A Igreja não pode seguir os valores morais do mundo.
INTRODUÇÃO
– Na sequência do estudo da problemática da igreja em Corinto, veremos hoje a questão moral. O apóstolo Paulo, ao saber da existência de uma relação sexual ilícita de um dos membros da igreja, tolerada pelos crentes coríntios, age prontamente para que fosse aplicada imediatamente a disciplina ao membro faltoso.
– No capítulo 5 da primeira carta aos coríntios, o apóstolo Paulo ensina-nos que a igreja não pode conviver com o pecado, devendo afastar todos os membros que insistem em ter uma vida pecaminosa, pois “um pouco de fermento leveda toda a massa”.
I – A IMORALIDADE EXISTENTE EM CORINTO
– No início deste trimestre letivo, tivemos a oportunidade de observar que Corinto era uma cidade extremamente imoral.
Sua situação geográfica, entre dois portos extremamente movimentados, fazia dela um ambiente cosmopolita, ou seja, um lugar de encontro de pessoas de diversas partes do Império Romano.
Como se não bastasse isto, que já favorecia um ambiente promíscuo, Corinto era um lugar de devoção de “deuses de fertilidade” de vários povos, havendo notícia de que ali havia templo em homenagem a deusa egípcia do amor Ísis, sendo, também, um dos principais centros do culto da deusa grega do amor, Afrodite, conhecida como Vênus pelos romanos.
– Em virtude desta circunstância de ser uma cidade cosmopolita e centro de culto de “deuses da fertilidade”, Corinto era uma cidade repleta de “prostitutas cultuais” ou “prostitutas sagradas”, visto que os cultos a estas deusas eram repletos de rituais e cerimônias que envolviam a prática de relações sexuais com tais “sacerdotisas”, que nada mais eram que “prostitutas sagradas”.
Havia, pois, um costume impregnado na cidade de licenciosidade e libertinagem em matéria de moral sexual.
– Paulo conhecia este ambiente, pois fora nele que iniciaria a pregação do Evangelho. Certamente, sua preocupação, desde o início, era o de manter o povo de Deus afastado deste lamentável estado de coisas, mostrando aos novos crentes a necessidade de viverem separados do pecado e da idolatria, o que significava manter-se totalmente alheios ao ambiente de imoralidade reinante naquela cidade.
– Como nunca antes, o apóstolo tinha de enfrentar a questão da convivência da Igreja com o mundo, visto que Corinto era uma cidade extremamente idólatra e imoral, onde a idolatria e a imoralidade eram as próprias molas propulsoras da cidade, situação, aliás, que o apóstolo também enfrentaria em Éfeso (At.19).
Corinto e Éfeso, a propósito, foram dois grandes desafios para a Igreja, que se abrira aos gentios, sendo exemplos vívidos e extremamente atuais para que a Igreja atual, que vive a época da globalização, sabia entender como deve servir a Deus em meio a um mundo secularizado e que literalmente deixou Deus de lado.
– Vive a Igreja uma tensão constante na sua vida debaixo do sol. Na Sua oração sacerdotal (Jo.17), o Senhor Jesus mostra a relevância deste tema, ao tratá-lo de modo específico quando intercede pelo Seu povo ao Pai.
Naquela oração, o Senhor mostra a real situação da Igreja: ela está no mundo, mas não é do mundo. Estando no mundo, não pode dele se ausentar, mas, não sendo do mundo, não pode com ele compartilhar, ter comunhão.
– Estar no mundo e não ser do mundo é uma situação que requer de cada crente uma posição de inteira dependência de Deus. Por estarmos no mundo, temos de manter um relacionamento com todos os homens, até porque, por sermos participantes da natureza divina (II Pe.1:4), não podemos fazer acepção de pessoas (At.10:34), além do que está sob a nossa responsabilidade levar ao mundo o conhecimento da luz do evangelho da glória de Cristo (II Co.4:3,4), porquanto somos o sal da terra (Mt.5:13) e a luz do mundo (Mt.5:14).
– Entretanto, embora tenhamos de manter um relacionamento com os demais homens do mundo, com eles não podemos ter comunhão, pois não há comunhão entre a luz e as trevas (II Co.6:14), sendo certo que somos totalmente distintos deles, visto que somos “filhos da luz e filhos do dia, não somos da noite nem das trevas” (I Ts.5:5); somos nascidos de Deus, filhos de Deus e não, filhos do diabo (I Jo.3:9,10). Estamos de um lado, enquanto os homens do mundo, do lado oposto (Sl.17:14).
– A igreja em Corinto vivia uma situação cuja tensão era inédita na história da Igreja, mas que mostrava a realidade espiritual que seria vivida com cada vez maior intensidade pelos cristãos a partir de então, intensidade esta que, nestes dias imediatamente anteriores ao arrebatamento da Igreja, encontra o seu ponto mais alto, como, aliás, profetizado pelo próprio Senhor Jesus (Mt.24:12).
– Este estado de coisas era tão relevante que foi o assunto principal da “carta anterior” que o apóstolo havia encaminhado para os crentes coríntios, que tratava, precisamente, da associação com os que se prostituíam (I Co.5:9).
Seu ensino causara tanto impacto que os próprios crentes de Corinto haviam pedido ao apóstolo algumas orientações a respeito de alguns problemas concernentes ao relacionamento com os homens do mundo, como os relacionados com o casamento, a alimentação com coisas sacrificadas aos ídolos e a utilização da justiça por parte de irmãos em litígio, temas que estudaremos ao longo deste trimestre letivo.
– No entanto, embora os crentes de Corinto estivessem preocupados em saber os parâmetros de seu relacionamento com os incrédulos, numa demonstração de que tinham se conscientizado da necessidade de não se associarem com os que se prostituíam, não estavam ainda totalmente conscientizados de que deveriam abandonar a “vã maneira de viver que, por tradição, haviam recebido de seus pais” (I Pe.1:18).
Em contato com os familiares de Cloé, o apóstolo fica a saber que um dos membros da igreja em Corinto estava mantendo relações sexuais com a mulher de seu pai e que isto estava sendo tolerado pela igreja (I Co.5:1).
– Embora a igreja (ou, pelo menos, parte dela) estivesse interessada em não se associar com os que se prostituem e ter ensinamentos do apóstolo a respeito do relacionamento que deveria manter com os incrédulos, por causa da “prostituição sagrada” dominante em Corinto, a igreja não havia, ainda, entendido que, como povo de Deus, não poderia assumir os valores morais existentes no mundo, não poderia considerar “normal” aquilo que era aceito e tolerado pelo mundo pecador.
– Esta é uma situação bem atual na igreja. Vivemos um período em que o mundo se torna uma “grande aldeia global”, onde há um contato de muitas culturas e valores, fazendo com que o planeta se transforme numa “grande Corinto”, pois Corinto era uma cidade que havia sido reconstruída pelos romanos, com uma cultura grega secular e que se tornou ponto de encontro de diversas
culturas e valores, os quais, aliás, tinham um ponto de contato no “culto dos deuses da fertilidade”. A imoralidade reinante, portanto, era um ponto em comum entre todos aqueles povos que se encontravam em Corinto e os crentes coríntios pareciam não entender que não podiam compartilhar daqueles valores e práticas aceitos e tolerados por todos os outros. Tinham começado a entender que seu relacionamento com os incrédulos tinha limites, mas não tinham ainda compreendido que seu viver tinha de ser diferente, não apenas seu relacionar.
– É o que tem ocorrido nos dias hodiernos. Diante da globalização e do intenso intercâmbio de culturas e valores pelos diversos povos do mundo, a Igreja acaba sendo influenciada, havendo uma pressão para que, a exemplo do que ocorre no campo das nações, também venha a aderir a um certo “consenso”, a “pontos em comum” que levem a um compartilhamento de valores e de práticas, que passam a ser aceitos e tolerados pelo mundo.
Isto é ainda mais complicado quando se sabe que, a exemplo do que ocorria em Corinto, em que esta “política do consenso” era comandada pelo governo romano, que tinha o máximo interesse em criar um ambiente cosmopolita e de mútua convivência e tolerância para manter a sua “pax romana”, também temos, na atualidade, a pressão desencadeada pelos organismos internacionais, com a Organização das Nações Unidas à frente, também para que se criar esta “pax universalis”, organização que, sabidamente, tem seu corpo burocrático controlado pelos adeptos da Nova Era e do satanismo.
– Os crentes de Corinto, embora já tivessem sido alertados, pela “carta anterior” (chamada pelos teólogos de “carta A”), sobre a necessidade de um relacionamento criterioso com os incrédulos, ainda não haviam despertado para a realidade de que não poderiam comungar dos mesmos valores e dos mesmos costumes dos incrédulos.
– O apóstolo Paulo, de imediato, apresentou a impossibilidade de a Igreja tolerar o pecado. Havia, entre os coríntios, um membro que mantinha um relacionamento sexual com a mulher de seu pai, que, pela expressão do apóstolo, não era, logicamente, a mãe do membro faltoso, mas uma outra mulher do pai daquele “crente” (uma madrasta ou, mesmo, uma concubina do pai) (I Co.5:1).
– De pronto, vemos que o apóstolo Paulo toca num elemento que é fundamental na moral cristã, que é a questão da sexualidade.
O sexo é algo perfeitamente natural, criado por Deus (Gn.1:27) e, portanto, algo bom, muito bom (Gn.1:31). Não há, portanto, qualquer base bíblica para que se considere, como alguns falsos mestres, a atividade sexual como algo pecaminoso e vedado aos servos do Senhor (I Tm.4:3).
– No entanto, como algo criado por Deus, a sexualidade deve seguir os parâmetros definidos pelo Criador e, “in casu”, o sexo somente pode ser exercido no casamento, entre os cônjuges (Gn.1:28; 2:24).
A prática de relações sexuais antes do casamento, chamada “fornicação”, é veementemente condenada pelas Escrituras Sagradas (At.15:29; Ef.5:5; I Tm.1:10; Ap.21:8; Hb.12:16), assim como a prática de relações sexuais com quem não é o cônjuge, em sendo a pessoa casada, chamada de “adultério” (Ex.20:14; Dt.5:18; Jr.29:23; Ml.3:5; Mt.5:27,28,32; 19:9; Rm.13:9; I Co.6:10; Hb.13:4).
– Não podia, pois, a igreja em Corinto tolerar que um homem, que se dizia integrante daquela igreja, vivesse um relacionamento sexual com a mulher de seu pai, sem que, logicamente, fosse casado com ela, o que nada mais era que “fornicação”, algo que, embora fosse “normal” e “natural” numa cidade pervertida, como era Corinto, estava completamente fora dos princípios e valores da moral estabelecida pela Palavra de Deus.
– Esta mesma situação encontramos, lamentavelmente, nas igrejas locais, na atualidade. Um dos movimentos que temos presenciado, notadamente a partir da década de 1960, é a chamada “liberação sexual”, que trouxe novos princípios e parâmetros para a moral sexual em todo o mundo,
com a defesa do “sexo livre”, ou seja, a defesa da possibilidade de as pessoas manterem relações sexuais sem a necessidade do casamento e, inclusive, em relação aos casados, da possibilidade de os cônjuges terem relações sexuais com outras pessoas que não seus cônjuges.
– Este comportamento libertino, totalmente contrário à Bíblia Sagrada, tem, também, a exemplo do que estavam a fazer os crentes em Corinto, a tolerância de muitos que cristãos se dizem ser.
Na atualidade, falar que a pessoa deve se manter virgem até o casamento, dizer que se deve ter castidade, é considerado, por muitos, como risível e algo totalmente “ultrapassado” e “fora de moda”. Já há, pasmem todos, os que defendem o “ficar gospel”, ou seja, a manutenção de relações sexuais sem casamento entre os crentes, que, por serem “santos”, não estariam a pecar.
– Muitos, na atualidade, adotam os valores mundanos relacionados com a “liberação sexual” e entendem que podem servir a Cristo sem as “amarras do passado”, ou seja, sem que sejam seguidos os ensinamentos bíblicos, esquecendo-se que a Palavra de Deus não muda e permanece para sempre (Mt.24:35; Lc.21:33; I Pe.1:23,25).
Assim, não exigem castidade dos membros de sua igreja e toleram toda sorte de relações sexuais antes ou fora do casamento, sendo extremamente tolerantes com o pecado e com a imundícia.
– É com grande tristeza, aliás, que vemos que, em termos de moralidade sexual, as vozes ouvidas na sociedade sejam, quase sempre, tão somente as vozes vindas da Igreja Católica Apostólica Romana, que, neste particular, temos de admitir, tem sido uma verdadeira “voz profética”, denunciando toda a sorte de desmandos e violações da doutrina bíblica nesta matéria.
Enquanto isto, os verdadeiros servos do Senhor omitem-se, chegam, mesmo, a se autocensurar, para não falar sobre tais assuntos com os crentes, a fim de “não ferir suscetibilidades”, procurando, ao máximo, evitar um comprometimento do povo de Deus com a imutável moral sexual constante da Bíblia Sagrada.
– Diante de um tal comportamento, o apóstolo Paulo não se conteve e, antes de responder às perguntas sobre o relacionamento dos crentes com os incrédulos, iniciou o estudo da problemática da igreja em Corinto com este tema delicado, exigindo que a Igreja tomasse providência, excluindo aquele membro faltoso e evitando que o escândalo continuasse.
– Paulo mostra que não se deveria ter o mesmo comportamento dos gentios (I Co.5:1). A fornicação é atitude própria daqueles que se rebelaram contra a Palavra de Deus, que não admitem o senhorio de Cristo. Todas as ações da “liberação sexual” devem ser banidas do meio do povo de Deus, não se pode permitir qualquer licenciosidade, qualquer medida libertina que o mundo tem acolhido.
Como permitir “namoros avançados”, como se tem feito nas igrejas locais atualmente? Como aceitar que jovens e adolescentes “fiquem” e sejam membros da igreja?
Como permitir que membros da igreja participem de comunidades e demais grupos na internet onde haja pornografia e linguagem indecente? Como admitir que os crentes participem de “más conversações”, as quais corrompem os bons costumes (I Co.15:33)?
Tudo isto tem sido tolerado e, por vezes, até incentivado no meio das igrejas locais, em flagrante contrariedade ao ensino bíblico, à vontade de Deus.
– A sexualidade deve ser exercida segundo os princípios bíblicos e não segundo o curso do mundo, pois já não mais vivemos assim (Ef.2:2,3).
Além de haver um momento e um lugar para a atividade sexual (o casamento e entre cônjuges), a atividade sexual, ainda, deve ser praticada dentro de dois critérios bem precisos: a alteridade e a naturalidade.
– O sexo deve ser altruístico, ou seja, deve visar a satisfação e a alegria do cônjuge, do outro e não a própria, como o apóstolo Paulo cuidará quando tratar das considerações a respeito do casamento, o que veremos em lição próxima.
Isto é exatamente o oposto do que acontece no mundo, onde o sexo é concebido como um elemento de autossatisfação, de obtenção de uma alegria para si, como um
sentimento egoísta.
Daí porque, em termos mundanos, o parceiro sexual não passar de um objeto, de uma coisa que promove satisfação ao egoísta que quer prazer.
– O sexo deve ser, também, natural, ou seja, as relações sexuais são aquelas feitas com os órgãos criados por Deus para a sua prática. Cada órgão, cada membro do corpo tem uma determinada função e o sexo tem seus órgãos apropriados.
No mundo, porém, em busca do prazer a todo custo, há um total desvirtuamento disto, com a utilização de métodos e meios que não os naturais para a prática das relações carnais, o que, também, é totalmente vedado pelas Escrituras, que considera que somente os rebeldes contra o Senhor se dão a uma tal abominação (Rm.1:26,27; I Ts.4:3-6).
– Não podem os crentes sinceros e verdadeiros, cujos corpos são templos do Espírito Santo (I Co.6:19), tornar-se instrumentos para a realização da imundícia, para contrariar o que é prescrito na Palavra do Senhor (Rm.6:12,13).
Não podemos fazer “como os gentios”, pois, senão, como aduz Paulo no texto que estamos a estudar, não só faremos o que eles fazem, que já desagrada a Deus, como até mais do que os próprios incrédulos (I Co.5:1).
II – A DIMENSÃO COMUNITÁRIA DA VIDA ESPIRITUAL E A NECESSIDADE DA DISCIPLINA
– Mas, por que os coríntios tinham chegado a uma tal degradação moral? Simplesmente porque estavam “inchados” (I Co.5:2), tradução da palavra grega “fusioó” (φυσιοώ), cujo significado é “inflado”, “orgulhoso”, “soberbo”.
Os crentes de Corinto, porque estavam sendo abençoados pelo Senhor com os dons espirituais, haviam se considerado “supercrentes”, “grandes servos de Deus” e, como resultado disto, não queriam mais seguir os ensinamentos bíblicos. Entendiam não ter dependência das Escrituras, ser “sabichões”.
– Este é o grande perigo dos que estão a servir o Senhor Jesus: acharem que não mais precisam aprender com Cristo, que já atingiram a plenitude da espiritualidade, que “Deus só quer o coração”. Os crentes em Corinto achavam que “eram donos do próprio nariz”, que suas vidas privadas não eram da conta da igreja nem de ninguém mais.
É precisamente o engano de muitos que caminham para a perdição dizendo-se servos de Deus. Simplesmente deixaram Deus de lado, não querem ouvir o que a Bíblia tem a lhes dizer, pensando que Deus irá aceitá-los do jeito que são e que querem ser.
– O “inchaço” é um “aumento de volume”, uma “dilatação”, mas que não representa um crescimento sadio. Pelo contrário, o “inchaço” sempre está associado a um crescimento doentio, como o crescimento de um tumor ou que tenha sido provocado por uma substância nociva. O “inchaço”, portanto, embora traga uma aparência de aumento, é algo ruim, algo que não faz bem.
– Os crentes de Corinto, embora estivessem “crescendo em volume”, seja no exercício dos dons espirituais, seja, mesmo, no número de membros da igreja, não estavam senão “inchados”, ou seja, aquele “aumento de volume” não lhes estava fazendo bem, de tal maneira que o pecado, como um tumor, tomava conta de toda a comunidade, que já via como “natural”, como “normal”, como “compreensível”, um comportamento imoral que nem entre os gentios havia, qual seja, a manutenção de uma fornicação com a mulher de seu pai.
– Dentro deste “inchaço”, prevalecia uma linha egoística, um pensar somente em si que, na verdade, era altamente destrutivo.
Ainda que houvesse quem não concordasse com o comportamento imoral tolerado (tanto que isto foi contado ao apóstolo, naturalmente com reprovação), ninguém se dispunha a resolver o problema, entendendo que “cada um devia cuidar da sua vida”. Este
comportamento egoístico e individualista, tão presente em nossos dias, é mortal para a igreja local, pois a igreja é um corpo e todos dependem uns dos outros.
– A igreja local é um grupo social, criado por Cristo para que pudéssemos servir ao Senhor. O homem é um ser social, não pode viver sozinho (Gn.2:18) e Deus sempre fez com que o relacionamento entre Ele e o homem se fizesse em uma sociedade.
Assim, ao chamar Abrão, disse que iria fazer dele uma grande nação (Gn.12:1-3), fez um pacto com Israel para que fossem os israelitas um reino sacerdotal (Ex.19:5,6)e, depois, edificou a Igreja com este mesmo propósito (Mt.16:18; I Pe.2:9,10).
– Não se pode servir a Deus solitariamente. A salvação, bem sabemos, é individual (Ez.18:20), mas o crescimento e a sobrevivência espirituais dão-se em meio ao grupo social, pois é neste grupo que o Senhor cria as condições para que perseveremos até o fim, sem o que não seremos salvos (Mt.24:13).
– Em Corinto, os crentes estavam iludidos com a possibilidade de poderem servir a Deus sem depender dos outros.
Assim, nem ao menos se entristeciam com o pecado de fornicação que estava a causar escândalo, numa indiferença que demonstrava a falta de amor divino naqueles corações, outro problema de que o apóstolo trataria na carta que estamos a estudar.
– Nos dias tão difíceis em que vivemos, dias de individualismo e egoísmo (II Tm.3:1-5), também verificamos que a tolerância com o pecado decorre não só da adoção da “agenda dos incrédulos” por parte dos que cristãos se dizem ser, que passam a comungar dos mesmos valores e parâmetros mundanos, mas, também, do egoísmo e da indiferença com relação ao outro.
Muitos até não concordam com as condutas pecaminosas que têm sido cada vez mais toleradas, mas, simplesmente, acham que não têm nada que ver com tais condutas, já que “não são eles que estão pecando”. “Cada um dará conta de si a Deus”, dizem estes supostos “santos” e “entendidos”, achando que devem tão somente cuidar de si mesmos.
– Não foi esta a atitude tomada pelo apóstolo Paulo, porém. Paulo, ao saber da situação, não pensou duas vezes: usando da autoridade apostólica que tinha, mandou que aquele membro fosse excluído da igreja em Corinto, a fim de que pudesse ser salvo (I Co.5:3-5).
– Dirá alguém que o apóstolo, como era apóstolo, podia tomar esta atitude e que isto não pode ser exigido daquele irmãozinho ou irmãzinha que vê as coisas erradas na igreja e não tem como agir.
Sem dúvida alguma, Paulo pôde fazer esta exclusão porque era apóstolo, o fundador do trabalho em Corinto e, por causa disso, nem precisou ir pessoalmente para fazer a exclusão, tendo mandado que isto fosse feito por carta, mesmo. Tal atitude, evidentemente, não pode ser tomada por qualquer crente de uma igreja local.
– No entanto, não podemos nos apegar à forma como isto se fez, mas ao princípio envolvido neste gesto do apóstolo. Paulo, em primeiro lugar, usou de sua autoridade eclesiástica para que se evitasse o mal espiritual da igreja local.
Assim, os que são chamados para presidir sobre o povo, devem sempre ter o cuidado de não se omitirem nos casos em que a igreja local for surpreendida pela prática de pecados por seus membros. Não há homem que não peque, mas é dever de todo ministro e oficial não permitir que o pecado dos membros venha a contaminar todo o corpo.
– Em segundo lugar, Paulo aplicou a penalidade porque tinha provas de que tal ato havia sido praticado. O fato era público e notório e, portanto, dispensava uma produção de provas, de modo que, mesmo à distância, pôde ele aplicar a penalidade. Temos aqui duas importantes lições concernentes à disciplina na Igreja.
– A primeira lição é a de que o fato que deve ser objeto de disciplina é um fato que causou “escândalo”, ou seja, um fato que se tornou público e notório em toda a igreja local e que tem um potencial de fazer os crentes sofrer reveses espirituais.
No caso do imoral de Corinto, seu relacionamento com a mulher de seu pai era algo conhecido de todos, algo que o faltoso negava ver qualquer coisa pecaminosa, mas que gerara um mal-estar tão grande que os que foram se encontrar com Paulo dele fizeram menção. O “escândalo” é precisamente isto: um fato cujo conhecimento faz com que a vida espiritual dos crentes corra risco.
– A palavra “escândalo”, em grego, significa “pedra de tropeço”, aquela pedra que pode nos fazer cair no caminho pelo qual andamos.
O fato que exige disciplina é, portanto, aquele acontecimento que, por ter deixado os limites de nossa consciência e de nossa vida íntima, chegaram a um potencial conhecimento da igreja local e pode levar os crentes a um descrédito, a um fracasso espiritual no seu relacionamento com Deus.
– A segunda lição é a de que, para que haja aplicação de uma penalidade, necessário se faz que haja prova daquilo que se está a comentar.
Não é possível, de modo algum, que se aplique uma pena sem que se tenha prova da prática do pecado, sem que tenha tido o acusado o direito de se defender. Deus assim agiu no Éden, permitindo que o primeiro casal se defendesse, embora o Todo-Poderoso fosse onisciente e onipresente, tendo, pois, a tudo presenciado e de tudo tivesse ciência.
– Mas, continuará alguém a dizer que este assunto diz respeito apenas aos ministros e oficiais, que os crentes simples não têm nada que ver com a prática do pecado, devendo cada um cuidar de si mesmo. Não, não e não!
– O apóstolo tomou a iniciativa, ao saber da existência desta tolerância, mas censurou os crentes, não os anciãos, mas todos os crentes (I Co.5:2).
A disciplina, evidentemente, deve ser aplicada pelas lideranças, que para isso foram constituídas pelo Senhor, para estar à frente do povo (este é o significado de “presidir”), mas não é algo que seja irrelevante aos demais membros da igreja local, pois todos somos membros em particular do corpo de Cristo (I Co.12:27).
– Cada crente, tendo conhecimento de um pecado que está a trazer escândalo para a igreja local, pode e deve tomar a iniciativa.
Evidentemente que, por não ter a autoridade que Paulo tinha em relação à igreja em Corinto, não pode aplicar uma penalidade à distância, mas pode proceder como ensinou o Senhor Jesus em Mt.18:15-17, passagem que se encontra menosprezada e esquecida nos dias atuais.
– Com efeito, quando lemos em Hb.12:8, vemos que todos os filhos de Deus são participantes da disciplina, de modo que não há como se entender que este assunto seja restrito aos ministros ou aos oficiais de uma igreja local.
– Ora, se todos os filhos de Deus são participantes da disciplina, temos que a disciplina é uma atividade que deve existir entre os filhos de Deus e estes filhos de Deus, ou seja, aqueles que creram em Jesus como seu único e suficiente Senhor e Salvador (Jo.1:12), são nada mais, nada menos que os integrantes da Igreja, a nação santa (I Pe.2:9,10).
– Percebemos, pois, que a disciplina é apresentada por Deus como sendo uma atividade da qual todo o povo de Deus, isto é, a Igreja é participante.
Isto é importantíssimo porque desmonta a tese que tem aumentado a cada dia, no meio das igrejas locais, no sentido de que a Igreja não pode disciplinar pessoa alguma, que não é de sua competência disciplinar os crentes, que devem satisfação unicamente a Deus.
– Não é, porém, o que ensina a Palavra de Deus. Ela diz que a disciplina é uma atividade de que todos os filhos de Deus são participantes, ou seja, todos os filhos de Deus tomam parte na disciplina, na instrução da Palavra, na correção, na repreensão com vistas ao crescimento espiritual e à concessão de vida aos salvos.
– A disciplina é feita por Deus. Deus é o Pai de todos (Ef.4:6) e, portanto, como a disciplina, diz-nos o escritor aos hebreus, é uma ação de um Pai em relação a Seus filhos, temos que se trata de uma ação vinda diretamente da parte de Deus. É a correção do Senhor, como explicitamente denomina o referido escritor (Hb.12:5).
– Portanto, tem-se como verdadeiro que a disciplina é uma ação divina e não da parte de qualquer homem. Neste sentido, não têm fundamento algum certas práticas que se andam espalhando nas igrejas locais de se criar uma “confissão auricular”, ou seja,
as pessoas que pecam vão até o ministério, ao pastor, ao dirigente local e lhe confessam a falta e ali perdem perdão e fica tudo por isto mesmo, pois o “pastor” é o “anjo da Igreja”, o “sacerdote” e, portanto, dispensável qualquer outra atitude disciplinar.
Isto é romanismo puro e a negação de que a correção é do Senhor, que a disciplina vem de Deus, de que a cabeça da Igreja é o Sumo Pastor (I Pe.5:4) e não qualquer ministro do Evangelho, que não tem domínio sobre o rebanho que é do Senhor (I Pe.5:3).
– Mas o fato de a correção ser do Senhor também não significa que o salvo não tenha que dar satisfação a pessoa alguma, nem à sua igreja local, que estaria privada da condição de lhe aplicar uma disciplina.
“Se a correção é do Senhor, então ninguém pode excluir ou suspender quem quer que seja”, pensam estes verdadeiros “anarquistas evangélicos”, esquecidos de que, embora a correção seja do Senhor, este Senhor estabeleceu a Igreja, um conjunto de salvos, para que ela Lhe sirva e Lhe adore em espírito e em verdade.
– A Bíblia diz que devemos admoestar uns aos outros(Rm.15:14; Cl.3:16; Hb.10:25), ensinar uns aos outros (Cl.3:16), exortar uns aos outros, edificar uns aos outros (I Ts.5:11; Hb.3:13), confessar as culpas uns aos outros (Tg.5:16), sujeitarmo-nos uns aos outros (I Pe.5:5).
Ora, isto mostra que, dentro do amor que deve existir entre cada irmão, está o de nos submetermos às lições que os outros querem nos ensinar, pois disto depende o progresso e o desenvolvimento de nossa vida espiritual, que não é feita de modo solitário, mas, sim, solidário e fraterno.
– É, pois, tarefa de cada um de nós, enquanto membros em particular do corpo de Cristo, ensinar os demais irmãos, exortá-los, admoestá-los, bem assim nos sujeitarmos a eles e a eles confessarmos nossas culpas.
Este é o sentido de “disciplina”, como temos visto, ou seja, faz parte da tarefa da Igreja fazer com que as pessoas possam ter crescimento espiritual, crescimento este que vem da nossa constante correção, da nossa constante repreensão para que andemos de modo irrepreensível diante dos homens e da Igreja.
– A correção é do Senhor mas o Senhor tem nos escolhido para vivermos em grupo, para vivermos na Igreja a fim de que ela nos proporcione uma vida espiritual abundante e vitoriosa, o que implica a necessidade de sermos corrigidos pelo Senhor NA e PELA Igreja.
– Na Igreja, somos confrontados com a Palavra de Deus, que é exposta por aqueles escolhidos pelo Senhor para o ministério da palavra, ou seja, os ministros do Evangelho, que a Bíblia denomina de apóstolos, presbíteros, anciãos, bispos e pastores.
Todos estes foram chamados para ensinar a Palavra e, no ensino da Palavra, exercerem, quando necessário, para a saúde da igreja local e de cada membro em particular, a disciplina, mediante a repreensão e a aplicação do castigo, mediante o “fustigar da vara”, que é a aplicação de uma penalidade destinada a promover a saúde espiritual e impedir a morte de um irmão faltoso.
– Por isso denominamos esta missão da Igreja de “missão medicinal”, tendo em vista que se trata de aplicação de um remédio, de um medicamento a uma alma que se encontra enferma por causa do pecado.
Notemos que a Igreja tão somente aplica o medicamento, tão somente ministra o remédio. A prescrição do remédio provém do “Médico dos médicos”, pois a correção é do Senhor.
O Senhor, através do Espírito Santo, determina qual é a Palavra que deve ser proferida, qual é o ensino que deve ser dado, pois tudo é baseado nas Escrituras, que testificam do Senhor, que é a Verdade, que permanece para sempre.
– Feita a prescrição, porém, faz-se necessário que o “farmacêutico” aplique o medicamento, utilize a Palavra para promover o tratamento.
É neste instante que surge o ministério da Igreja, que é constituído, diz a Bíblia, de pastores e doutores (Ef.4:11), ou seja, de pessoas constituídas pelo Senhor para ensinar a Palavra e aplicá-la, inclusive mediante o “fustigar da vara”, algo que só os pastores podem fazer, pois é nas mãos dos pastores que está a vara.
– Aos pastores cabe “apascentar o rebanho de Deus” (I Pe.5:2) e apascentar envolve, entre outras coisas, o uso da vara, isto é, a indicação da orientação e da direção a ser seguida, a aplicação de penalidades quando houver a prática de atos que não estejam de acordo com a Palavra de Deus, penalidades estas que chegam mesmo à retirada da pessoa do meio da comunidade até que haja a devida cura espiritual (I Co.5:13 “in fine”).
– A correção é do Senhor, deve ser feita conforme a orientação do Espírito Santo, com base na Palavra de Deus, mas deve ser ministrada por aqueles que o Senhor constituiu para presidir sobre o povo de Deus, com conhecimento e aquiescência de todos os demais.
Verifiquemos que, embora o uso da vara seja algo relacionado com o pastor, o apóstolo Paulo usa o plural para determinar a aplicação da penalidade (“tirar dentre vós este iníquo”), demonstrando, assim, que a decisão é também da comunidade, pois todos são feitos participantes da disciplina.
– Entretanto, a disciplina não se resume à aplicação de penalidades. A disciplina é, antes de mais nada, o ensino, a instrução, que, por vezes, se dá através da aplicação de um castigo.
Entretanto, para que haja a aplicação da penalidade, mister se faz que, antes, tenha havido o ensino, que tenha a redargüição, que é a repetição do ensino, para, então, haver a correção(II Tm.3:16).
Daí porque o discipulado, é o primeiro passo da disciplina e daí porque se torna extremamente difícil aplicar penalidades numa “igreja local sem doutrina”, ou seja, uma igreja local onde os membros não são devidamente instruídos na Palavra de Deus antes de se tornarem membros da igreja local por intermédio do batismo nas águas.
– Mesmo quando se tem situação em que se deve recorrer à correção, porque já houve ensino e redargüição, é preciso que se tenha o devido cuidado, inclusive com a oportunidade para que se tenha o pleno exercício do direito de defesa por parte do disciplinando.
Deus dá-no o exemplo ao dar plenitude de direito de defesa a Adão e a Eva no Éden, mesmo sendo onisciente e onipresente. Se Deus permitiu ao homem se defender, quem somos nós para impedir o exercício de tal direito?
– Os fatos devem ser analisados pelo ministério com muito cuidado antes de o caso ser levado ao conhecimento da Igreja. É preciso ter a mesma cautela que o Senhor determinou que os sacerdotes tivessem antes de declarar alguém leproso no tempo da lei.
Jamais se declarava alguém leproso de sopetão, de inopino, sem um prévio exame do que estava acontecendo com ele (cfr. Lv.13,14). Assim também, deve o disciplinando ser examinado, analisado, a fim de que se verifique se há realmente a presença do pecado como um “modus vivendi” daquela pessoa, o que fará com que seja apartada da vida comunitária.
– Tem-se, aliás, um outro motivo para que a disciplina seja ministrada NA e PELA Igreja. A vida espiritual é uma vida comunitária, feita na igreja local e não pode a Igreja permitir que haja comunhão entre a luz e as trevas.
Verificado, manifestado, descoberto que há, no meio do povo de Deus, pessoas que têm um modo pecaminoso de viver, que se deixaram dominar pelo pecado novamente, impõe-se a sua retirada do meio do povo, pois um pouco de fermento pode levedar toda a massa (I Co.5:6).
A Igreja é o corpo de Cristo e Cristo é simbolizado, na páscoa, pelos pães asmos, ou seja, pães sem fermento. Ora, só quem pode efetuar esta medida são aqueles que o Senhor pôs à frente daquela determinada igreja local.
– A disciplina, ademais, não abrange apenas a aplicação da penalidade de exclusão. Na própria passagem a respeito da lepra, que é figura do exercício da disciplina na Igreja, há vários graus de “infecções” e de “enfermidades”, que tem tratamento diferenciado, inclusive com a manutenção, às vezes, de um período relativamente longo da pessoa “em suspenso”, ou seja, em análise, para verificação se se tratava, ou não, de lepra.
Há, portanto, situações em que se deve “suspender” o disciplinando, mantendo-o parcialmente afastado da vida comunitária, para melhor análise a respeito de sua conduta, a respeito de sua vida espiritual. Pelos frutos conheceremos quem é salvo e quem não o é (Mt.7:15-20).
– Tudo, porém, deve ser feito com o objetivo de curar espiritualmente o enfermo. A cura não será feita pela Igreja, pois só o Senhor é quem pode curar espiritualmente quem se encontra afastado.
Devemos consolar o disciplinado, confortá-lo e perdoá-lo no que concerne às ofensas feitas em relação a cada um dos membros da igreja local, impedindo, assim, que seja consumido por demasiada tristeza (II Co.2:7).
– Se não é a Igreja quem cura, é ela quem deve ministrar o remédio e o remédio nem de longe se esgota na aplicação da penalidade, após um preciso e acurado exame.
Após a aplicação da penalidade, é preciso que haja a ministração da Palavra, pois só a Palavra de Deus pode trazer vida e ânimo àquele que se encontra fraco na fé. É com tristeza como vemos que muitas igrejas locais simplesmente abandonam e discriminam o disciplinado, demonstrando total falta de amor e de misericórdia.
– A missão medicinal da Igreja jamais se esgota na aplicação da penalidade, mas deve ser acompanhada da ministração e exposição da Palavra de Deus a fim de que o disciplinado possa ser curado, o que somente se dará pela Palavra, pois somente se nasce de novo pela água e pelo Espírito.
Não se deve discriminar o disciplinado e, bem ao contrário, é imperioso que se o mantenha integrado na igreja local, ainda que mantido à parte, para que não seja atirado de vez para o pecado e para o mundo sem Deus e sem salvação.
Precisamos ajudar aqueles que manquejam e não, como muitos têm feito, empurrá-los precipício abaixo para a perdição (Hb.12:13).
– Os filósofos epicureus (At.17:18) ficaram notabilizados na história da filosofia porque teriam apresentado “quatro remédios para a alma humana”, já que diziam que a filosofia era a “medicina da alma”, a saber: “Não precisamos temer os deuses.
Não precisamos nos preocupar com a morte. É fácil alcançar o bem. É fácil suportar o que nos amedronta.” Assim procuravam dar sentido à vida das pessoas.
– A Igreja tem uma “missão medicinal” muito diferente e que traz muito maior esperança à humanidade, principalmente àqueles que foram repreendidos pelo Senhor para que não sejam condenados com o mundo. Senão vejamos.
– A Igreja deve dizer ao disciplinado que ele não deve ter medo de Deus. Deus o corrigiu, fê-lo passar por uma situação constrangedora diante da igreja local, mas isto fez porque o ama e quer que
ele vá morar eternamente com o Senhor. A Igreja deve mostrar ao disciplinado que Deus o ama tanto que fez com que a Igreja lhe aplicasse um remédio para tratá-lo.
O objetivo de Deus é fazer com que o disciplinado, num futuro não distante, produza fruto pacífico de justiça, algo que só é possível para aqueles que são exercitados por ela.
Assim, não só o disciplinado deverá produzir frutos de justiça, demonstrando sua cura, como a Igreja deve demonstrar frutos de justiça no tratamento e acompanhamento deste disciplinado.
– A Igreja deve dizer ao disciplinado de que ele deve, sim, se preocupar com a morte espiritual, que é o salário do pecado (Rm.6:23), pecado que está à espreita, pronto para dominar quem o praticar (Gn.4:7).
Entretanto, a disciplina é a prova de que Deus não deseja a sua morte, tanto que, para evitá-la, pôs a Sua Igreja para ministrar-lhe um remédio, que ocasiona tristeza imediata, mas cujo fim é preservar-lhe a vida, mantê-lo com chance de se arrepender dos pecados e de desfrutar da vida eterna.
Por meio da disciplina, o Senhor mostra o Seu grande amor para com o disciplinado e diz em alto e bom som: “Porque não tomo prazer na morte do que morre, diz o Senhor JEOVÁ; convertei-vos, pois, e vivei.” (Ez.18:32).
– A Igreja deve dizer ao disciplinado que, depois que Jesus morreu por nós, é fácil alcançar o bem, mas que este bem exige que creiamos em Jesus e crer em Jesus é obedecer-Lhe.
Somente provamos que amamos o Senhor quando guardamos os Seus mandamentos, quando fazemos aquilo que Ele nos manda (Jo.15:9,10,14). Ao disciplinado, a Igreja deve mostrar que obedecer a Deus não é um fardo pesado nem amargo, mas que o jugo de Jesus é suave e o Seu fardo, leve (Mt.11:30).
Devemos mostrar que o peso momentâneo sofrido pelo disciplinado é resultado do pecado, não da disciplina. Antes, o livramento oferecido pelo Senhor é demonstrado exatamente pelo exercício da disciplina.
– A Igreja, por fim, deve mostrar ao disciplinado que não precisamos suportar o que nos amedronta, simplesmente porque devemos ter fé em Jesus e, onde há fé, não há medo. O medo e a ansiedade, que tanto caracterizam o homem sem Deus, devem ser lançados todos eles sobre Jesus, pois Ele tem cuidado de nós (I Pe.5:7).
A disciplina é uma prova concreta do cuidado de Deus para com o disciplinado. Dos mais altos céus, o Senhor acabou por revelar uma situação, por tornar descoberto uma circunstância que estava a levar o disciplinado para a perdição eterna, exatamente para que o disciplinado saiba que Deus tem cuidado dele, tem se interessado pela sua salvação e movimenta o Seu povo para que ele seja vitorioso.
Deve, pois, o disciplinado confiar em Jesus, retribuir este amor e cuidado com amor e cuidado, guardando a Palavra de Deus, passando a obedecer à Palavra e, assim, tomando cuidado dele mesmo e da doutrina (I Tm.4:16 “in initio”). Assim fazendo, será vitorioso, como foi o apóstolo Paulo (II Tm.4:7).
– Estes “quatro remédios” da Igreja devem seguir à aplicação da penalidade. Esta aplicação não é um julgamento da Igreja com relação ao disciplinado, nem tampouco um poder da Igreja para a salvação deste ou perdição daquele.
A disciplina é correção do Senhor e a aplicação da penalidade é apenas um momento desta disciplina, um instante em que, ante a dureza de coração que não retrocedeu ante o ensino e a redargüição, fez-se necessária para a salvação da alma do disciplinado.
– No entanto, após a aplicação da penalidade, é preciso que haja a “instrução em justiça”, o que raramente se tem feito.
A Igreja deve ministrar o remédio, seguir o tratamento determinado pelo Senhor, que, como Sumo Pastor e Sumo Médico, providenciará a cura. Todavia, cada vez mais se vê verdadeiros “sinédrios” e não “partes do corpo de Cristo” nas igrejas locais.
Muitos se apresentam para “condenar” as pessoas, mas poucos são aqueles que se dispõem a aplicar-lhes o medicamento da Palavra para a produção futura de frutos de justiça.
– A Igreja, como corpo de Cristo, não pode condenar pessoa alguma, pois o corpo de Cristo não veio para condenar, mas para salvar os que se haviam perdido (Lc.19:10; Jo.3:17).
Portanto, quando aplica penalidade a alguém, não está a julgar esta pessoa por sua livre e espontânea vontade, mas a aplicar um remédio por ordem do Sumo Pastor, a aplicar a Palavra de Deus, com o objetivo de impedir que esta mesma Palavra sele, no último dia, o destino eterno de perdição ao disciplinado (Jo.12:48).
– Assim, a Igreja deve, após a aplicação da penalidade, fazer a “instrução em justiça”, ou seja, expor a Palavra, ensinar a Palavra, promover a Palavra a fim de que o disciplinado possa ser curado pela Palavra, possa nascer da água e do Espírito e, deste modo, produzir frutos pacíficos de justiça e ser, desta maneira, reintegrado na comunidade, posto novamente em comunhão plena com o povo de Deus.
– Daí porque também não ser possível uma predeterminação de tempo de disciplina, como é costume em muitas igrejas locais, o chamado “tempo de prova”. Estamos a tratar de assuntos espirituais, onde o tempo não conta.
O que a Bíblia exige é que haja produção de frutos pacíficos de justiça. Até que estes frutos sejam produzidos, a pessoa deve ser mantida “sob prova”, isto é, “sob exame”. Demonstrada a cura espiritual, deve, sim, ser restabelecido na comunhão plena com a igreja local.
– Este restabelecimento, porém, deve ser gradativo. Alguém que ocupava uma posição de destaque e realce na igreja local não pode ser reconduzido incontinenti àquela mesma posição.
Se demorou um determinado tempo para que chegasse àquela função, deverá, também, demorar outro tanto para ali ser novamente reconduzido, pois terá de produzir frutos que revelem estar novamente em condições de exercer novamente aquilo que estava a fazer quando enganado pelo pecado. A quem muito se dá, muito deve ser cobrado (Mt.25:29).
– A Igreja deve cuidar dos doentes, deve ministrar-lhes o remédio da instrução em justiça, porque foi para os doentes que veio o Sumo Pastor (Mt.9:12; Mc.2:17; Lc.5:31).
Não tem qualquer respaldo bíblico o entendimento daqueles que acham que os disciplinados devem ser ignorados e desprezados, tratados como “gentios e publicanos”.
Os “gentios e publicanos” foram tratados com amor e Jesus foi buscá-los, tanto pessoalmente como através da Igreja(Mc.2:15; 16:15; At.1:8). Tratar como “gentio e publicano” não é, pois, menosprezar, mas ir ao seu encontro, pregar-lhes o Evangelho a fim de que o Espírito Santo possa convencê-los.
– Como estamos a realizar a nossa “missão medicinal”? Como responderemos à indagação do Senhor por boca do profeta Jeremias: “Acaso, não há bálsamo em Gileade? Ou não há lá médico? Por que, pois, não se realizou a cura da filha do meu povo?” (Jr.8:22).
Que Deus nos guarde de sermos assim repreendidos pelo Senhor e que possamos providenciar a ministração dos remédios a tantos quantos, por causa da multiplicação da iniqüidade, têm deixado o seu amor esfriar.
Que os crentes de nossa igreja local nunca nos ouça a dizer, como aqueles impiedosos do tempo de Isaías: “Não sou médico, não há pão em minha casa, nem veste alguma; não me ponhais por príncipe do povo.”(Is.3:7). Mas que possamos ministrar o remédio da instrução em justiça aos doentes para que todos eles sejam curados (cfr. At.5:16).
III – COMO PAULO FEZ A DISCIPLINA DO “INÍQUO DE CORINTO”
– Temos já visto como se deve proceder na disciplina e da sua necessidade no meio da igreja local. Em Corinto, o apóstolo bem seguiu este parâmetro bíblico há pouco mencionado. Como as provas já eram notórias, como o faltoso não se arrependia e ninguém tomava a iniciativa, ele, sendo apóstolo, mandou excluir o “iníquo”. Como o fez?
– Em primeiro lugar, fê-lo em “nome de Nosso Senhor Jesus Cristo”. A disciplina tinha base bíblica, era feita com base na autoridade que lhe era dada pela cabeça da Igreja: Cristo Jesus (Ef.5:23).
– Em segundo lugar, tinha de ser feita pelo conjunto, pelo consenso do povo de Deus. A exclusão, ensina-nos o Senhor Jesus, deve ser efetuada pela igreja local (Mt.18:17).
Somente o conjunto da igreja pode aplicar uma penalidade desta envergadura, pois “considerar como gentio e publicano”, isto é, como alguém que vai estar fora da comunhão da igreja, é medida que somente pode ser tomada pelo conjunto da comunidade.
Por isso, o apóstolo diz “juntos vós e o meu espírito, pelo poder de nosso Senhor Jesus Cristo”. A reunião da Igreja faz com que o Senhor Jesus esteja no meio (Mt.18:20) e a presença do Senhor faz com que se manifeste o poder de Deus, pois Jesus é o poder de Deus (I Co.1:24). A Igreja vive pelo poder de Deus (II Co.13:4; Cl.2:12)
– O consenso não significa a unanimidade, é bom que se diga, pois nem todos que estão no meio do povo de Deus a ele pertencem. O apóstolo João, mesmo, disse que há, no meio dos salvos, aqueles que não são de Deus (I Jo.2:19).
Entretanto, não é por isso que se pode negar à igreja local o direito de tomar a deliberação, ainda que devidamente orientada e cientificada pelo que preside. No entanto, como já dissemos supra, não é uma medida que se possa tomar solitariamente, até porque inexiste uma “ordem sacerdotal” na igreja distinta do conjunto de seus membros.
– O apóstolo, ainda, determinou que a disciplina feita ao iníquo tivesse por objetivo “entregar o corpo a Satanás para destruição da carne, para que o espírito fosse salvo no dia do Senhor Jesus” (I Co.5:5).
A disciplina não tem caráter destrutivo, não tem a função de matar o pecador, mas, como já dissemos, é um remédio, é um medicamento que se deve ministrar para que o doente não venha a morrer definitivamente. Enquanto não se passou para a eternidade, há esperança de salvação e a disciplina tem esta finalidade.
– O texto é considerado, por alguns, notadamente nos dias do “politicamente correto”, como um texto forte, que deve ser amenizado. Não entendemos assim, pois é o texto é inspirado pelo Espírito Santo e a Palavra é a verdade.
A função da disciplina, indubitavelmente, é fazer cessar a obra satânica que está a levar o faltoso à perdição eterna, a fim de que venha a se arrepender e voltar a seguir para a Jerusalém celestial.
O objetivo da disciplina é destruir o pecado, crucificar a carne, a natureza pecaminosa do faltoso com Cristo, para que ele volte a desfrutar de comunhão com Deus.
– O apóstolo manda que haja a exclusão porque “um pouco de fermento leveda toda a massa” (I Co.3:6). No seu individualismo e soberba, os crentes de Corinto não percebiam que todo o corpo estava sofrendo.
O pecado na igreja local é como o fermento, ou seja, ainda que seja pequeno, acaba por contaminar toda a congregação.
Por isso, não se trata de “cada um cuidar da sua vida”, pois este cuidado exige a disciplina, a fim de que não só o faltoso venha a ser espiritualmente curado, mas, também, como prevenção, para que os demais crentes não venham a ser contaminados pelo “vírus do pecado”.
– A vida cristã exige uma contínua limpeza do “fermento velho”, ou seja, exige de cada um de nós uma “novidade de vida” (Rm.6:4). Por isso, precisamos passar pela “limpeza da Palavra” (Jo.15:3), pela “lavagem da água” (Ef.5:26).
Continuadamente, temos de aprender de Cristo, que é o Verbo de Deus (Jo.1:1), a fim de que possamos nos manter santificados, para que possamos ver o Senhor (Jo.17:17; Hb.12:14).
– A disciplina tem este papel de nos limpar, de nos manter santificados para que possamos vencer nesta difícil jornada que nos conduz ao céu. Temos de estar “sem fermento”, porque somos de Cristo e Jesus é a nossa páscoa, ou seja, Ele não tem fermento, nEle não se viu qualquer corrupção,
qualquer pecado (At.2:31; Hb.4:15). Por isso, a Páscoa judaica era celebrada com pães asmos, i.e., pães sem fermento, porque simbolizavam estes pães a Cristo Jesus (I Co.5:7).
– Os cristãos, portanto, não podem conviver com o pecado, não podem tolerá-lo, pois, por serem o povo de Deus, libertos do pecado, têm de festejar com pães asmos, ou seja, devem viver uma vida sem pecado, devem ser templos do Espírito Santo, devem ser morada do Pai e do Filho (Jo.14:21-23), como também do Espírito Santo (Jo.14:17).
– Como, porém, pode a Trindade Divina vir habitar no homem se ele não se limpar do fermento velho? Como podemos dizer que somos a Igreja, o Corpo de Cristo, se Cristo não pode habitar em nós, visto que vivemos em pecado?
A presença do fermento, e, pior do que isto, a presença consentida do fermento, do pecado, da corrupção, é impedimento para que Deus Se faça presente e, se não formos templo do Espírito Santo, seremos um grupo social, mas não seremos Igreja, não seremos “lavoura de Deus” nem “edifício de Deus” (I Co.3:9).
– Eis o motivo pelo qual muitas igrejas locais, na atualidade, são absolutamente irrelevantes do ponto-de-vista espiritual, encontrando-se completamente absorvidas pelo mundo, pelo pecado e pelos valores por eles defendidos.
Deixaram que o “fermento velho” levedasse toda a massa e, agora, lamentavelmente, todos estão corrompidos, tendo comichão nos ouvidos e buscando doutores conforme as suas próprias concupiscências (II Tm.4:3).
– O “fermento” produz “inchaço”, mas não produz o verdadeiro crescimento. O próprio Senhor Jesus advertiu-nos do perigo de tornarmos o reino de Deus em algo vazio e desprovido de qualquer valor espiritual, ao comparar o reino de Deus ao fermento (Mt.13:33). Tudo poderá ficar levedado se não nos voltarmos para os asmos da sinceridade e da verdade.
– Isto nos faz verificar que o apóstolo considera que a aplicação da disciplina é fundamental para que tenhamos, na igreja local, a sinceridade e a verdade. Quando se tolera o pecado, quando ele é “coberto”, temos a proliferação da malícia e da maldade.
Quando o pecado não é tratado, passa a imperar, no meio dos crentes, a malícia, ou seja, as más intenções, a malignidade, os desejos ocultos e inconfessáveis. Todos ficam incentivados e estimulados à hipocrisia, pois se sabe que o pecado não é punido.
O inimigo começa a convencer os crentes de que basta “parecerem crentes”, que, no recôndito do lar, no oculto, todos podem pecar à vontade. É o fermento da malícia que passa a dirigir muitas vidas, trazendo a contaminação pecaminosa para toda a congregação.
– Mas, além do fermento da malícia, temos, também, o fermento da maldade. As ações passam a ser más, porque as obras da carne, não sendo expostas nem combatidas, passam a dar uma falsa segurança a seus praticantes.
Gera-se um ambiente extremamente danoso à vida espiritual das pessoas, em que o mal parece predominar, levando ao descrédito, à injustiça, ao desânimo. A falta de disciplina faz com que as pessoas desfaleçam na fé e deixem de servir ao Senhor.
– No entanto, quando há a disciplina, quando se aplica a Palavra de Deus, surgem os asmos da sinceridade e da verdade, pois a Palavra de Deus é a verdade (Jo.17:17). Há, naturalmente, um primeiro momento de tristeza e de dor, mas a correção produzirá um fruto excelente de justiça.
A disciplina, como já foi visto, não tem objetivo destruidor, mas, sim, medicinal, é um remédio que se ministra para que se tenha a saúde não só do faltoso, mas de toda a igreja, que, assim, é imunizada contra o pecado, contra a maldade, contra a malícia.
– A igreja precisa tomar consciência de que deve impedir a associação com os ímpios, considerando estes não os que jamais ingressaram na igreja, mas aqueles que, dizendo-se irmãos, não se comportarem como tal. A igreja não pode tolerar que o pecado seja visto como algo de sua natureza, pois ela é o corpo de Cristo. Deve dar exemplo, não permitindo que, em seu seio, no seu interior, falsos crentes venham a ditar comportamentos, condutas e maneira de viver.
– A disciplina é algo que é dolorido, pois é, como se diz, “cortar na própria carne”, mas isto é absolutamente necessário, para quem se diz representante do Deus santo aqui na Terra. Deus é santo e a Sua Igreja, por ser Seu corpo, também deve sê-lo.
Aos que resistem à cabeça, que é o Senhor Jesus, àqueles que insistem em se dizer crentes sem seguir a Palavra de Deus, não resta outra situação senão a da exclusão, para que o corpo todo não venha a padecer, para que os demais crentes não venham a morrer.
– O próprio Jesus disse que, quem não estiver nEle, será lançado fora, como a vara, e secará (Jo.15:6). Jesus é a cabeça da Igreja e não podemos querer ser melhores do que o Mestre.
Em não havendo arrependimento de pecado, em não havendo submissão à Palavra de Deus, outro caminho não há senão regularizar, tornar visível aquilo que já fora feito no campo espiritual: a retirada do iníquo do meio da igreja.
– Devemos obedecer ao Senhor Jesus, isto é imprescindível, inquestionável e, portanto, fazer como fez o apóstolo Paulo, impedindo que o pecado seja tolerado e venha a contaminar todo o povo de Deus.
Nestes dias de apostasia, onde quase todos irão esfriar o amor (Mt.24:12 ARA), tem-se cada vez menos espaço para esta atitude, mas, como verdadeiros e genuínos servos do Senhor, devemos fazê-lo, para que, com a disciplina, possamos impedir que alguns sejam tragados pelo fogo eterno (Jd.23). Que Deus nos dê força para isto!
Prof. Dr. Caramuru Afonso Francisco
Vídeo: https://youtu.be/aVAfoYYk0VI