que, inclusive, dá a genealogia de Mardoqueu, mostra que este funcionário de Assuero pertencia a uma família que, desde o início do cativeiro, fora posto para atuar no palácio real.

Quem foi levado cativo para Babilônia foi Quis, um homem benjamita, que devia ser um dos “nobres” mencionados em Dn.1:3, e que teve como filho a Simei e, Simei, por sua vez, teve como filho a Jair que viria a ser o pai de Mardoqueu. Tratava-se, portanto, de uma descendência que já há quatro gerações servia junto aos reis, seja de Babilônia, seja da Pérsia.

-Esta posição de judeus junto aos imperadores mundiais é uma eloquente demonstração da ação da Divina Providência, pois se tratava de um fator que permitia que o povo judeu tivesse ciência das decisões daqueles que governavam sobre eles, a fim de que não fossem tomados de surpresa e que pudessem, mesmo, defender os interesses da nação que, naquela altura, estavam não só relacionados a sua vida em Canaã, para onde, aliás, haviam retornado uma pequena parte da população judaica, mas também, e o que era mais importante, à preservação da identidade judaica e da condição de Israel como sendo o povo que deveria adorar ao Senhor e cumprir a lei.

-Esta ação divina para preservar a identidade do povo judeu é uma constante em toda a história, até os nossos dias, pois, mesmo no período da chamada “segunda diáspora”, que é a dispersão dos judeus após a destruição do Segundo Templo em 70 e, depois, a própria expulsão dos judeus de Canaã em 135, mesmo tendo eles rejeitado a Cristo e sofrido, a pedido, aliás (Cf. Mt.27:25), por causa desta rejeição, o Senhor nunca permitiu a destruição dos israelitas nem tampouco que perdessem a sua identidade, como “propriedade peculiar de Deus dentre todos os povos”, como “reino sacerdotal e povo santo” (Ex.19:5,6).

-O nome de Mardoqueu também denuncia ser ele desta geração de judeus que serviam no palácio real. Seu nome significa “pequeno Marduque”, ou seja, trata-se de um nome de exaltação a uma divindade babilônia, e, desde o início, os judeus tinham o seu nome substituído por outro, quase sempre vinculado a alguma das divindades dos povos dominadores.

-Foi o que ocorreu com Daniel e seus amigos (Dn.1:7). Tratava-se de um estratagema para comprometer os jovens com o governo a quem iriam servir, ao povo que estava a dominar sobre eles. A mudança de nome era como que o início de um processo de abandono de sua própria cultura e de completa adesão ao novo povo, ao governo, o começo de um novo “modo de vida”.

-Mardoqueu, embora tivesse recebido como nome o de um deus babilônio, o deus Marduque, que era considerado o deus protetor de Babilônia, a quem os demais deuses haviam dado o poder supremo, manteve- se, a exemplo de Daniel e seus amigos, fiel ao Senhor, não só vivendo como um servo de Deus como também criando Ester na doutrina e admoestação do Senhor.

-Muitos indagam porque, ao contrário de Daniel e seus amigos, não temos conhecimento de seu nome hebraico, dado a ele por seu pai no instante da circuncisão (Cf. Lc.2:21).

-Trata-se, sem dúvida, de um questionamento que não deveria haver, já que não nos compete querer saber porque Deus revelou isto ou aquilo, ou porque não o fez, no texto sagrado.

-Sabemos que tudo o que foi escrito para nosso ensino foi escrito (Rm.15:4) e, por isso mesmo, não devemos ir além do que está escrito (I Co.4:6).

-De qualquer maneira, podemos aqui fazer duas conjecturas. A primeira é a de que o livro de Ester tem o propósito de mostrar a ação da Divina Providência e, por isso mesmo, omite o nome de Deus e, provavelmente, o nome de circuncisão de Mardoqueu continha o nome de Deus, o que era contra o propósito do livro.

-A segunda é a de que o texto foi escrito no palácio real, pelo próprio Mardoqueu e, segundo a tradição judaica, sem a devida organização do texto, o que somente se teria feito décadas depois pelos chamados “homens da Grande Assembleia”, este grupo formado por Esdras para dar continuidade ao ensino da lei aos israelitas que haviam regressado do cativeiro.

-Em sendo assim, Mardoqueu se utilizou, mesmo, de seu nome social, de como era conhecido no palácio e perante a sociedade persa, para que não houvesse qualquer confusão e se desse credibilidade e autenticidade ao relato.

-Não nos esqueçamos de que o próprio Daniel era chamado de Beltessazar (cujo significado é “Bel proteja a sua vida”), mesmo nos textos bíblicos, quando em episódios ocorridos no palácio (Dn.5:12).

-Mardoqueu sempre foi zeloso em observar a lei de Deus, tanto assim que resolveu criar Hadassa, sua prima, quando esta ficou órfã, tendo-a criado na doutrina e admoestação do Senhor, como vemos ao longo do livro de Ester, em que o temor do Senhor é uma nota característica desta rainha.

-Só pode ensinar exitosamente a Palavra de Deus aos seus filhos quem for exemplo para eles. Não é por outro motivo que as Escrituras dizem que os pais devem, primeiro, ter a Palavra em seu coração (Dt.6:6) para só depois intimá-las a seus filhos e dela falar a todo tempo e instante (Dt.6:7-10).

-Quando Hadassa é selecionada para tomar parte da escolha da nova rainha da Pérsia, Mardoqueu toma algumas providências que bem nos ensinam como devemos proceder neste mundo, pois estamos no mundo embora a ele não pertençamos (Jo.17:11,16).

-A primeira providência foi a de se sujeitar à ordem real. Os jovens que estavam a selecionar as moças agiam em nome do rei Assuero e Mardoqueu, como bom servo de Deus, era submisso às autoridades (Ne.9:35- 37; Rm.13:1-7).

-A segunda providência foi a de mandar que Ester nunca declarasse sua nacionalidade. Não diz o texto porque Mardoqueu deu esta orientação, mas, sendo, como era, conhecedor das intrigas palacianas, talvez já tivesse conhecimento de certa resistência aos judeus que viesse a prejudicar Ester na seleção e, se fosse escolhida, no próprio cotidiano do palácio.

-Alguns objetam esta posição porque a ordem do rei era de que fossem escolhidas moças entre todas as províncias do reino, a mostrar que não havia qualquer discriminação étnica na seleção, mas o fato é que Mardoqueu deu esta orientação, que, aliás, foi fundamental para que se tivesse a preservação do povo judeu.

-Não nos esqueçamos de que Hamã, quando resolveu destruir os judeus, trouxe como argumento para Assuero o fato de que os judeus se mantinham separados dos demais povos, não aceitando a “assimilação cultural”, recusavam-se a se misturar com as outras etnias e isto, sem dúvida, contrariava a linha política adotada por Assuero, que queria criar uma “consciência nacional” em todo o Império, fazer as pessoas se identificar como “persas” e não conforme a sua nação de origem.

-Isto nos permite entender que este desconforto com os judeus já existia no meio governante persa e, por isso mesmo, Mardoqueu, querendo que sua filha adotiva se tornasse rainha (que pai não teria este mesmo desejo?), quis, certamente, evitar que este fator fosse desfavorável a ela na seleção.

-Esta ordem, ademais, trazia para Mardoqueu uma consequência de difícil administração. Como ele era conhecido por todos como judeu, ao dizer a Ester que não declarasse a sua nacionalidade, também estava a dizer a ela que não declarasse ser filha adotiva do próprio Mordecai. A ordem era para não declarar nem sua nacionalidade nem a sua parentela (Et.2:10).

-Diante destas circunstâncias, havia como que um distanciamento físico entre Mardoqueu e Ester, algo de difícil superação, já que ambos se amavam e tinham uma afeição muito forte. Mas era o preço a pagar pela busca do êxito da filha e Mardoqueu estava disposto a fazê-lo.

-Aqui aprendemos muito sobre o relacionamento entre pais e filhos. Há um instante em que é preciso haver a separação, a tomada de rumos por parte dos filhos, que os pais devem respeitar e apoiar. Vivemos dias, infelizmente, em que isto não mais tem ocorrido, fazendo que tenhamos, nas gerações mais jovens, uma dependência excessiva em relação aos pais e um comprometimento sério da maturidade das pessoas.

-Como dizia nossa saudosa mãe, os pais têm de saber que criam seus filhos para o mundo e não para eles mesmos. Podemos até complementar este pensamento, dizendo que os pais devem criar seus filhos para que eles passem pelo mundo e cheguem ao céu, não para que fiquem na nossa dependência e nos tenham como centro de suas vidas.

-Ester foi para a casa das mulheres, onde Mardoqueu não tinha acesso direto, mas isto não o impediu de, diariamente, obter informações a respeito de Ester, passeando no pátio da casa das mulheres (Et.2:11).

-O necessário distanciamento e independência dos filhos não significa, em absoluto, o abandono por parte dos pais, que devem manter este acompanhamento, ainda que à distância, inclusive, quando for o caso, apresentando-se como aconselhadores e orientadores.

-Estas atitudes de Mardoqueu revelavam, também, um profundo amor paterno em relação a Ester. Queria ele que Ester, que tinha tido uma situação tão trágica com a orfandade, tivesse um futuro promissor, uma vida digna e, para tanto, não mediu esforços não só na criação dela no temor do Senhor, mas, também, verificada a oportunidade de se tornar rainha da Pérsia, de comprometer-se a si mesmo para que Ester não tivesse qualquer prejuízo.

-Mardoqueu abriu mão do convívio com sua filha adotiva pelo bem dela, sacrificando-se para que ela tivesse sucesso. Este é o verdadeiro amor, o amor que tem origem em Deus, que traz a abnegação, a pessoa se entrega, a pessoa se anula em prol do outro (Jo.15:12,13).

-Nos dias em que vivemos, lamentavelmente, em vez do amor que não busca os seus interesses (I Co.13:5), temos, isto sim, um amor interesseiro, em que muitos pais querem se aproveitar dos filhos, fazê-los meros instrumento para a satisfação de seus desejos e planos, esquecidos de que são os pais que entesouram para os filhos e não o contrário (II Co.12:14).

-Ester foi escolhida rainha, mas Mardoqueu não retirou sua ordem. Imaginamos quanto deve ter sido duro tanto para Ester quanto para Mardoqueu manterem a distância e se passarem como desconhecidos na festa convocada pelo rei para a entronização da nova rainha (Et.2:18).

-Na segunda reunião das virgens, o que parece ter sido a despedida das mulheres que participaram da seleção, que, assim, foram honradas embora não tivessem sido escolhidas, o que deve ter sido feito sob o comando de Ester, Mardoqueu estava ali, mas não saiu da sua posição, que era a de ficar à porta do rei (Et.2:19).

-Mardoqueu não quis se aproveitar desta grande bênção e se apresentar como pai adotivo da nova rainha para assumir posições mais altas na corte. Mardoqueu era servo de Deus e sabia que Ester estaria em segurança se, mesmo como rainha, não declarasse nem sua nacionalidade nem sua parentela (Et.2:20).

-Ester, por sua vez, mesmo intimamente querendo beneficiar seu pai, mantinha a sua submissão e obediência às Escrituras e, desta forma, honrando Mardoqueu, mesmo depois de coroada, manteve-se silente quanto a sua nacionalidade e a sua parentela.

-Estas duas atitudes, movidas única e exclusivamente por uma visão espiritual da vida, de agrado a Deus e de submissão à Sua Palavra, seriam fundamentais para que os judeus fossem preservados entre os homens.

-De igual modo, se cumprirmos a Palavra de Deus, se vivermos como Jesus viveu, seremos preservados para entrar nas mansões celestiais.

II– ACONSPIRAÇÃO DESCOBERTA POR MARDOQUEU

-Na sequência da narrativa dos fatos, o livro de Ester, então, passa a contar um episódio concernente a uma conspiração que dois eunucos do rei, Bigtã e Teres, estavam a fazer contra Assuero.

-O Império Persa notabilizou-se pela estruturação administrativa, pela criação do que hoje chamamos de “máquina pública”, de “burocracia”. Foi esta civilização que trouxe as colunas mestras para a criação de uma Administração Pública.

-Naturalmente, estruturado sobre um corpo administrativo, o Império Persa era um reino em que os funcionários tinham um certo poder, pois a organização, se permitia ao monarca manter o controle sobre todo o seu território, também fazia com que os funcionários, notadamente os mais altos, tivessem igualmente informações vitais, e, como é sabido, quem detém a informação, detém o poder. Como afirma o líder empresarial brasileiro Émerson Beloti: “quem tem informação, tem poder! Quem tem conhecimento, tem sabedoria para mantê-lo”.

-Como consequência disto, vemos que, ao longo da história do Império Persa, não foram poucos os casos em que os reis se viram vítimas de conspirações de altos funcionários, que, inevitavelmente, levavam a tentativas de assassinatos ou mesmo assassinatos de reis da Pérsia.

-Assim, quando vamos à história, percebemos que o próprio Xerxes I foi assassinado, assim como Esmérdis (que usurpara o trono após a morte de Cambises II e foi sucedido por Dario I),

Xerxes II (neto de Xerxes I, assassinado após 45 dias de reinado),

Soguediano (que foi o assassino de Xerxes II e que acabou sendo também assassinado após pouco mais de sete meses de reinado), Artaxerxes II, Artaxerxes III, Artaxerxes IV e Dario III.

Numa lista de 15 monarcas durante o Império, temos que oito (a maioria) morreram assassinados.

-Pois bem, não era, portanto, algo desconhecido de Mardoqueu estas intrigas palacianas. É preciso ter muita sabedoria para se comportar em ambientes de poder. Como dizia o saudoso pastor Severino Pedro da Silva (1945-2013), precisamos saber entrar e sair de um palácio. Daniel dá-nos um exemplo de como se comportar em tais circunstâncias.

-Salomão, mesmo, diz que devemos ter muito cuidado quando nos assentarmos na mesa do governador, devendo ser contidos e vigilantes quanto às intenções e palavras que ali forem pronunciadas, para que não haja prejuízo (Pv.23:1-3)

-Não sabemos ao certo qual era o trabalho de Mardoqueu. O texto bíblico diz que ele ficava “à porta do rei” (Et.2:19,21), ou seja, era alguém cujo trabalho era executado na entrada do palácio ou do compartimento real do palácio, relativo à recepção, segurança ou algo similar.

-Por mais de uma vez, no livro de Ester, vemos que Mardoqueu estava “à porta do rei”, ou seja, na posição que lhe fora dada. Eis uma importante lição: nunca devemos deixar o lugar onde Deus nos pôs, por maiores dificuldades que se nos apresentarem. Devemos estar onde o Senhor quer que estejamos.

-Muitos, infelizmente, têm saído do lugar sem a permissão divina e, por causa disto, têm sofrido muito. Que Deus nos guarde disto, amados irmãos!

-Estando no seu devido lugar, “à porta do rei”, Mardoqueu veio a saber que dois eunucos do rei, Bigtã e Teres, teriam se indignado contra Xerxes I e deliberaram matá-lo (Et.2:21).

-“Bigtã” significa “dom de Deus”, enquanto que “Teres” significa “austero”. Os nomes destes guardas da porta pareciam indicar que a sua conspiração viria a ser um “dom de Deus” para compensar a “austeridade” e a disciplina espiritual de Mardoqueu.

-Tanto Bigtã quanto Teres eram “guardas da porta”, ou seja, trabalhavam no mesmo ambiente de Mardoqueu, e estes, sim, podemos afirmar com mais probabilidade, faziam parte do corpo de segurança do palácio.

-O texto não nos diz o que causou indignação a ambos os guardas, mas o fato é que eles resolveram matar o rei, o que seria algo factível, já que trabalhavam na segurança do próprio monarca.

A primeira-ministra da Índia, Indira Gandhi (1917-1984), por exemplo, foi assassinada por dois de seus próprios guarda-costas, que, por serem “sikhs”, haviam se indignado com a sua determinação para que militares entrassem no santuário sikh “Templo de Ouro”.

-Tendo sabido dos planos daqueles “colegas de trabalho”. Mardoqueu mostra toda a sua discrição e prudência. Sabia que era delicada a situação, pois se tratava de dois “guardas da porta”, que tinham acesso ao monarca, enquanto ele, Mardoqueu, não o tinha.

-Ao mesmo tempo, sabia que a vida de Assuero corria grave risco e isto teria consequência para a sua própria filha Ester, que era a rainha que, ou poderia também, dependendo da circunstância, ser morta, como também sofrer pela morte de seu marido e de sua posição, até porque não era ela mãe de qualquer dos filhos do rei de onde viria o sucessor, aliás, muito provavelmente, por um filho de Vasti, a quem Ester substituiu.

-Diante desta situação, Mardoqueu entendeu ser prudente que Ester fosse avisada deste plano e que ela própria desse conhecimento a Assuero.

-Assim, fez com que esta informação chegasse a Ester e Ester, obedientemente, mais uma vez mostrando sua submissão, relatou os fatos para Assuero.

-Assuero mandou investigar o caso. Que lição nos dá o rei da Pérsia! Sempre que tivermos conhecimento de uma notícia, devemos, antes de mais nada, investigar, verificar se tal fato é, ou não, verdadeiro, para só depois agirmos ou tomarmos uma decisão a respeito.

-Assuero foi informado pela própria rainha, que era pessoa insuspeita e que dependia muito de que o rei continuasse a viver. Mas isto não foi suficiente para que o rei deliberasse imediatamente a morte daqueles dois eunucos. Era preciso, antes, investigar.

-Por isso mesmo, o salmista afirma: “Por causa do seu orgulho, o ímpio não investiga; todas as suas cogitações são: Não há Deus” (Sl.10:4).

-A investigação é a procura de comprovação dos fatos noticiados. Aquilo que foi falado e ouvido precisa ser confirmado por provas, que mostrem claramente que aquilo que se disse é verdadeiro.

-Quando não investigamos, conforme nos diz o salmista, estamos sendo orgulhosos, fazendo-nos iguais a Deus, pois só Deus é onisciente e sabe todas as coisas, até porque é eterno, não teve princípio nem terá fim.

-Nós, seres humanos, entretanto, somos carentes de saber. Como disse Bildade, o “amigo” de Jó: “Porque nós somos de ontem e nada sabemos; porquanto nossos dias sobre a terra são como a sombra” (Jó 8:9).

-Quando desprezamos a investigação, quando não procuramos apurar o que nos é dito, estamos considerando que nós sabemos tudo, que somos como Deus, o que, evidentemente, não corresponde à realidade.

-Nos dias em que vivemos, de intensa comunicação, em tempo real, não são poucos os casos em que acabamos por disseminar mentiras, prejudicarmos pessoas com falsas notícias e informações, as conhecidas “fake news”, simplesmente porque não checamos o que nos é trazido e passamos adiante sem investigação.

-Este não é o comportamento de um servo de Deus, porque se trata de conduta própria dos ímpios. Tomemos cuidado, amados irmãos!

-Assuero, mesmo sabendo que era sempre grave o risco de ser assassinado, não tomou qualquer decisão enquanto não mandou que se fizesse uma investigação. Sigamos este exemplo.

-Ao término da investigação, descobriu-se que era verdade o que Ester havia dito ao rei por ordem de Mardoqueu e, então, os eunucos Bigtã e Teres foram enforcados, pois, costumeiramente, entre os persas, a pena de morte era por enforcamento, tendo, então, diante da gravidade dos fatos, tudo isto sido registrado no livro da crônica do rei.

-Mardoqueu contentou-se em ter preservado a vida do rei e, por conseguinte, ter evitado um prejuízo a sua filha adotiva Ester. Como bom servo de Deus, Mardoqueu não queria riquezas, posição ou algo similar. Não foi pedir recompensa ao rei nem tampouco a Ester. Havia cumprido seu dever como homem, como funcionário do rei e como servo de Deus, o que era bastante.

-Entretanto, a Divina Providência não só fez com que Mardoqueu soubesse da conspiração, como também que tudo ficasse registrado no livro da crônica do rei.

III– A ASCENSÃO DE HAMÃ

-O terceiro capítulo do livro de Ester começa dizendo que os ventos políticos do Império Persa haviam mudado e que Hamã, filho de Hamedata, o agagita, foi engrandecido por Assuero na corte, passando a ocupar o segundo lugar no reino, uma espécie de primeiro-ministro.

-Embora o texto bíblico não o afirme, pode ser que a ascensão de Hamã estivesse vinculada à conspiração descoberta por Mardoqueu e que levou à morte de Bigtã e Teres. Com efeito, após o desbaratamento de uma conspiração, é costumeiro que o governante afaste auxiliares, substitua-os, já que houve uma quebra de confiança no corpo administrativo.

-“Hamã” significa “grande”, “magnífico” ou “celebrado”, ou, ainda, “fortaleza”. Seu nome já dizia, então, que ele seria engrandecido no mundo, o que realmente ocorreu, ao ser guindado por Assuero para tal alta posição.
-Uma vez tendo chegado a este patamar, deveria ele apenas cuidar para que mantivesse tais posições, sem maiores ou outras preocupações.

-No entanto, Hamã era agagita, ou seja, era descendente de Agague. Quem era Agague? Agague era o rei dos amalequitas quando o Senhor mandou que o profeta Samuel ordenasse a Saul que guerreasse e destruísse completamente a Amaleque (I Sm.15:1-3).

-Amaleque sempre foi um povo inimigo de Israel, tendo sido o primeiro povo a guerrear contra os israelitas depois que eles passaram a ser efetivamente uma nação, libertando-se dos egípcios e iniciando sua jornada no deserto.

-Amaleque atacou os israelitas enquanto estavam eles no deserto e foi necessária a intercessão de Moisés para que Israel vencesse esta luta (Ex.17:8-16).

-Naquela ocasião, aliás, o Senhor, que conhece os corações dos homens (I Sm.16:7), determinou que Josué, que havia liderado o exército israelita naquela guerra, deixasse registrado que Deus haveria de riscar Amaleque do mapa, numa demonstração inequívoca de que os amalequitas odiavam grandemente os filhos de Israel.

-Saul, porém, não cumpriu a ordem divina, tendo poupado dentre os amalequitas a família de Agague, que era o seu rei (I Sm.15:8). Samuel chegou a matar Agague (I Sm.15:32,33), mas seus familiares sobreviveram e, por causa disto, a semente de Amaleque continuou a existir.

-Agora, um agagita assumia a segunda mais importante posição do mundo da época e o ódio nutrido contra Israel era mais aguçado ainda.

-Este fato mostra-nos como não podemos, em hipótese alguma, dar brecha ao inimigo, “dar lugar ao diabo”, como afirma o apóstolo Paulo em Ef.4:27.

-Deus mandou que os amalequitas fossem destruídos porque bem sabia que jamais eles aceitariam os israelitas ou que eles fossem mantidos vivos. Se o Senhor, que é o dono da vida, mandou a sua completa destruição, Saul deveria ter atendido.

-Entretanto, Saul não o fez e o resultado disto é que, séculos depois, estavam novamente os amalequitas em condição de poder destruir Israel, porque tinham deliberadamente decidido exterminar o povo de Deus.

-Hoje Amaleque não mais existe, foi realmente exterminado da face da Terra, como determinado pelo Senhor, mas este sentimento de ódio ao povo de Israel, fomentado pelo inimigo de nossas almas, que detesta os judeus por eles serem “a propriedade peculiar de Deus dentre os povos”, continua a existir.

É o chamado “antissemitismo”, que, ao longo dos séculos, têm causado grandes males aos judeus em todas as partes do mundo.

-Os judeus foram alvo de perseguições dos romanos, da Inquisição Católica, dos povos da Europa Central e Oriental (os chamados “pogroms”), dos muçulmanos, enfim, de diversas áreas, o que tende a aumentar cada vez mais, até o ponto em que estiverem a ser destruídos totalmente, ao término do governo do Anticristo, quando, então, o próprio Jesus Cristo tratará de livrar os israelitas, na batalha do Armagedom, ocasião em que o remanescente de Israel será salvo e Israel se tornará, finalmente, o reino sacerdotal e o povo santo do Senhor, para, com o Senhor Jesus e a Sua Esposa, participar do reino milenial, quando se cumprirão as profecias messiânicas.

-Subindo ao poder, Hamã, além de ter uma posição privilegiada, obteve de Assuero uma outra deferência, qual seja, a de que todos deveriam se prostrar diante dele quando passasse (Et.3:2).

-Não se sabe se esta ordem veio espontaneamente de Assuero ou se foi fruto de um pedido do próprio Hamã. Sendo Hamã, como o era, extremamente soberbo, e, como o próprio livro de Ester narra, costumeiro a Hamã fazer pedidos ao rei, como, se verificou, por exemplo, tanto no pedido para matança dos judeus quanto na autorização para enforcar Mardoqueu, não é desarrazoado pensar que tenha sido esta ordem fruto de pedido do próprio Hamã.

-Outro fator a nos levar a esta conjectura é que não se tratava de um costume dos persas. Se entre outros povos, como no Egito, os reis eram considerados deuses ou filhos de deuses e, desta forma, deveriam ser reverenciados, ou aqueles a quem eles assim ordenassem (como ocorreu com José, no Egito – Gn.41:42,43), entre os persas havia a crença de que só havia dois deuses, um “deus do bem” e outro “deus do mal”, de forma que os reis não eram divinizados.

-O certo é que, seja por vontade de Assuero ou por sugestão do próprio Hamã, todos tinham de se prostrar quando Hamã passava. Mardoqueu, entretanto, não o fez porque tal atitude contrariava frontalmente o primeiro mandamento proferido por Deus no monte Sinai: “Não terás outros deuses diante de Mim” (Ex.20:3;

Dt.5:7), como também o grande mandamento da lei: “Ouve, Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único Senhor. Amarás, pois, ao Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento, e de todas as tuas forças; este é o primeiro mandamento” (Mc.12:29b,30).

-Deste modo, prostrar-se diante de Hamã significa adorá-lo, considerá-lo um deus, o que, evidentemente, não poderia ser feito por um judeu observador da lei como era Mardoqueu.

-Notamos aqui mais um exemplo de como deve ser a obediência do povo de Deus perante as autoridades constituídas. Devemos ser sujeitos às autoridades, porque elas são ministras de Deus (Rm.13:4), ou seja, estão a serviço do Senhor, para disciplinar a convivência entre as pessoas. Resistir à autoridade é resistir ao próprio Deus (Rm.13:1,2).

-Mardoqueu bem sabia que tinha de obedecer a Assuero, que fora constituído por Deus como governante dos judeus, algo, inclusive, revelado pelo próprio Senhor ao profeta Daniel. Por isso, quando Ester foi escolhida como candidata na seleção da nova rainha, Mardoqueu não ofereceu qualquer resistência nem se opôs à ordem real.

-Entretanto, esta obediência às autoridades é feita “no Senhor”, ou seja, enquanto a autoridade não violar alguma norma instituída pelo próprio Deus. A autoridade é assim chamada porque foi “autorizada” por Deus a governar. Ela é “ministra de Deus”, ou seja, deve servir ao Senhor, aos Seus desígnios.

-Assim, quando a autoridade dá uma ordem que contraria a Palavra de Deus, devemos antes obedecer a Deus do que aos homens (At.5:29 “in fine”). Daí porque os apóstolos não terem obedecido à ordem do Sinédrio para que cessassem de pregar o Evangelho.

-A ordem de prostração diante de Hamã violava os mandamentos divinos e, por isso, Mardoqueu não lhe obedeceu.

-Certamente as pessoas que trabalhavam com Mardoqueu ao notarem que ele não se prostrava diante de Hamã quiseram saber dele o motivo e Mardoqueu lhes deve ter falado que, como judeu, não podia admitir a divinização de qualquer homem, fosse ele quem fosse.

-Mardoqueu aqui repetia o que já fizera, algumas décadas antes, o profeta Daniel na corte babilônia, quando os inimigos do servo do Senhor conseguiram de Dario, o medo, um decreto segundo o qual ninguém poderia orar a nenhum deus, a não ser a Dario, durante trinta dias (Dn.6:6-9).

-Ao saber desta lei, Daniel, que era um dos principais auxiliares do rei, não fez caso daquela ordem (Dn.6:10,11), porque ela contrariava, também, o primeiro mandamento e, como sempre fazia, foi fazer as suas três orações diárias ao Senhor, o que lhe custou ser lançado na cova dos leões, de onde foi milagrosamente liberto por Deus (Dn.6:16,21-23).

-Diante da resistência de Mardoqueu ao cumprimento desta ordem, apareceram os “fofoqueiros”, que logo foram falar a Hamã a respeito desta situação. Certamente, Hamã nunca tinha sequer percebido que Mardoqueu não se prostrava diante dele, mas, alertado pelos seus aduladores, prestou atenção e viu que era isto mesmo o que ocorria.

-Hamã soube que esta recusa de Mardoqueu decorria da própria religião judaica e, então, para ele se teria “juntado o útil com o agradável”: Hamã poderia não só matar Mardoqueu, que ousava resistir à ordem real, como também destruir os filhos de Israel, de quem o seu povo era inimigo há séculos.

– Este gesto de resistência de Mardoqueu é um exemplo para todos nós. Haja o que houver, venha o que vier, devemos sempre obedecer ao Senhor, ainda que este gesto possa, num primeiro momento, trazer-nos dissabores, perseguições, aflições ou até a morte física.

– Devemos ter como objetivo e foco de nossas vidas a comunhão com o Senhor. Estamos neste mundo para glorificar a Deus (I Co.10:31) e agradar-Lhe em tudo (Gl.1:10). Se o fizermos, temos a convicção de que estaremos para sempre com o Senhor e é isto que importa.

– Mardoqueu queria ser fiel ao seu Deus, tinha por propósito observar a lei do Senhor, e o fez, mesmo sabendo que estava a correr risco, mas nada é mais importante do que estarmos ao lado do Senhor, de acordo com Ele, pois nada nos pode separar do amor de Deus que está em Cristo Jesus nosso Senhor (Rm.8:37-39).

Pr. Caramuru Afonso Francisco

Fonte: https://www.portalebd.org.br/classes/adultos/10780-licao-8-a-resistencia-de-mardoqueu-i

Glória a Deus!!!!!!!