INTRODUÇÃO
-Na sequência do estudo das promessas de Deus, estudaremos a promessa de um coração novo.
-Deus nos promete que, em Cristo, seremos uma nova criatura.
I– A CRIAÇÃO E O PECADO
-Na sequência do estudo das promessas de Deus, estudaremos a promessa de um coração novo.
-Para bem analisarmos esta promessa, faz-se preciso reportar-nos à criação de todas as coisas. A narrativa da criação, no livro de Gênesis, mostra-nos que o homem foi posto como o administrador da criação terrena (Gn.1:26-28).
-Na condição de administrador da criação terrena, o homem foi feito o único ser que, simultaneamente, era material e espiritual. Enquanto Deus e os anjos eram espírito e o restante da criação terrena meramente material, o homem era corpo, alma e espírito.
-O homem era, pois, o elo entre a criação terrena e o Criador, tendo, por isso mesmo, ao mesmo tempo que foi feita a criação natural, uma criação moral, com princípios éticos que deveriam ser observados pelo ser humano, enquanto mordomo, o servo principal da criação sobre a face da Terra.
-O homem foi criado à imagem e semelhança de Deus (Gn.1:26) e tal circunstância significa que foi criado como um reflexo de Deus, ou seja, um ser dotado de espiritualidade, moralidade, santidade e domínio sobre a criação.
-O homem foi formado “alma vivente” (Gn.2:7) e, como tal, era sem pecado e reto (Ec.7:29).
-No entanto, ao pecar, esta imagem e semelhança de Deus foi deformada, pois o pecado retirou do homem a santidade e a sua natureza se modificou, corrompeu-se, degenerou, assim como ocorrera com o querubim ungido e os anjos que o seguiram em sua rebelião contra Deus na eternidade passada.
-O querubim ungido que é descrito como “estrela da manhã, filha da alva” (Is.14:12), numa alusão ao seu brilho decorrente da circunstância de refletir a glória divina, que era tido como “aferidor da medida, cheio de sabedoria e perfeito em formosura” (Ez.28:12), ao pecar, tornou-se um “renovo abominável, uma veste de mortos atravessados à espada, um que desce ao covil de pedras, corpo morto e pisado” (Is.14:19,20), “cinza sobre a terra, consumido pelo fogo divino” (Ez.28:18).
-Com o homem, não foi diferente. Ao pecar, teve a imagem e semelhança de Deus deformada, o que costumamos denominar de “natureza decaída” ou “natureza adâmica”, uma vez que os descendentes de Adão são ditos serem da “imagem e semelhança de Adão” (Gn.5:3).
-Como diz a Declaração de Fé das Assembleias de Deus: “…Adão não foi criado impecável nem pecaminoso, mas, sim, perfeito: ‘Deus fez ao homem reto, mas ele buscou muitas invenções’ (Ec.7:29).
Deus dotou Adão do livre-arbítrio, com o qual ele era capaz tanto de obedecer quanto de desobedecer ao Criador [Gn.2:16,17].
Ele escolheu desobedecer a Deus, e a sua queda arruinou toda a humanidade, distanciando-a de Deus: ‘Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus’ (Rm.3:23).
A iniquidade de Adão, a qual nós chamamos de pecado original, contaminou toda a raça humana; em consequência disso, a humanidade tornou-se universal e totalmente degenerada, pois todos os seus descendentes nascem em pecado [Rm.5:12]; todos nascemos em transgressão [Sl.51:5]. …” (DFAD IX.4, pp.99-100).
-Entretanto, se, na modificação da natureza do diabo e de seus anjos, a sentença divina foi a de lançamento no inferno, no mais profundo do abismo (Is.14:16), a de perecimento fora do monte de Deus entre pedras afogueadas (Ez.28:16), para surpresa do próprio Satanás, com o homem não houve tal sentença.
-No dia mesmo da queda, ainda no Éden, o Senhor revelou Seu intento de salvar o homem, dizendo-o diretamente ao tentador de que poria inimizade entre ele e a humanidade, restabelecendo a amizade entre Deus e o homem, por meio da semente da mulher, que teria ferido seu calcanhar mas esmagaria a cabeça da serpente Gn.3:15).
-Aqui, na promessa da salvação, já estava embutida a promessa de uma nova natureza que seria dada ao homem, que restabelecesse a imagem e semelhança de Deus perdida.
-“…Deus, entretanto, prometeu o Redentor ainda no jardim do Éden, quando anunciou a vinda da ‘semente da mulher’ para esmagar a cabeça da serpente [Gn.3:15].
Apesar de corrompida pelo pecado, a natureza humana pode ser eficazmente regenerada por Cristo: ‘se alguém está em Cristo, nova criatura é, as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo’ (II Co.5:17).
‘Porque somos feitura Sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas’ (Ef.2:10); o nosso corpo pode ser templo do Espírito Santo [I Co.6:19] …” (DFAD IX.4, p.100).
-Tem-se, pois, a promessa de uma “nova criação” em Cristo Jesus, a “regeneração”, ou seja, a nova geração, geração que se dá, como ensina Pedro, pela semente incorruptível, pela Palavra de Deus, viva e que permanece para sempre (I Pe.1:23).
-Muitos estudiosos apontam que o fato de que Jesus ressuscitou no domingo (Mt.28:1; Mc.16:2,9; Lc.24:1; Jo.20:1) é uma demonstração desta “nova criação” trazida pelo Senhor, visto que se trata do dia seguinte ao sábado, quando se finalizou a criação (Gn.2:1-3).
-A ressurreição de Jesus, que é a garantia da nossa fé (I Co.15:17), é também um símbolo desta “nova criação”, uma vez que é Ele o “primogênito dentre os mortos” (Cl.1:18), sabemos que todos os salvos igualmente terão o corpo glorioso que o Senhor teve ao ressuscitar (Fp.3:20,21), quando atingirmos a glorificação, último estágio do processo da salvação (Rm.8:30; I Jo.3:1-3).
II– O VELHO CORAÇÃO
-Quando o homem pecou, teve imediata morte espiritual, porque o pecado já separou o homem de Deus (Is.59:2), tanto que o primeiro casal procurou se esconder da presença do Senhor quando Este visitou o jardim do Éden naquele fatídico dia (Gn.3:8).
-A imagem e semelhança de Deus já não mais se apresentava na forma criada pelo Senhor, tanto que surgiu o pudor, a vergonha da nudez.
-O homem já tinha a natureza decaída, mas ainda persistia com o seu corpo, corpo que tornaria ao pó apenas posteriormente, como consequência do pecado (Gn.3:19). Já separado o homem interior de Deus, o que ocorreu imediatamente, o corpo também iria ser separado deste homem interior no instante da morte física.
-A ”nova criação” também haveria de se dar paulatinamente como se teve a corrupção da criação primeva pelo pecado. Há de se restabelecer imediatamente o homem interior, ou seja, a parte espiritual do homem, para só depois, em outro momento, ter-se a “redenção do corpo”, o que se dará apenas no instante final do processo da salvação com a glorificação (Rm.8:23,30; Fp.3:20,21).
-Este homem interior (II Co.4:16), composto da alma e do espírito, é chamado de “coração” pelo próprio Deus (Gn.6:5; 8:21).
Nestes dois textos, o Senhor diz que o “coração” é a sede da imaginação e dos pensamentos, mostrando que não se trata do órgão do corpo humano responsável pelo bombeamento do sangue, mas, sim, do “homem interior”, da alma e do espírito, pois naquela estão a nossa vontade, razão e sensibilidade, enquanto neste o elo de ligação com Deus, que nos faz adorá-l’O.
-Trata-se da palavra hebraica “lēbh” (לב), que também aparece sob as formas de “lēbhābh” (לבב) e “libāh” (לבח). “…Substantivo masculino normalmente traduzido por coração, mas com grande amplitude de significado (…) normalmente se refere a algum aspecto do ser (ou eu) interior imaterial, uma vez que o coração é considerado como sendo a sede da natureza interior do homem bem como um de seus componentes.…” (Bíblia de Estudo Palavras-Chaves. Dicionário do Antigo Testamento, verbete 3820, p.1718).
-Temos, então, que, com o pecado, o coração do homem se degenerou, se corrompeu, passando a ser a sede da maldade. Este coração corrompido pela prática do pecado fez com que o homem ficasse prisioneiro do maligno. Cristo irá dizer que quem pratica o pecado se torna escravo do pecado (Jo.8:34).
-Como afirma o lexicógrafo bíblico, “…O uso original desta palavra [coração, observação nossa] descreve toda a disposição interior da pessoa (…). A palavra também é usada para descrever o lugar onde ocorre o processo racional do pensamento…” (Bíblia de Estudo Palavras-Chave. Dicionário do Antigo Testamento, verbete 3824, p.1719).
-Tendo praticado o mal, o ser humano passou a ter uma inclinação para fazer o mal, não consegue deixar de pecar, está sob o domínio da maldade. Aquele coração reto criado por Deus foi corrompido, degenerou-se, dando origem a um “velho coração”.
-Por que se chamar este coração pecaminoso de “velho coração”? Porque, como diz o escritor aos hebreus, o que é velho está perto de acabar (Hb.8:13).
-No dia mesmo da queda do homem, quando surgiu este coração pecaminoso, Deus avisou que este estado de coisas não seria permanente, como o foi no caso do diabo e de seus anjos. Viria a salvação, que poria fim a esta inimizade entre o Senhor e a humanidade, com o restabelecimento da comunhão e, portanto, a retirada deste “velho coração” por um “novo coração”.
-Com a salvação, ademais, também a prática do pecado teria fim, porquanto, no Estado eterno, os impenitentes serão lançados no lago de fogo e enxofre, onde não mais poderão pecar (Mt.25:41).
-Assim, o “velho coração” desaparecerá, seja porque, com a salvação da pessoa, ele será trocado por um “novo coração”, seja porque, após o julgamento final, este “velho coração” nunca mais atuará, pois maldades não mais serão praticadas.
-O “velho coração” é o coração corrompido pelo pecado. O salmista Davi diz que a humanidade se corrompeu, é abominável em suas obras, ninguém faz o bem, sem entendimento e que não busca a Deus, desviados e imundos, obreiros da iniquidade, que comem o povo de Deus como se fosse pão e que não invocam ao Senhor (Sl.14:1-4; 53:1-4).
-A “corrupção” é a destruição ou degradação da substância. O filósofo grego Aristóteles diz que a geração é o surgimento do ser, quando ele deixa de ser uma possibilidade para ser uma realidade, enquanto a corrupção é o sentido inverso, é a destruição, o desaparecimento do ser enquanto realidade.
-O ser humano jamais desaparecerá, tendo um destino eterno, ou com Deus, ou sem Ele, conforme a opção que fizer em sua vida terrena. Assim, quando falamos em “corrupção”, estamos a falar em “degradação”, em “degeneração” do ser humano, como descrito pelo salmista.
-A “morte eterna” ou “segunda morte” (Ap.20:14) é, portanto, o instante em que o “velho coração” é destruído, porque não mais produzirá maldade ou pecado, mas os seres humanos impenitentes continuarão a existir, sem capacidade mais de pecar, mas a sofrer eternamente a separação de Deus e de Sua glória (Mt.25:41).
-O “velho coração” é também chamado de “carne” nas Escrituras, notadamente pelo apóstolo Paulo. É a palavra grega “sarks” (σάρξ), “…indicando fraqueza, fragilidade, imperfeição, tanto física quanto moral (…) indicando iniquidade, propensão ao pecado, a natureza carnal, a sede dos desejos carnais, de paixões pecadoras e interesses, sejam físicos ou morais…” (Bíblia de Estudo Palavras-Chave. Dicionário do Novo Testamento, verbete 4561, p.2390).
-Davi diz que o “velho coração” faz com que os homens cometam obras abomináveis. Aqui a palavra hebraica é “tā’abh” (תעב), “repugnar, detestar”. “…Esta palavra expressa uma atividade altamente detestável ou a reação lógica a tal atividade.
Esta está associada a um forte sentimento de ódio (…) à condição de pessoas pecadoras (…) à atividade de adoração de ídolos (…) e à oposição do Senhor ao pecado…” (Bíblia de Estudo Palavras- Chave. Dicionário do Antigo Testamento, verbete 8581, p.2008).
-Como diz o apóstolo Paulo, a inclinação da carne é morte e inimizade, os que estão na carne não podem agradar a Deus (Rm.8:6-8).
-O velho coração somente pratica o mal, nunca faz o bem (Sl.14:1; 53:1), pois até as coisas boas que venha a realizar, não retira a circunstância de que são maus (Mt.7:11), pois o bem aparentemente realizado está eivado de interesses e intenções malignas, contrárias à vontade de Deus.
-É o que ocorre, por exemplo, com alguém que dê esmolas a alguém, o que é uma coisa boa, mas com a intenção de, em assim fazendo, obter a sua salvação, o que é um mal, pois se trata de crer na salvação pelas obras, algo que é contrário ao estabelecido por Deus.
-O velho coração impede o exercício do entendimento por parte do homem. Com efeito, o velho coração traz a proeminência do instinto sobre a razão.
O homem é guiado pela concupiscência, ou seja, a prevalência das paixões e dos desejos, levando-o à busca incessante do prazer, da satisfação de suas necessidades puramente terrenas, sem que tenha condição de vislumbrar seu destino eterno, o transcendental.
-O homem, no pecado, está em trevas e, portanto, nada consegue ver, nada consegue enxergar, não podendo, assim, entender a realidade espiritual. É um cego espiritual e o velho coração mantém o homem neste estado tenebroso.
-A consequência disto, como diz o salmista, é que o homem não busca a Deus, não O invoca, porque se acha autossuficiente e tem como horizonte somente as coisas desta vida.
-O velho coração promove o desvio espiritual do homem. Ele não tem a noção da eternidade, não procura conduzir-se de modo a que tenha a companhia divina no “mundo- do-além” mas, ao revés, passa a trafegar pelo caminho espaçoso, achando ser aquele que diz o que é o bem e o que é o mal, achando que é como Deus, como iludiu Satanás na ocasião da queda (Gn.3:5).
-O velho coração torna o homem imundo (Sl.14:3; 53:3), o que não é de se admirar, pois agindo contrariamente a Deus, Que é puro, evidentemente o homem se torna imundo, impuro. Bem por isso, tudo quanto o homem faz é mau, porque ninguém tira do imundo o puro (Jó 14:4).
-Ao considerar-se igual a Deus, sabendo o bem e o mal, o homem envolve-se nesta imundície, daí porque o profeta ter dito que a justiça segundo a perspectiva humana, a justiça criada pelos homens nada mais é que trapo de imundícia (Is.64:6).
-O velho coração torna o homem um obreiro da iniquidade (Sl.14:45; 53:4), porque a iniquidade nada mais é que pecado (I Jo.3:4). O velho coração leva o homem a pecar, a viver na prática do pecado e, como tal, passa a ser obreiro da iniquidade, produzindo as “obras da carne” (Gl.5:19-21).
-O velho coração mantém o homem como filho do diabo, pois ele vive na prática do pecado (I Jo.3:7-10).
-O velho coração faz com que o homem não observe a vontade divina, não praticando a justiça, como também não tenha amor ao seu irmão, porquanto o velho coração faz sobressair o “eu” de cada um, o egoísmo, o individualismo.
-A vergonha da nudez que é a primeira demonstração da corrupção humana por causa do pecado, é bem o exemplo deste estranhamento em relação ao próximo, dessa “ensimesmada”, desta prevalência do “eu”, que vemos, depois, bem demonstrada pela acusação que Adão faz a Eva e que Eva, por sua vez, faz à serpente.
-De se registrar aqui, por sua biblicidade, o entendimento dado pelo ex-chefe da Igreja Romana, João Paulo II, a respeito do papel que tem o pudor como uma característica nascida da corrupção do homem pelo pecado: “…Na experiência do pudor, o ser humano tem a sensação de temor diante do «segundo eu» (assim, por exemplo, a mulher diante do homem), sendo isto substancialmente temor quanto ao próprio «eu».
Com o pudor, manifesta o ser humano quase «instintivamente» a necessidade da afirmação e da aceitação deste «eu», segundo o seu justo valor. Experimenta-o ao mesmo tempo não só dentro de si mesmo mas também externamente, diante do «outro».
Pode-se dizer portanto que o pudor é experiência complexa, também no sentido de que, quase afastando um ser humano do outro (a mulher do homem), ele procura ao mesmo tempo a aproximação pessoal de ambos, criando para ela base e nível convenientes.…” (Plenitude personalista da inocência original. Audiência geral. 17 dez. 1979. Disponível em: https://diocesedebarreiras.org.br/wp- content/uploads/2022/10/teologia-do-corpo-sao-joao-paulo-ii.pdf Acesso em 29 ago. 2024).
-Ao mesmo tempo, diz o mesmo João Paulo II, a inexistência da vergonha antes da queda, “…as palavras
«não sentiam vergonha» podem significar (in sensu obliquo) somente uma original profundidade em afirmar o que é inerente à pessoa, o que é «visivelmente» feminino e masculino, através do que se constitui a
«intimidade pessoal» da comunhão recíproca, em toda a sua radical simplicidade e pureza.
A esta plenitude de percepção «exterior», expressa mediante a nudez física, corresponde a «interior» plenitude da visão do homem em Deus, isto é, segundo a medida da «imagem de Deus» (Cfr. Gén. 1, 17).…” (ibid.).
-Tem-se, portanto, que o velho coração impede não só a percepção do outro e a comunhão com ele, mas também reflete a própria cegueira espiritual, em que não se tem a visão de Deus, em que o homem deixa de ser imagem e semelhança de Deus.
-Ainda uma vez mais citando o ex-chefe romanista: “… esta «vergonha cósmica» — é possível descobrir-lhe os traços na situação total do homem depois do pecado original — no texto bíblico dá lugar a outra forma de vergonha. E a vergonha que se produz na humanidade mesma, isto é, causada pela íntima desordem naquilo
pelo qual o homem, no mistério da criação, era «a imagem de Deus», tanto no «eu» pessoal como na relação interpessoal, através da primordial comunhão das pessoas, constituída juntamente pelo homem e pela mulher.
Aquela vergonha, cuja causa se encontra na humanidade mesma, é imanente e relativa ao mesmo tempo: manifesta-se na dimensão da interioridade humana e ao mesmo tempo refere-se ao «outro». Esta é a vergonha da mulher «quanto» ao homem, e também do homem «quanto» à mulher: vergonha recíproca, que os obriga a cobrir a própria nudez, a esconder os próprios corpos, a tirar da vista do homem o que forma o sinal visível da feminilidade, e da vista da mulher o que forma o sinal visível da masculinidade.
Em tal direção se orientou a vergonha de ambos depois do pecado original, quando deram conta de «estarem nus», como atesta Gn.3 (…). O coração humano conserva em si contemporaneamente o desejo e o pudor.
O nascimento do pudor orienta-nos para aquele momento em que o homem interior, «o coração», fechando-se ao que «vem do Pai», se abre ao que «vem do mundo». O nascimento do pudor no coração humano dá-se a par e passo com o início da concupiscência — da tríplice concupiscência segundo a teologia joanina (cfr. 1 Jo. 2, 16) e em particular da concupiscência do corpo. O homem tem pudor do corpo por causa da concupiscência.
Mais, tem pudor não tanto do corpo quanto exatamente da concupiscência: tem pudor do corpo por causa da concupiscência.…” (O corpo não submetido ao espírito ameaça a unidade do homem-pessoa. Audiência geral. 28 maio 1980. Disponível em: https://diocesedebarreiras.org.br/wp-content/uploads/2022/10/teologia-do-corpo-sao-joao- paulo-ii.pdf Acesso em 29 ago. 2024).
-Uma das características deste velho coração é levar o homem a “comer o povo de Deus como se fosse pão” (Sl.14:4; 53:4), ou seja, a perseguição aos servos do Senhor é algo que é animado pelo velho coração e, portanto, não é surpresa alguma que todos se levantem contra a Igreja neste mundo.
-O velho coração é, também, insensível, tanto que é comparado à pedra, como em Ez.36:26, texto que será mais analisado abaixo, quando o Senhor denomina de “coração de pedra” ao velho coração, ao interior do impenitente.
-Tanto assim é que há uma expressão bíblica para demonstrar a reação do velho coração em contrariedade à vontade divina, que é a expressão “endurecer o coração”, que, por exemplo, foi utilizada em relação ao Faraó do êxodo (Ex.7:13,14; 8:19; 9:7,35).
-Quando dos episódios que envolvem a libertação do povo de Israel, notamos que, após um estágio de obstinação do velho coração, que se recusa a fazer a vontade divina, chega-se a um estágio de irreversibilidade, em que, após tanta rebeldia, é o próprio Deus quem endurece o coração do impenitente (Ex.7:3; 9:12; 10:20,27; 11:10; 14:4,5,8,17).
-Este endurecimento do coração da parte de Deus é equivocadamente utilizado pelos defensores da teoria da predestinação incondicional, própria do calvinismo, mas sem qualquer respaldo bíblico.
O endurecimento da parte de Deus veio somente depois que Faraó e os egípcios se recusaram a observar a vontade do Senhor, ou seja, foi um estágio posterior ao endurecimento ocasionado pelos próprios homens, ou seja, tiveram eles, sim, uma real oportunidade de obediência, que recusaram e que foi substituída por uma deliberada afronta, que deu ensejo, aí sim, ao endurecimento da parte divina.
-O velho coração é um “coração de pedra”, um “duro coração”, que não se sensibiliza com a mensagem do Senhor, que não responde aos chamados divinos e permanece na desobediência e no pecado.
-Não é por outro motivo que o salmista (Sl.95:8), repetido, depois, mais de uma vez pelo escritor aos hebreus (Hb.3:8,15;4:7) recomenda que, ao ouvir a voz do Senhor, não devemos endurecer o coração.
-Esta degeneração do homem, a vinda do velho coração ao seu ser, não é algo que possa ser superado pelo homem. Como diz o item 5 do Cremos da Declaração de Fé das Assembleias de Deus, “…somente o arrependimento e a fé na obra expiatória e redentora de Jesus Cristo podem restaurar o homem a Deus (Rm.3:23; At.3:19).”
-O Senhor providenciou um meio de salvação, tornou possível que todo o homem se salve, e o disse no dia
mesmo da queda. Crendo nesta mensagem salvadora proveniente de Deus, que é o Evangelho, o homem pode invocar o nome do Senhor e será salvo.
III– A PROMESSA DE UM NOVO CORAÇÃO
-Ao desobedecer a Deus, o homem se corrompeu e nele surgiu o velho coração. Assim como ocorrera com o diabo que, ao pecar, teve nascido em seu interior a violência, a iniquidade e a injustiça (Ez.28:16,18), também, no homem, passou a habitar a maldade, como vemos, claramente, na descrição da situação da humanidade às vésperas do dilúvio (Gn.6:11,12), a geração perversa mencionada por Pedro na primeira pregação do Evangelho da história da Igreja (At.2:40).
-No entanto, ao contrário do que fez em relação ao diabo e seus anjos, o Senhor abriu a oportunidade de salvação e, para tanto, prometeu ao homem um novo coração.
-O Senhor sabia que não se poderia ter a salvação do homem sem que se lhe fosse dado um novo coração, pois o velho coração, ínsito à natureza decaída do homem, imundo, como vimos, não poderia dar origem a um novo coração. O que é velho perto está de acabar e não seria possível o aproveitamento deste coração corrompido, próprio daquele que é imagem e semelhança de Adão.
-Do imundo (Jó 14:4) não se tira o puro, como vimos, e, portanto, ao mesmo tempo em que Deus prometeu salvar o homem, também teve de prometer dar-lhe um novo homem interior, um novo coração, sem o que não seria possível o restabelecimento da amizade e da comunhão do ser humano com seu Criador.
-Esta promessa, portanto, é geral, ou seja, feita a todos os homens, pois Deus quer que todos os homens se salvem e venham ao conhecimento da verdade (I Tm.2:4) e, logo após o dilúvio, fez questão de deixar registrado nas Escrituras que sabia que o coração do homem era mau (Gn.8:21), ou seja, a situação espiritual não se mudara com aquele juízo divino (Cf. Gn.6:5).
-Fazemos questão de ressaltar este aspecto, porque esta promessa divina está explicitada em Ez.36:26,27: “E vos darei um coração novo e porei dentro de vós um espírito novo; e tirarei o coração de pedra da vossa carne e vos darei um coração de carne. E porei dentro de vós o Meu Espírito e farei que andeis nos Meus estatutos, e guardeis os Meus juízos, e os observeis”.
-Este texto está no contexto da restauração e salvação de Israel, pois é este o teor da mensagem dada por Ezequiel aos israelitas a partir de Ez.36:16 até o versículo 38, ao que se segue a visão do vale dos ossos secos, no capítulo 37, que também tem a mesma temática.
-Alguém, então, mais desavisado, poderia dizer que esta promessa é dirigida tão somente a Israel. Sem razão, porém.
-Temos aqui, sim, uma profecia e uma promessa dirigidas a Israel, mas tal promessa tem aplicação também ao restante da humanidade, como, aliás, ocorre também na profecia de Joel a respeito do derramamento do Espírito Santo que, tendo sido anunciada a Israel, também foi aplicada à Igreja e, mesmo, tornou-se realidade primeiramente em relação à Igreja do que em relação a Israel.
-Ademais, a conversão de Israel em nada difere da conversão de pessoas dos demais povos, porquanto todos necessitam crer no Evangelho, o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê, tanto do judeu quanto do gentio (Rm.1:16).
-Como se isto fosse pouco, devemos observar que, ao longo das Escrituras, a realidade do velho coração é dirigida tanto a judeus quanto a gentios, e até mesmo à igreja de Deus.
-Como já vimos supra, a realidade do endurecimento do coração nos é, pela vez primeira nas Escrituras, explicitada com relação ao Faraó do êxodo e aos egípcios, que são gentios; depois, mencionada como um
comportamento que tiveram os israelitas em Massá e Meribá (Sl.95:8) e, por fim, algo que foi recomendado pelo escritor aos hebreus que não ocorresse com os crentes hebreus, e, portanto, integrantes da Igreja, que estavam a pensar em abandonar a fé cristã às vésperas da guerra entre judeus e romanos.
-Tem-se, portanto, que se trata de uma promessa que é dirigida a todos os homens, uma decorrência da salvação, que é, também, uma promessa geral.
-No texto de Ez.36:26, é dito que o coração novo é uma dádiva divina. Tudo que é dado por Deus é bom e vem do alto (Tg.1:17). Em sendo assim, o “coração novo” é algo que vem do alto e que é bom.
-Os homens são maus (Mt.7:11), têm a natureza adâmica, que é essencialmente pecaminosa (Sl.51:5; Rm.7:14,20), mas, quando recebem a salvação por meio de Cristo, recebem uma nova natureza, natureza esta que é plantada em nós pela Palavra de Deus (I Pe.1:23).
-Esta regeneração, que o Senhor Jesus chama de novo nascimento em Seu diálogo com Nicodemos, o mestre de Israel (Jo.3:3-6), é um nascimento do Espírito, é uma nova criação, que passa a habitar em nós.
-Retirados os nossos pecados, entramos em comunhão com o Senhor e o nosso espírito, que estava inativo em virtude de nossa vida no pecado, passa a agir, ligando-nos com Deus. Em seguida, somos regenerados, nascemos de novo, surgindo, deste modo, o “coração novo”, a “nova criatura” (II Co.5:17).
-Este “novo homem”, nascido de Deus, não vive na prática do pecado, porque a semente divina, que é a Palavra em que cremos e que nos deu vida, permanece em nós e, por isso mesmo, não vivemos mais pecando, porque somos nascidos de Deus (I Jo.3;9).
-Notemos, portanto, que não se trata de algo criado pelo homem, mas, sim, pelo próprio Deus, que dá este novo coração, coração, inclusive, que receberá o amor divino, derramado nele pelo Espírito Santo (Rm.5:5).
-O coração novo é dado e, com a nova criação, temos um “espírito novo”, ou seja, o espírito que estava inativo, desligado de Deus, torna a fazer a comunhão com o Senhor.
-O coração novo, uma vez o espírito estando novamente ligado ao Senhor, pela retirada dos pecados, faz com que o homem passe a andar nos estatutos divinos, guardando os juízos divinos e os observando (Ez.36:27)
-Para Israel, isto ocorrerá tão somente em relação ao remanescente, quando da batalha do Armagedom, quando se completarão as setenta semanas previstas para que haja a extinção da transgressão, o fim dos pecados, a expiação da iniquidade e a vinda da justiça eterna (Dn.9:24).
-Observemos que o mesmo profeta Ezequiel é usado por Deus para trazer uma mensagem aos israelitas para que lançasse deles todas as transgressões e criassem um coração novo e um espírito novo para que não morressem (Ez.18:31), o que, entretanto, não fizeram, a nos revelar como, para Israel, esta promessa ainda está para se cumprir.
-O profeta Jeremias também diz que haverá dias em que o Senhor fará com Israel um concerto novo, e, neste novo concerto, a lei divina será escrita no interior de cada israelita e o Senhor a escreverá no coração deles (Jr.31:31-33).
-Ora, este novo concerto será o reconhecimento de Jesus como o Cristo (Zc.13:1-6), Aquele que estabeleceu a nova aliança no Seu sangue (Lc.22:20), ou seja, a inserção de Israel na salvação proporcionada por Cristo.
-O escritor aos hebreus mostra que o sacrifício perfeito de Cristo na cruz do Calvário, que foi capaz de tirar o pecado do mundo (Jo.1:29), aperfeiçoou para sempre os que são santificados (Hb.10:14), promovendo a reconciliação do homem com Deus e permitindo, então, que se tenha a geração do coração novo.
-Israel, até receber a Cristo como Senhor e Salvador, é apenas um povo étnico, que se constitui em povo de Deus apenas exteriormente (Rm.2:28,29), identificado tão somente pela circuncisão da carne, feita pela mão dos homens (Ef.2:11).
-Por isso, tanto João Batista quanto o Senhor Jesus consideraram presunção repreensível os judeus se autodenominarem “filhos de Abraão” única e exclusivamente por critérios biológicos (Mt.3:9; Jo.8:37-40).
-Já quando receberam a lei, os israelitas foram conclamados a circuncidar o seu coração para que se cumprisse o propósito divino de fazê-los Seu povo (Dt.10:16), o que o Senhor torna a repetir, às vésperas do cativeiro, por meio do profeta Jeremias (Jr.4:4).
-No entanto, mantiveram-se os israelitas incircuncisos de coração (Ez.44:7; At.7:51), pois têm um véu em sua face, estando ainda endurecidos em seu sentido (II Co.3:13,14), tendo buscado a lei da justiça, não chegou à lei da justiça, uma vez tropeçando na pedra de tropeço (Rm.9:30-33), ao não crerem em Jesus (I Pe.2:6-8).
-A estes que são de Israel mas não são israelitas, como afirma o apóstolo Paulo (Rm.9:6), e que, por isso mesmo, foram quebrados da oliveira pela sua incredulidade (Rm.11:17-21), que dizem ser judeus e não são (Ap.2:9; 3:9), o Senhor Jesus chama de “sinagoga de Satanás”, que não apenas formados por judeus étnicos, mas também pelos falsos cristãos introduzidos no meio da Igreja, o “joio” semeado pelo diabo (Mt.13:25).
-Para a Igreja, o coração novo, porém, já é uma realidade, porquanto, quando invocamos o nome do Senhor, somos salvos (Rm.10:13), uma vez que ouvimos a palavra da verdade, o evangelho da nossa salvação, nele crendo, tendo sido selados pelo Espírito Santo da promessa (Ef.1:13).
-Justificados pela fé, temos paz com Deus por Nosso Senhor Jesus Cristo (Rm.5:1) e, deste modo, já recebemos um coração novo, que recebe o derramamento do amor de Deus pelo Espírito Santo que nos é dado (Rm.5:5).
-Como bem afirma o comentarista bíblico John Rogers (1500-1555): “…fé e o amor andam juntos como dois companheiros inseparáveis. Onde um está, o outro está também, e se você perder um, perderá os dois. Os que têm fé precisam ter amor, pois a fé age pelo amor (GL 5:6).
A fé assegura que Deus nos ama, faz que amemos a Deus e o nosso próximo por amor dele. […] E onde quer que o verdadeiro amor esteja, certamente a fé já passou por ali. Ambos não podem se separar, como não se pode separar o Sol da luz ou a boa árvore de seu fruto.” (A fé é a precursora. In: Dia a dia com os puritanos ingleses. 31 de agosto, p.408).
-Entretanto, se a Igreja recebe, desde logo, o coração novo, o velho coração, o velho homem permanece no interior de cada membro da Igreja. “E os que são de Cristo crucificaram a carne com as suas paixões e concupiscências” (Gl.5:24).
-A carne, o velho coração é apenas crucificado, mas não ainda destruído. Lembremo-nos que, crucificado, o Senhor Jesus ainda proferiu as chamadas “sete palavras da cruz”, prova de que ainda estava vivo.
-A velha natureza permanece no interior de cada salvo e há uma incessante luta entre ela e a nova natureza – “porque a carne cobiça contra o Espírito e o Espírito contra a carne; e estes opõem-se um ao outro; para que não façais o que quereis. Mas, se sois guiados pelo Espírito, não estais debaixo da lei.” (Gl.5:17,18).
-Recebendo o coração novo, devemos andar em Espírito e, desta maneira, não cumpriremos a concupiscência da carne (Gl.5:16). O nosso velho homem foi crucificado com Cristo para que o corpo do pecado seja desfeito, a fim de que não sirvamos mais ao pecado (Rm.6:6). Devemos, pois, agora, andar em novidade de vida (Rm.6:4).
-Esta situação perdurará até que, no dia do arrebatamento, alcancemos a glorificação, com a redenção do
nosso corpo (Rm.8:23), ocasião em que seremos semelhantes a Cristo (I Jo.3:2), não mais tendo a natureza pecaminosa, pois a carne e o sangue não herdam o reino de Deus (I Co.15:50).
-Eis o porquê de a promessa do coração novo não ser uma promessa de impecabilidade. O pecado ainda é uma realidade para o salvo, que, por isso mesmo, deve andar em Espírito para que não venha a pecar.
Somente quando houver a remoção do velho homem, da velha natureza é que nos tornaremos impecáveis, o que ocorrerá no dia do arrebatamento da Igreja, quando alcançarmos a glorificação, estágio final da nossa ressurreição operada por Jesus (Rm.6:5), porque, ao crermos em Cristo Jesus, passamos da morte para a vida (Jo.5:24).
Pr. Caramuru Afonso Francisco
Fonte: https://www.portalebd.org.br/classes/adultos/11004-licao-7-a-promessa-de-um-coracao-novo-i