Antes da conversão, Paulo foi o principal perseguidor da Igreja nos primeiros dias da dispensação da graça.
INTRODUÇÃO
– Na sequência do estudo da personagem bíblica Paulo, hoje veremos a sua vida antes da conversão a Cristo.
– Paulo foi o principal perseguidor dos primeiros dias da dispensação da graça.
I – A FORMAÇÃO INTELECTUAL E ESPIRITUAL DE PAULO
– Na sequência do estudo sobre o apóstolo Paulo, este gigante espiritual das páginas do Novo Testamento, hoje analisaremos a sua vida até o instante em que, no caminho de Damasco, teve um encontro com o Senhor Jesus.
– Na lição anterior, vimos que o apóstolo, que, como mais tarde lhe seria revelado pelo Espírito Santo, foi separado e chamado para a graça de Deus desde o ventre de sua mãe (Gl.1:15),
não nasceu por acaso em Tarso, mas, sim, porque ali teria o contato simultâneo com as três culturas de seu tempo, a romana, a grega e a judaica, contato este que seria indispensável na sua missão de transformar o Cristianismo de uma seita judaica em um credo universal.
– Não se sabe a data do nascimento de Paulo. Alguns, como os cronologistas bíblicos Edward Reese e Frank Klassen entendem que ele deve ter nascido entre os anos 10 e 15, havendo também quem entenda que tenha ele nascido por volta do ano 5.
A Igreja Romana comemorou o bimilenário de Paulo no ano 2009, ou seja, entende que ele nasceu no ano 9.
– Isto significa que era ainda um adolescente ou um jovem quando o Senhor Jesus Se manifestou aos judeus, sendo, portanto, extremamente provável que jamais tenha visto o Senhor, pois deve ter ido para Jerusalém estudar com Gamaliel depois do ministério terreno de Cristo.
OBS: “…É razoável supor, por conseguinte, que ele tenha nascido na primeira década do século I d.C., sendo, assim, um contemporâneo mais jovem de Jesus, embora não haja qualquer evidência de que ele tenha visto alguma vez ao Senhor.
E não é mesmo provável que O tenha visto, pois Paulo jamais se refere ao fato.…” (CHAMPLIN, Russell Norman. Paulo (apóstolo). In: Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia, v.5, p.120).
– Foi-lhe dado o nome de “Saul”, cujo significado é “pedindo” ou “pedido”, o mesmo nome do primeiro rei de Israel que, a exemplo de Paulo, era da tribo de Benjamim.
Sabe-se que os judeus dão nomes aos seus filhos em razão das circunstâncias que envolvem a geração ou a gestação da criança, e não é demasiado conjecturar que Paulo tenha sido “pedido a Deus”, e, como seu pai era fariseu, pode até ser que seus pais tenham pedido um filho que fosse um exemplo na religião, fosse um fervoroso defensor da lei de Moisés. “Saulo” é a versão greco-romana de “Saul”.
– Paulo nasceu em uma família judaica religiosa. Ele afirma que era “filho de fariseu” (At.23:6), a indicar que seu pai já era um fariseu e, por ter nascido em Tarso, muito provavelmente seu pai ou um outro ascendente mais antigo tenha sido alvo da “evangelização” promovida pelos fariseus entre as comunidades judaicas espalhadas pelo mundo de então, os chamados “judeus da diáspora” ou “judeus gregos” (Jo.12:20; At.6:1).
– Os fariseus eram zelosos nesta “atividade missionária”, pois não mediam esforços para trazer os judeus das várias partes do mundo a sua visão religiosa, como reconhece o próprio Senhor Jesus em Mt.23:15, e não só os judeus, mas até mesmo gentios, os chamados “prosélitos”, que o próprio Novo Testamento atesta existirem em lugares os mais diversos como Roma (At.2:10), Antioquia da Síria (At.6:5) e Antioquia da Pisídia (At.13:43).
OBS: “…Os missionários judeus, porém, atuaram bem antes do advento do Cristianismo. Um movimento de propaganda especialmente vigoroso
da religião judaica tinha sido levado a efeito no mundo greco-romano no início da era helenística por numerosos evangelistas não profissionais.
Eram zelotes dedicados, tanto homens quanto mulheres, que não diferiam muito de Jesus, dos Apóstolos e de Paulo de Tarso.
Vagavam pelos países mediterrâneos, ensinando e fazendo prosélitos por toda parte — em Roma, na Grécia, na Síria (inclusive na Antioquia), na Ásia Menor, na África do Norte (em Cartago e na Cirenaica), e em outros lugares onde importantes colônias judias já se haviam estabelecido de há muito…” (AUSUBEL, Nathan. Missionários judeus. In: A JUDAICA, v.6, p.561).
– O farisaísmo surgiu da concepção de que se devia “educar muitos discípulos e construir uma cerca em torno da Torah” para que se mantivessem os ensinos da lei, que haviam sido restaurados por Esdras e transmitidos aos “Homens da Grande Assembleia”, ou seja, o Sinédrio, o corpo de setenta doutores da lei que, sob a presidência do sumo sacerdote, tornou-se o principal órgão religioso-legislativo-judiciário do povo judeu.
– Na verdade, ante o risco sempre presente de assimilação da cultura gentílica, que, inclusive, levou ao próprio Deus a levantar Esdras e Neemias, após o retorno ao cativeiro babilônico, tornou-se necessário criar um movimento que procurasse defender o povo judeu de tais influências, buscando, assim, preservar a observância da lei de Moisés e a separação de Israel como propriedade peculiar de Deus dentre os povos (Ex.19:5,6).
– Assim, nesta busca da preservação da identidade do povo judeu, surgem os fariseus (palavra cujo significado parece ser o de “separados”), sendo que, tradicionalmente, o primeiro deles teria sido Antígono de Socho,
que teria vivido na primeira metade do século III a.C., e que, tendo aprendido, com seu mestre, Simão, o Justo, que o mundo se sustentava por três coisas: o estudo da Torah, o serviço de Deus e as boas ações, teria ensinado que não se deveria ser como criados que servem ao amo apenas para receber uma recompensa; ao contrário, mas que se deveria ser como os servos que servem a seu senhor sem pensar em serem recompensados, deixando que o temor aos Céus pairasse sobre si.
OBS: Estas informações são dadas no “Tratado dos Pais” (Pirkei Avot), um dos tratados do Talmude, o segundo livro sagrado do judaísmo, que transcrevemos: “Shimon, o Justo, estava entre os sobreviventes da Grande Assembléia. Costumava dizer:
O mundo apoia-se em três coisas – o estudo de Torá, o serviço de D-us, e as boas ações. Antígono, líder de Sochó, recebeu a tradição de Shimon o Justo. Costumava dizer:
Não sejam como criados que servem ao amo apenas para receber uma recompensa; ao contrário, sejam como os servos que servem a seu senhor sem pensar em serem recompensados. E deixe que o temor aos Céus paire sobre vocês” (1:2,3).
– Sob o comando de Simão ben Shetach (140-60 a.C.), cerca de 150 anos antes da destruição do Segundo Templo, os fariseus assumiram o controle do Sinédrio, ainda que temporariamente, adotando como lema:
“educar muitos discípulos e construir uma cerca em torno da Torah” e, a partir de então, passaram a ser vistos pela população como os verdadeiros seguidores da lei, como exemplos de religiosidade.
– O farisaísmo, partindo de uma boa intenção de impedir a assimilação dos judeus pelos gentios, acabou gerando uma religiosidade, segundo a qual, através de preceitos criados pelos homens, fosse possível impedir que se violasse a lei de Moisés e, deste modo, se conseguiria manter a comunhão com o Senhor, esquecidos de que é impossível ao homem criar um meio de ligação com Deus por seus próprios esforços.
Esta busca da “cerca da Torah” fez com que os fariseus gerassem uma religião igual a tantas outras quantas existiam entre os gentios, fazendo surgir um orgulho religioso, uma falsa santidade, verdadeira santarronice, que caracterizaria o farisaísmo.
– Neste escrúpulo excessivo, os fariseus não titubearam em criar novos mandamentos, que constituíam a chamada “cerca da Torah”, preceitos que tinham como objetivo criar impedimentos a que se quebrassem os 613 mandamentos da lei, regras que o Senhor Jesus chamaria de “fardos pesados e difíceis de suportar” (Mt.23:4) e que levavam a duas consequências trágicas:
a hipocrisia e o “fechamento dos homens ao reino dos céus” (Mt.23:23:13). Só para observar a guarda do sábado, por exemplo, criaram os fariseus 39 mandamentos adicionais.
– Foi isto que se ensinou ao apóstolo Paulo em termos de religiosidade em seu lar. Como ele próprio admite, aprendeu a ser extremamente rigoroso com preceitos religiosos, a julgar as coisas segundo a aparência e não a essência, a ser extremamente severo e rigoroso, como eram os fariseus (At.26:5).
– Com esta formação religiosa, Paulo não poderia, em absoluto, ser favorável à pregação do Evangelho.
Jesus havia sido um opositor ferrenho dos fariseus, não acatava a “tradição dos anciãos”, que eram os ensinamentos que os fariseus procuravam preservar, nem tampouco observava a “cerca da Torah” (Mt.15:1-3), tanto que, por exemplo, não observava nenhum dos mandamentos adicionais criados em torno da guarda do sábado (Mc.2:23-27; 3:2-4).
– Como crer que Jesus, que contrariava a “tradição dos anciãos”, pudesse ser o Messias? Como admitir que alguém que não se enquadrava no perfil interpretativo dos doutores da lei pudesse ser considerado o Cristo, quando havia morrido como um malfeitor?
– Ademais, Jesus não havia se formado em qualquer das escolas dos doutores da lei que existiam naquele tempo e que, inclusive, haviam sido criadas precisamente pelos fariseus desde os tempos de Simão ben Shetach.
O próprio Paulo saiu de Tarso para frequentar a escola de Gamaliel em Jerusalém. Como, então, admitir que alguém sem qualquer formação pudesse ser o Messias, pudesse ser um Rabi? Jesus era um
“homem do povo” e, segundo o conceito então vigente, não passava de um “maldito” (Jo.7:49), aliás, maldito era mesmo pois havia sido pendurado no madeiro (Dt.21:22,23; Gl.3:13).
– Mas não havia sido apenas a formação religiosa de Paulo que o levava a ser um adversário do Cristianismo.
Paulo havia se criado em Tarso e tido contato com a filosofia grega, pois Tarso era, desde os tempos de Zenão de Tarso, que floresceu (isto é, teve notoriedade, fez-se conhecido) por volta de 200 a.C., um centro de estudos da filosofia estoica.
– Os estoicos eram conhecidos por serem defensores de que a ética deveria ser a principal preocupação do ser humano, ou seja, o homem deveria primar pelo cuidado com a sua conduta, com o seu comportamento, com as suas atitudes, buscando sempre controlar as suas paixões, viver da forma mais sóbria e equilibrada possível, procurando entender a ordem natural das coisas, adaptar-se e resignar-se com o movimento das coisas, que tem uma dinâmica própria e que segue o “Logos”, esta “razão”, esta “determinação da sequência das coisas”.
– O estoico defendia a prática da virtude, das boas ações, como também a existência de uma fraternidade entre os homens, mas que tudo isto estava relacionado com a razão, não sendo possível, portanto, qualquer bem provir daquilo que fosse ilógico, irracional.
– Não resta dúvida de que o estoicismo influenciou Paulo em sua tomada de posição contra o Cristianismo, porquanto a pregação de que Deus, por amor, Se fez homem para morrer no lugar do pecador, pagando o preço do pecado da humanidade, não fazia o menor sentido.
A pregação era uma “loucura”, algo que contrariava totalmente a lógica e, por isso mesmo, não poderia ser aceito por alguém que entendia que “o universo é governado por uma razão universal natural”.
– A pregação do Evangelho dá-se em contraposição a este aspecto “racionalista”. Bem ao contrário, defende-se a fé em Jesus Cristo como início de toda a comunhão com Deus, ou seja, deve-se crer no que Jesus disse e ensinou, ainda que isto não esteja de acordo nem com a interpretação dada pelos doutores da lei e escribas às Escrituras, nem com a razão humana.
Ora, isto para quem formado na filosofia estoica era algo que não passava de mera “opinião”, de algo completamente sem fundamento e que não poderia ser considerado como verdadeiro.
Não é à toa que um imperador romano que seria um grande filósofo estoico, Marco Aurélio (121-180), tenha, na única vez que menciona os cristãos, os criticado por “não fazerem uso da razão”.
OBS: Eis o trecho em que Marco Aurélio fala dos cristãos: “Que grande alma é aquela que está pronta, em qualquer momento necessário, para ser separada do corpo e depois extinguida ou dispersa ou continuar a existir; mas de modo que esta disponibilidade venha do próprio julgamento do homem, não de mera obstinação, como com os cristãos, mas com ponderação e dignidade e de modo a convencer outro, sem demonstração dramática!” (Meditações, Livro XI, 3).
– Por fim, temos a formação romana de Paulo. O apóstolo, por ter nascido em Tarso, era um cidadão romano e conhecedor das leis.
Certamente, para o apóstolo, Jesus havia sido condenado pelo governo romano, tanto que havia sido crucificado, precisamente porque se declarara rei dos judeus, era, afinal de contas, esta a acusação que se pusera na cruz (Jo.19:19).
– Tratava-se, portanto, de alguém que tinha desobedecido à lei romana, de um criminoso e que, nesta condição, jamais poderia ser o Messias, que, segundo os doutores da lei, reinaria sobre Israel, como Filho de Davi, mas de forma legítima e legal. Jesus, ademais, seria da Galileia, de Nazaré, nada tendo que ver com a descendência de Davi, segundo diziam os seus adversários (Mt.21:11; Jo.7:41,52).
II – O PERSEGUIDOR SAULO DE TARSO
– Tendo sido formado intelectual e espiritualmente neste ambiente, não é surpresa alguma que Paulo, ao ter contato com os cristãos, o que, certamente, ocorreu quando chegou a Jerusalém para estudar aos pés de Gamaliel, tenha, de imediato, adquirido hostilidade contra a “seita dos nazarenos” (At.24:5).
– Ao chegar a Jerusalém, com toda a sua formação, Paulo não podia compreender como um grupo de pessoas, na sua maior parte iletradas, estavam a dizer que um homem que havia morrido como criminoso teria ressuscitado e, ademais, dito ser o Messias, um homem que vivera na Galileia, sem qualquer formação acadêmica, e que se voltava contra a “cerca da Torah”, contra os doutores da lei e os escribas.
– Tendo vindo a Jerusalém, precisamente na época em que os cristãos estavam a “encher a cidade da doutrina cristã” (At.5:28), Paulo, no seu zelo religioso, pôde testemunhar o vigoroso crescimento que os cristãos estavam tendo e viu neste movimento um grande perigo para o judaísmo.
– Tendo se destacado como aluno de Gamaliel, que era de grande prestígio no Sinédrio, tanto que ocupava o segundo lugar em importância naquele tribunal, que era o principal órgão judaico, não demorou muito para que Paulo tivesse um bom relacionamento com as lideranças religiosas, passando a ser uma espécie de assessor daquela Corte.
– Neste ponto, aliás, desde já devemos fazer algumas considerações a respeito do estado civil de Paulo. Há discussão se Paulo se casou, ou não.
Alguns entendem que ele tenha se casado, pois, se não tivesse mulher não poderia ser membro do Sinédrio, dizendo que ele o era precisamente porque recebeu cartas do sumo sacerdote para prender os cristãos em Damasco.
– Respeitando tal ponto-de-vista, porém, dele discordamos. Em momento algum, é dito que Paulo tenha sido membro do Sinédrio.
O texto bíblico diz que tinha se destacado como aluno de Gamaliel e que desfrutava, assim, de proximidade com as lideranças religiosas.
Deste modo, sendo ainda jovem, não se apresentou como membro do Sinédrio, mas como uma espécie de assessor e, como tal, não precisava ser casado, tendo, deste modo, se mantido solteiro, como, aliás, parece assim se identificar em I Co.7:8.
– Ao contrário do seu mestre Gamaliel, que era contra a perseguição dos cristãos (At.5:34-40), Paulo entendeu que, se o movimento não fosse contido, em pouco tempo todo o povo se inclinaria para aquela
“seita”, como ele identificava os cristãos, pessoas que “desprezavam a lei”, não se preocupavam em se separar ritualmente e ainda adoravam como Deus a um criminoso. Aliás, até parentes seus haviam se convertido a Jesus Cristo (cfr. Rm.16:7).
– O crescimento vertiginoso dos cristãos fez Paulo entender que a “política de espera” defendida por seu mestre Gamaliel não poderia ser seguida e, deste modo, passou a defender a estratégia da perseguição, da violência e da ameaça, a fim de impedir a disseminação daquele movimento que entendia ser extremamente perigoso para a manutenção da fé judaica.
– Defendendo esta linha mais dura de contenção dos cristãos, Paulo acabou testemunhando um episódio que, ao mesmo tempo em que lhe faria prevalecer seu pensamento e a pô-lo em prática, também lhe lançaria a semente que, posteriormente, levaria à sua conversão.
– Muito provavelmente, Paulo presenciou a disputa havia entre Estêvão e alguns membros da sinagoga chamada dos libertos e dos cireneus e dos alexandrinos e dos que eram da Cilícia e da Ásia, pois era a sinagoga que Paulo deveria frequentar, vez que ele próprio era oriundo da Cilícia.
Era uma sinagoga de judeus que tinham migrado para Jerusalém vindo destas regiões do Império Romano, uma sinagoga que deveria ter muitos que, a exemplo de Paulo, tinham vindo para Jerusalém para estudar a lei, para se tornarem doutores da lei.
– Era, certamente, uma sinagoga composta de muitos entendidos na lei, estudiosos das Escrituras que, entretanto, não puderam resistir à sabedoria e ao Espírito com que Estêvão falava.
O próprio Estêvão parecia que costumava frequentar aquele lugar, buscando ali ganhar almas para Cristo, de forma que Paulo deveria ter tido um certo contato com este diácono.
– Como não conseguissem vencer os argumentos de Estêvão, os integrantes daquela sinagoga, movidos pelo ódio aos cristãos, de que Paulo certamente compartilhava, acabaram por subornar alguns homens para que acusassem Estêvão de proferir palavras blasfemas contra Moisés e contra Deus (At.6:11) e, diante disto, excitaram o povo, os anciãos e os escribas, levando-o ao Sinédrio e não há porque se duvidar de que, em tal plano, Paulo tenha tido participação, já que era próximo do Sinédrio.
– Perante o sumo sacerdote, Estêvão proferiu o seu famoso discurso, onde lançou em rosto a incredulidade do povo de Israel, desde os primórdios de sua história, mostrando como eles estavam a resistir ao Espírito Santo.
Certamente foi esta uma das primeiras vezes que Paulo teve acesso à verdade espiritual da rejeição do plano salvífico por parte da nação israelita, algo que seria fundamental para a construção de todo o entendimento que Paulo teria, posteriormente, do Evangelho.
– Numa disputa teológica entre judeus, o Senhor Jesus fazia com que, pelo Espírito Santo, Estêvão pregasse a Palavra para que se lançasse a semente para que um homem que ali estava a ouvir, provavelmente o próprio maquinador da morte daquele servo de Deus, viesse a ter um dos seus primeiros contatos com a sublimidade do mistério da Igreja e que pudesse levar o Evangelho ao patamar que as barreiras culturais estavam impedindo os apóstolos de transpor.
– A multidão ficou ainda mais enfurecida com a prédica de Estêvão que lançou em rosto a incredulidade e a resistência ao Espírito Santo de toda aquela gente e a fúria foi tanta que o povo retirou Estêvão, logo após ter dito ver os céus abertos e Jesus à direita de Deus, da presença do sumo sacerdote e do Sinédrio, levando-o para fora da cidade, onde o apedrejaram, “fazendo justiça com as próprias mãos” e ali estava Paulo, representando o Sinédrio, consentindo com a morte de Estêvão, tanto que aos seus pés lançaram as vestes do executado (At.7:58).
– Aliás, é esta a primeira menção de Paulo no texto sagrado: como o assessor do Sinédrio que ali estava para consentir na morte de Estêvão, ainda que o Sinédrio não pudesse condenar pessoa alguma à morte e não fosse lícito matar pessoa alguma segundo a própria interpretação dada pelo Sinédrio à lei (Jo.18:31).
– Paulo, porém, excedia em judaísmo a muitos da sua idade e era extremamente zeloso das tradições de seus pais (Gl.1:14) e, diante do crescimento da Igreja, passou a defender que se devesse utilizar do conceito de que os tribunais deveriam tomar a iniciativa quando estivesse em perigo a ordem pública, a lei religiosa ou a moral, caso em que poderiam até sentenciar a morte, pois só assim se “tiraria o mal do meio do povo” (Dt.13:5; 17:7;
19:19; 21:21; 22:21,24; 24:7).
OBS: “…Essas rígidas restrições levaram os sábios a indagar como se poderia reprimir a ilegalidade num país em que os tribunais achavam tão difícil impor castigo severo.
Como poderia o estado evitar que vários criminosos explorassem essa excessiva cautela? O problema foi discutido desde o período do Segundo Templo e encontraram-se duas soluções práticas.(…) existia um método adicional, baseado no fato de que os tribunais judaicos não são cortes legais no sentido limitado da palavra.
Até certo ponto, o bet din [casa de julgamento, observação nossa] é a instituição que assegura que os negócios do Estado, ou da cidade, ou região sob sua jurisdição, se processem normalmente. Assim sendo, os próprios tribunais davam certos passos iniciais quando convencidos de que estavam em perigo a ordem pública, a lei religiosa ou a moral.
Quando o bet din se reunia mais como instituição administrativa do que como corte judiciária, exercia autoridade extremamente ampla (…).
O tribunal também estava autorizado a impor a mais pesada das penas — a sentença de morte. O bet din considerava, portanto, certos problemas não apenas à luz da culpa do acusado de acordo com a lei, mas às vezes com base em que se se devia aplicar-lhe o preceito :
‘E extirparás o mal de teu meio’…” (STEINSALTZ, Adin. Lei Criminal: estrutura e conteúdo. In: A JUDAICA, v.7, pp.235-6).
– Paulo, certamente, assim como todos os que ali estavam, viu o rosto de Estêvão como o rosto de um anjo (At.6:15) e a cena final em que, antes de morrer, Estêvão pede perdão para os seus algozes (At.7:60). Tais fatos não ficaram despercebidos de Paulo e, com certeza, vieram a influenciar-lhe dali para frente.
– Paulo via, na morte de Estêvão, o início da execução de seu plano. Havia, finalmente, convencido o Sinédrio de que era necessário impedir o avanço da “seita dos nazarenos” e, a partir de então, teve autorização para iniciar esta grande perseguição, a primeira grande perseguição que se levantaria contra a Igreja.
– Era uma perseguição sistemática, organizada, planejada, era uma política que estava sendo desenvolvida pelo Sinédrio. Haviam deixado de lado os conselhos de Gamaliel e agora se partia para forçar os cristãos a abandonarem a sua fé ou, então, serem mortos por causa dela.
– Paulo, mesmo como perseguidor, estava sendo já usado pelo Senhor Jesus para disseminar o Evangelho entre os gentios.
As barreiras culturais impediam os apóstolos e os discípulos de cumprirem o ide de Jesus. O Senhor havia-lhes dito que deveriam ir por todo o mundo e pregar o Evangelho a toda criatura (Mc.16:15), deveriam fazer discípulos entre todas as nações (Mt.28:19,20), pregar o arrependimento e a remissão dos pecados em todas as nações (Lc.24:47), mas eles insistiam em ficar em Jerusalém (At.5:28), não indo sequer às cidades circunvizinhas (cfr. At.5:14-16).
– Agora, com a perseguição, os discípulos foram obrigados a deixar Jerusalém e, a partir de então, o Evangelho passou a ser pregado na Judeia, Samaria e até os confins da Terra, como o Senhor Jesus havia mandado (At.1:8). E quem era o grande responsável por isso? Saulo de Tarso!
– Querendo destruir a fé cristã, na verdade, Paulo, mesmo antes de se converter, estava disseminando a mensagem do Evangelho pelo mundo.
Tudo que acontece é para os bem daqueles que amam a Deus e são chamados pelo Seu decreto. Os cristãos, por causa da perseguição, puderam receber a honra do martírio e, com isso, ficarem aptos a receber a coroa da vida (Ap.2:10), como também passarem a ser ganhadores de almas por onde passavam (At.11:19), mostrando não ser servos inúteis, garantindo com isto a sua perseverança e ainda se tornando aptos a receber galardão.
– Mas o Saulo perseguidor tinha terríveis características, que o credenciavam à perdição eterna. Por primeiro, era alguém que consentiu na morte de um justo (At.8:1). O zeloso fariseu era, pois, um instrumento de morte.
Ele quis a morte de Estêvão, ele defendia a morte daqueles que seguiam a Jesus Cristo. Mostrava-se, portanto, ser alguém que odiava a Jesus e, como Jesus é a vida, era um amante da morte.
– Em nossos dias, não é diferente. Identificamos os inimigos da cruz de Cristo (cfr. Fp.3:18) facilmente quando verificamos que são eles inimigos da vida, são amantes da morte, fazem parte da “cultura da morte”, como bem definiu a respeito o antigo chefe da Igreja Romana, João Paulo II.
São aqueles que defendem o aborto, a eutanásia, o suicídio assistido, a pena de morte, o uso de células-tronco embrionárias, a legalização das drogas. Tomemos cuidado com essa gente!
– É dito também que Saulo assolava a igreja (At.8:3). O verbo aqui, no grego, é “lymainomai” (λυμαίνομαι), cujo significado é “sujar”, “arruinar”, “destruir”, “insultar”, “maltratar”. Saulo queria o fim da igreja e, para isto, procurava eliminá-la da face da Terra.
Para isto, entrava nas casas dos cristãos, arrastava homens e mulheres e os encerrava na prisão, procurando ameaçar e usar de violência para que eles abandonassem a fé ou, então, matar aqueles que se mantinham fiéis ao Senhor (At.26:10).
– Os inimigos da cruz de Cristo querem, a todo custo, fazer com que a igreja desapareça da face da Terra e, por isso, perseguem impiedosamente os cristãos, prendendo-os, matando-os. Todos quantos agem desta maneira são como era Paulo, perseguidores de Jesus Cristo, pessoas que odeiam ao Senhor.
– Em nossos dias, isto não tem sido diferente. Aliás, tem aumentado grandemente o número de cristãos perseguidos, porque mais e mais governos, mais e mais países estão adotando esta postura contrária aos cristãos, intimidando-os, ingressando em suas casas, prendendo-os e os matando.
Isto, inclusive, aumentou grandemente com o início da pandemia da COVID-19, onde países como os Estados Unidos, outrora um oásis no mundo em termos de perseguição, já começaram a pôr cristãos atrás das grades.
– Em nosso país, mesmo, temos verificado como têm alguns governantes se levantado contra o povo de Deus e precisamos ficar alerta para que não venham a ter primazia nos centros decisórios da nação. Quem quer a destruição, a ruína da Igreja é, sem sombra de dúvida, um agente de Satanás. Tomemos cuidado, amados irmãos!
– Mas a Bíblia nos diz, ainda, que Saulo “respirava ameaças e mortes contra os discípulos do Senhor” (At.9:1).
Quando se fala em “respiração”, fala-se em “espírito”, em uma atmosfera espiritual. Em todo o seu zelo religioso, Saulo era alguém que “respirava ameaça e morte”, ou seja, estava impregnado de violência, medo e morte.
– Saulo era uma pessoa que se dedicava a ameaçar e a matar, tinha a violência e o medo como seus instrumentos de trabalho (At.22:4).
Desta forma, era alguém que não possuía o amor de Deus. Quem “respira ameaça”, incute medo nas pessoas, ele próprio tomado pelo medo, pois o que o movia era o medo de os cristãos destruírem o judaísmo, e quem tem medo é porque não tem o amor de Deus (I Jo.4:18). “Quem respira morte”
é porque não tem Jesus Cristo, que é a vida (Jo.14:6).
– Saulo também era “severo” e se intitulou, ele próprio, como sendo “severo” entre os “severos”, pois os fariseus eram conhecidos por seu escrúpulo religioso e como um grupo que não sabia o que era misericórdia, extremamente rigoroso (cfr. Mt.9:13; 12:7; 23:23).
Um dos males dos religiosos é, precisamente, a sua insensibilidade espiritual, o seu rigor, a sua intolerância, a falta de humanidade e de sentimento. Saulo arrastava homens e mulheres, não fazia caso de maltratá-los e até de matá-los, tudo em nome de concepções religiosas.
– Jesus já havia advertido os discípulos que muitos seriam mortos por pessoas que cuidavam que, ao fazê-lo, estariam servindo a Deus (Jo.16:2) e Saulo era um destes: um cego espiritual, iludido pelo inimigo de nossas almas, achando que, ao afrontar a Cristo, estariam servindo ao Senhor.
– Saulo havia resolvido que tinha uma missão: praticar todos os atos que pudesse contra o nome de Jesus, o Nazareno (At.26:9). Era uma profissão de fé anticristã, a mesma que hoje une diversos movimentos em todo o mundo.
OBS: O filósofo brasileiro Olavo de Carvalho identificou três grandes movimentos anticristãos que hoje disputam o poder político mundial: o islamismo, o globalismo ocidental e o comunismo chinês-russo. Embora concorram entre si, todos eles se unem na luta pela remoção do Cristianismo e de seus princípios da face da Terra.
– Hoje não é diferente. Existem aqueles cujo objetivo de vida, cujo lema é afrontar a Jesus Cristo e, para tanto, dizem-se religiosos, intelectuais, progressistas, e tantas outras coisas mais. São os “anticristos” que se levantam geração após geração (I Jo.2:18) e que agora estão a preparar o caminho para o “Anticristo” que está na iminência de tomar o poder mundial.
– O plano de Saulo aparentemente estava dando certo. Ao intimidar os cristãos, fez com que eles fugissem de Jerusalém, tendo o zeloso e jovem fariseu tomado o cuidado de buscar separar os cristãos das suas lideranças, tanto que os apóstolos foram mantidos na cidade (At.8:1).
– Assim, entendia Saulo que, tendo havido o espalhamento dos cristãos, estarem eles completamente intimidados em Jerusalém, seria apenas questão de tempo para que a “seita dos nazarenos” desaparecesse.
– Entretanto, teve Saulo conhecimento de que, em Damasco, que ficava na Síria, onde havia uma grande comunidade judaica, os cristãos também estavam crescendo em número.
Assim, era imperioso cortar o mal pela raiz e, ainda mais enfurecido contra os cristãos (At.26:11), resolveu pedir autorização para o sumo sacerdote para que prendesse e trouxesse os cristãos de Damasco para Jerusalém, para, com isto, deixar bem claro a todos os judeus de todas as partes que a “seita dos nazarenos” não seria admitida nem tolerada.
– Com o prestígio que desfrutava, não teve Paulo dificuldade de receber esta autorização do sumo sacerdote que, na ocasião, era ou Jônatas, filho de Anás, ou, então, Teófilo, outro filho de Anás, a fim de que fosse a Damasco e ali prendesse todos os cristãos que pudesse, levando-os a abjurar a fé ou, então, trazê-los a Jerusalém para serem mortos. Segundo Edward Reese e Frank Klassen era o ano 37, ou seja, oito anos após a morte, ressurreição e ascensão do Senhor Jesus.
– Saulo estava, na sua imaginação, a ponto de pôr fim definitivo à “seita dos nazarenos”, mas não era este o plano de Deus para a sua vida, como haveremos de ver na próxima lição.
Ev. Caramuru Afonso Francisco
Fonte: https://portalebd.org.br/classes/adultos/6768-licao-2-saulo-de-tarso-o-perseguidor-i