Sujestão de leitura:
Na fase da perseguição Davi tornou-se o líder que levaria Israel a uma época de apogeu em sua história.
INTRODUÇÃO
– Davi foi preparado para o Senhor para ser o grande líder de Israel, aquele que levaria seu povo a alcançar as fronteiras prometidas a Abraão, verdadeira figura do Rei Eterno de Israel, Jesus Cristo, que seria seu descendente.
– Esta preparação deu-se desde o início da vida de Davi, mas se consolidou na fase da perseguição, onde um grupo de angustiados e endividados foi transformado nos “valentes de Davi”.
I – A PREPARAÇÃO DO LÍDER DAVI EM CASA DE JESSÉ E NA CORTE DE SAUL
– Fugiremos, nesta lição, um pouco da ordem cronológica que temos seguido no estudo da vida de Davi para analisarmos a sua liderança, algo que se consolidou e firmou precisamente na fase da perseguição, que é a fase da vida de Davi que estudamos na lição anterior.
Assim, como este aspecto de sua vida se completou nessa ocasião, interessante observarmos como ela se estruturou e qual seu resultado no seguimento da vida de Davi.
– Quando o Senhor anuncia a Samuel que havia escolhido um sucessor para Saul, foi bem claro ao dizer ao profeta e juiz que ―…dentre os seus filhos [de Jessé, observação nossa], me tenho provido de um rei‖ (I Sm.16:1).
– Devemos observar que o Senhor, ao enviar Samuel, já tinha provido um rei para Israel. Deus havia providenciado um rei.
Ora, um rei era alguém que deveria estar à frente do povo, alguém que dirigisse o povo, alguém que liderasse o povo. ―Líder‖ é palavra de origem inglesa, ―leader‖, que significa literalmente ―aquele que leva‖, ―aquele que carrega‖, ―aquele que conduz‖. Liderança é ―a habilidade de influenciar pessoas para trabalharem entusiasticamente visando atingir objetivos comuns, inspirando confiança por meio da força do caráter (HUNTER, James C. Como se tornar um líder servidor: os princípios de liderança de O monge e o executivo. Trad. de A.B. Pinheiro de Lemos, p.18)
– Deus havia provido Israel de um rei, que era Davi, sinal de que Davi deveria ser um “líder”, ser aquele que levasse o povo ao bem-estar espiritual e material, que influenciasse Israel a trabalhar entusiasticamente visando cumprir o propósito divino estabelecido para ele, ou seja, o de ser a grande nação prometida a Abraão (Gn.12:3), um reino sacerdotal e um povo santo, propriedade peculiar de Deus dentre os povos, como proposto e aceito no pacto do Sinai (Ex.19:5,6), por meio da força do caráter, ou seja, mediante a demonstração diante do povo de que Davi era um ―homem segundo o coração de Deus‖ (I Sm.13:14).
– Vemos que Davi, efetivamente, foi este líder, pois assumiu Israel num momento delicado, em que todas as vitórias militares alcançadas por Saul estavam ameaçadas, em que a própria integridade de Israel estava em xeque e, ao morrer, deixou a Salomão um reino unificado, forte, respeitado, estabelecido, próspero e que, pela vez primeira, havia alcançado as fronteiras da promessa divina dada a Abraão.
Isto só foi possível porque Davi era um verdadeiro líder, que foi forjado pelo Senhor para que cumprisse plenamente o propósito divino para Israel.
– A preparação de Davi como líder, portanto, iniciou-se antes mesmo da sua unção. Quando o Senhor diz a Samuel que deveria ungir a Davi, diz que já Se tinha provido de um rei.
Davi, portanto, mesmo sendo o menor dos filhos de Jessé, desde a mais tenra idade foi preparado pelo Senhor para liderar.
– Este preparo começou quando o Senhor providenciou que Davi se tornasse o pastor das ovelhas de seu pai. O trabalho do pastor de ovelhas é uma ocupação que Deus escolheu para preparar grandes líderes para o seu povo.
Moisés, também, foi levado por Deus para cuidar das ovelhas de seu sogro, para que, no pastoreio das ovelhas, aprendesse o necessário para conduzir o povo de Deus, que, não por acaso, é chamado de ―rebanho do Senhor‖ nas Escrituras (Sl.100: 3; Jo.10:16; I Pe.5:3).
– No trabalho do pastor, vemos algumas características fundamentais para o exercício da liderança. O pastor é alguém que se distingue das ovelhas, mas se identifica com elas.
O pastor é, sempre, um ser humano e, muitas vezes, no seu pastoreio, é ajudado por outros animais, como os cães, mas nunca é igual à ovelha.
Uma ovelha nunca chegou a ser pastor, ou seja, o líder precisa ser distinto de seus liderados, no sentido da função, obviamente, pois todos os homens são iguais e Deus não faz acepção de pessoas (Dt.10:17; At.10:34).
– Entretanto, há uma distinção entre o líder e os liderados. O líder é diferente, porque sua função é diversa e, num determinado sentido, oposta aos dos seus liderados.
O líder deve levar os seus liderados para um determinado destino, para uma determinada finalidade, enquanto que os liderados devem segui-lo.
O líder, assim, necessariamente, precisa ver antes dos seus liderados, traçar planos e estratégias que não são compreendidas de imediato, em sua plenitude, pelos seus liderados, precisa ter um conhecimento e uma habilidade maiores que as dos seus liderados.
Por isso, não pode ser igual aos liderados, devendo distinguir-se deles neste aspecto.
– Mas, ao mesmo tempo que o líder é distinto dos liderados, deve identificar-se com eles. Ser distinto não significa que o líder tenha de se separar do convívio dos liderados, mas, antes, pelo contrário, deve misturar-se com eles, ter os mesmos sentimentos deles,
o que denominamos de ―compaixão‖, ou seja, sentir precisamente o que eles sentem, a fim de poder compreendê-los e fazer-se compreendido, o que é fundamental para que possam os liderados seguir o líder e chegar aonde o líder tem determinado que devam chegar.
– Jesus, ao Se apresentar como o bom Pastor, afirmou que conhecia as Suas ovelhas e delas era conhecido, bem como ouviam e conheciam a Sua voz (Jo.10:14,27).
Há uma perfeita comunicação entre Jesus e Seus liderados. Deve haver uma perfeita comunicação entre o líder e seus liderados.
– A identificação do líder com os liderados é feita sem que se perca a distinção, pois Jesus Se distingue de Suas ovelhas, mas é de tal sorte que os liderados não só compreendem o seu líder como fazem aquilo que o líder deseja, cumprindo-se assim o propósito estabelecido pelo líder.
Esta identificação faz com que o ―bom Pastor dê a sua vida pelas ovelhas‖ (Jo.10:11).
Esta identificação é da mais alta profundidade, porque é movida pelo amor. O líder não só ama os seus projetos e intenções, mas, sobretudo, ama os seus liderados mais do que os projetos e intenções, que são alcançados precisamente em virtude do amor demonstrado pelo líder aos liderados, que os move a ter um comportamento igual ao do líder, que os encaminha ao cumprimento das metas e dos objetivos.
OBS: ―…É princípio fundamental que só se gosta daquilo que se conhece, daquilo com que, através do trabalho ou do estudo, aprende-se a dominar(…).
A função do verdadeiro líder é identificar-se com o que está para fazê-lo cada vez melhor. (CARVALHO, Ailton Muniz de. Os dez mandamentos de um líder idôneo para o século XXI, p.18).
– A figura do pastor como ilustração do líder mostra-nos que o líder está disposto a perder o seu bem mais valioso, que é a vida, em prol dos liderados.
O ―bom Pastor‖, diz o Senhor Jesus, dá a sua vida pelas ovelhas. Davi aprendeu bem esta lição, pois, no diálogo com Saul, quando se apresentou para lutar contra Golias, mencionou dois episódios em que, para salvar a vida de suas ovelhas, pôs a sua própria vida em risco (I Sm.17:34,35).
Este mesmo amor e dedicação que aprendera no exercício do pastoreio das ovelhas de seu pai foi o móvel que o levou a enfrentar o gigante filisteu (I Sm.17:36).
– Esta liderança faltava a Israel naquele momento. Saul não se comportava como um bom líder. Por primeiro, não sabia se distinguir entre os seus liderados.
Apesar de seu porte físico avantajado e de suas vitórias militares, Saul não soube se comportar como um rei.
Apesar de ungido como rei de Israel, no momento de sua apresentação ao povo, escondeu-se no meio da bagagem (I Sm.10:22) e, depois de apresentado ao povo, partiu para a sua casa, como fizeram os demais israelitas, não se distinguindo entre eles (I Sm.10:26), o que o levou a ser desprezado por parte do povo (I Sm.10:27).
– Mesmo após ter conseguido conquistar a submissão do povo de Israel por meio de uma operação do Espírito Santo (I Sm.11:6,7), o fato é que Saul perdeu a oportunidade de se impor como uma liderança consistente sobre Israel, pois lhe faltou a identificação com o povo.
Mesmo após a renovação do reino em Gilgal, Saul tomou uma atitude de isolamento, fechando-se em Gibeá, sua cidade natal, com três mil homens, mantendo-se distante do povo.
– Prova disto é que, ante a demora de Samuel para vir fazer sacrifícios antes da guerra contra os filisteus, Saul viu que o povo se espalhava dele (I Sm.13:8).
Havia uma separação entre Saul e o povo, não havia compreensão por parte de Saul dos sentimentos do povo, como, aliás, ficou bem claro no episódio em que Jônatas chegou a ser condenado à morte por Saul (I Sm.14:24-46).
– Saul não tinha sido adestrado na ―escola das ovelhas‖ como Moisés ou Davi. Foi feito rei quando procurava as jumentas de seu pai, não as tendo encontrado, nem sequer se preocupado em avisar seu pai Cis do que lhe acontecia, tanto que seu pai já o estava procurando (I Sm.10:2,14).
– Torna-se indispensável ao líder que se identifique com seus liderados, a fim de que sua liderança seja consistente e eficaz. Saul, pela falta de identificação com o povo, viu espalhar-se o seu exército, apesar de suas vitórias militares e de seu porte físico.
Quantos, na atualidade, não veem o rebanho de Deus sair de suas mãos, pela sua separação do meio do povo, pela sua falta de identificação com o povo?
– Davi, no pastoreio das ovelhas de seu pai, aprendeu a dar a sua vida pelas ovelhas, aprendeu a lição da dedicação, da compaixão, do cuidado, do zelo.
Mas, não devemos nos esquecer, Davi era pastor das ovelhas de seu pai. No pastoreio, também, aprendeu uma importante lição que indispensável à liderança: a lição da obediência.
– Vemos que Davi era extremamente obediente a seu pai Jessé. Não tendo sido convidado para o banquete na casa de seu pai com o profeta Samuel, manteve-se no seu lugar, cuidando das ovelhas.
Somente se apresentou em casa quando chamado por Jessé.
Também não se ausentou de sua casa enquanto não mandado por seu pai, seja para afugentar o espírito maligno de Saul, seja para ter notícias de seus irmãos no campo de batalha. Não se pode ser líder se, antes, não se foi um liderado.
Não se pode mandar, se, antes, não se aprendeu a obedecer.
– Nos dias hodiernos, muitos querem mandar, muitos almejam alcançar posições de mando, sem, no entanto, aceitarem passar pela posição de servos, de comandados.
Isto não existe. A liderança exige que se tenha aprendido a obedecer, pois é por meio da humilhação, da submissão que se atingirá a exaltação, a primazia. Davi teve de aprender a lição da obediência para poder ser um grande líder.
– Não foi apenas em casa de Jessé que Davi aprendeu a lição da obediência. Quando foi levado para a casa de Saul, ali também teve de aprender a obedecer.
Posto como um dos chefe de uma gente de guerra, dado o prestígio por ele amealhado na vitória sobre o gigante, Davi não se fez ―chefe‖, mas, pelo contrário, é dito que ―saía aonde quer que Saul o enviava e conduza-se com prudência (I Sm.18:5).
– Para ser um bom líder, é mister que se tenha sido um liderado exemplar. Davi era obediente e submisso a Davi e o resultado disto foi que, enquanto chefe de uma gente de guerra, foi considerado como aquele que feria dez milhares.
Se esta afirmação do povo, como já vimos em lição anterior, despertou a inveja de Saul, o fato é que foi por causa dela que Davi passou, então, a ―chefe de mil‖ (I Sm.18:13), o que se constituiu numa promoção na hierarquia militar.
A obediência, a prudência e a dedicação são fundamentais para que se constitua uma liderança eficaz.
– É importante ressaltar que, tornado ―chefe de mil‖, Davi não modificou a sua maneira de ser.
Pelo contrário, a Bíblia nos diz que, feito ―chefe de mil‖, Davi ―saía e entrava diante do povo‖ (I Sm.18:13), ou seja, suas campanhas militares eram feitas de modo transparente e com contato popular.
Ao contrário de Saul, Davi não se isolava, mas mantinha uma comunicação com Israel.
– O resultado desta empatia, ou seja, desta comunhão de sentimentos e de desejos, foi que Davi passou a ser amado por todo o Israel e por todo Judá (I Sm.18:16).
O líder é amado pelos seus liderados, porque, antes, os amou. Jesus é amado da Igreja, porque nos amou primeiro (Jo.13:1; I Jo.4:19).
Eis o segredo de muitos líderes fracassados na atualidade: querem ser amados, mas não amam.
II – A COMPLEMENTAÇÃO DO LÍDER DAVI NA FASE DA PERSEGUIÇÃO
– Quando se inicia a perseguição de Saul contra Davi, o Senhor tem como propósito precisamente o de forjar em Davi o grande líder que haveria de ser para Israel. Parece um paradoxo, mas, apesar de já ser ―chefe de mil amado pelo povo, por ter sido dedicado e prudente, Davi precisava conhecer o valor de um liderado, ele próprio deveria formar a sua equipe. O bom líder é aquele que não só conduz os seus liderados, mas que sabe formá-los.
– O texto bíblico fala-nos que, quando Davi fugiu da sua própria casa, foi para Ramá, onde se encontrou com Samuel e com sua ―escola de profetas (I Sm.19:18).
Foi, sem dúvida, uma sábia decisão de Davi: ir ao encontro do homem de Deus, que poderia orientá-lo.
Ali, Davi pôde, também, contemplar o grupo de liderados de Samuel, os ―filhos dos profetas, entendendo que a liderança precisa ser exercida com exemplo e na presença do Espírito de Deus.
– Em Ramá, Davi entendeu que o homem de Deus não pode estar só. Embora, ele se distinga dos demais (e isto era muito mais enfático no tempo da lei, em que não eram todos que tinham o Espírito Santo),
precisa estar na companhia de pessoas que tenham o mesmo propósito, o mesmo objetivo, precisa estar na companhia de quem se dispõe a se manter na presença de Deus.
– Samuel, apesar de sua idade avançada, fazia questão de ensinar os mais jovens, de orientá-los, aconselhá-los, ensinando-os a estar na presença de Deus.
Davi pôde verificar que, para liderar diante do povo, não bastavam as armas, nem tampouco a popularidade, mas o fato de estar cercado de pessoas leais e dispostas a servir a Deus e a Seu povo.
– Saindo de Ramá, e após ter se entrevistado com Jônatas, sabendo Davi que não poderia voltar ao convívio da casa de Saul, foi até Nobe, mas se fazia acompanhar já de alguns mancebos, algo que percebemos no instante em que Aimeleque pergunta a Davi se os mancebos haviam se abstido das mulheres para poderem comer os pães da proposição (I Sm.21:3), circunstância que seria, depois, ressaltada pelo Senhor Jesus (Mt.12:4; Mc.2:26; Lc.6:4).
– Davi aprendeu que não poderia ficar sozinho. O líder não pode dispensar a companhia de pessoas, pois o homem não foi feito para viver sozinho (Gn.2:18), mas foi feito um ser gregário, ou seja, um ser que vive em sociedade.
O isolamento, o ingresso em um mundo próprio, que é divorciado da realidade, onde existe a necessidade do companheirismo, é um perigo para o exercício de qualquer liderança, é um caminho para o fracasso.
– O próprio Jesus, apesar de ser o Salvador único e suficiente do mundo, desempenhou o Seu ministério terreno com a companhia de homens e mulheres.
Não apenas os doze, mas também os setenta, sem falar nos demais, inclusive mulheres, que Lhe seguiam e que faziam parte dos Seus discípulos, a ponto de, quando ascendeu aos céus, termos uma multidão de mais de quinhentos irmãos (I Co.15:6).
– Não sabemos quantos mancebos acompanhavam Davi, mas não eram muitos, não, tendo em vista que eram apenas doze pães, suficientes para a alimentação daquele pequeno grupo.
Mas o fato é que Davi entendeu que não poderia trabalhar sozinho, que era necessário ter companheiros ao seu lado, como, aliás, ocorria com Samuel em Ramá (I Sm.10:11).
Como é importante lembrarmos que, para liderar, precisamos ter liderados e que os liderados devem ser, sobretudo, companheiros. Vemos a alegria de Paulo quando menciona os seus companheiros (II Co.8:19,23; Fp.2:25; 4:3;Fm.2, 17, 23); , bem como a sua tristeza quando alguns deles o deixavam (II Tm.4:10).
OBS: ―…Charles R. Swindoll, em seu livro Davi um homem segundo o coração de Deus, diz que Davi tinha amigos que foram como ‗árvores protetoras‘ em tempo de angústia da alma.
É interessante que esses homens, apesar da importância que tiveram na vida de Davi, são pouco lembrados.(…). Usando esta figura dos amigos como árvores, é sempre bom lembrar que a amizade é como a árvore: temos que plantá-la para, depois, cultivá-la.…‖ (GONÇALVES, Josué. 37 qualidades do líder que ninguém esquece!, p.71) (destaques originais).
– Após a dura experiência em Gate, onde parece que havia se mantido separado destes mancebos, Davi vai para a caverna de Adulão, onde experimenta a angústia da solidão.
Pelo que lemos no Salmo 142, houve um instante em que Davi se viu só e esta solidão era necessária para que ele aprendesse que dependia única e exclusivamente de Deus (Sl.142).
Um dos desejos de Davi era que fosse rodeado de justos, para que, com eles, pudesse dizer que o Senhor lhe havia feito bem (Sl.142:7).
– Alguém que havia dado sua vida pelas ovelhas, que havia aprendido a lição da obediência e da prudência, que tinha sabido manter-se em comunicação com o povo, que havia aprendido a importância e necessidade de se fazer rodear de justos, na presença de Deus, estava pronto para ser completado como um grande líder.
Ante o seu pedido ao Senhor para que os justos o rodeassem e com ele pudessem dizer que havia sido feito bem a Davi, Davi, por primeiro, recebeu a companhia de seus familiares, o afeto que tanto lhe faltava (I Sm.22:1).
– Esta é uma importante lição que Davi não aprenderia tão bem como as demais. Em atendimento a seu pedido, o Senhor faz com que a casa de seu pai descesse até a caverna para com ele estar, para o confortar.
O líder precisa, antes de mais nada, de ter um bom ambiente familiar, sem o qual não poderá liderar aqueles que familiares seus não são.
– É na casa de nosso pai, em nosso “berço” que aprendemos a importância da convivência, do convívio, que valorizamos o ser humano e entendemos a realidade da dependência recíproca dos homens e da necessidade do companheirismo para atingirmos a plenitude estabelecida por Deus a cada um de nós.
A falta de uma vida familiar real, com a necessária afetividade, algo tão comum em nossos dias, tem sido um fator que muito tem contribuído para este ―mundo-cão em que vivemos, algo, aliás, que havia sido profetizado pelo Senhor Jesus (Mc.13:12).
– Mas Davi não podia se fazer acompanhar dos familiares. Corriam eles risco de morte, ante as circunstâncias políticas adversas, tanto que teve de levá-los para Moabe, a fim de que ali pudessem ter asilo político (I Sm.22:3,4).
– Davi não seria um líder em sua família (o que já seria grande coisa, visto que era o menor dos filhos de Jessé), mas, sim, um líder de todo o Israel e havia necessidade que formasse um grupo seleto de liderados, que com ele estivessem à frente do reino durante seu governo.
Davi disso não tinha conhecimento, mas o Senhor, que tudo sabe, tudo providenciava para que isto acontecesse.
– Após a vinda de seus familiares e de Davi ter tido o devido conforto da situação de extrema angústia por que passava, Deus começa a fornecer a ―matéria-prima para que Davi se consolidasse como um líder.
Começam a se ajuntar a ele, na caverna de Adulão, ―todo homem que se achava em aperto, e todo o homem endividado, e todo o homem de espírito desgostoso (I Sm.22:2).
Davi estava angustiado, verdade que tivera alívio de sua angústia pela presença de seus familiares, o que, entretanto, lhe trouxera uma preocupação concernente à sua segurança. Havia orado a Deus: que tipo de gente deveria se ajuntar a ele?
– Em nossas limitações humanas, certamente esperaríamos que o texto sagrado dissesse que se ajuntaram a Davi alguns dos três mil homens de Saul, os valores e principais guerreiros de Israel, ou, então, alguns da gente de guerra que Davi havia comandado ou uma parte dos mil que ele havia chefiado, até mesmo alguns dos ―filhos dos profetas que haviam estado com Ramá, sem falar nos mancebos que o haviam acompanhado até Nobe.
No entanto, toda esta gente não tinha sido preparada por Davi, toda esta gente havia sido arregimentada por outros líderes, e um líder completo não é aquele que toma um grupo formado por outros, mas o que forma o seu próprio grupo, que constrói uma ―equipe, ou seja, ―um conjunto de pessoas que se dedicam à realização de um mesmo trabalho, palavra que vem do francês ―équipe, que designava um ―conjunto de pessoas que preparam uma embarcação para viagem.
– Entenda-se bem: não se está a dizer que todo líder não pode aproveitar as pessoas que existiam num determinado grupo, até porque, em termos de Igreja, ela é uma só, um só conjunto que vai realizando a obra determinada pelo seu único Senhor.
O que se está a dizer é que não é possível que se construa uma liderança sem que haja uma equipe, ou seja, um conjunto solidário que têm um só objetivo, que se preparam para uma jornada já predeterminada.
Não se pode ser líder com objetivos de outros,com finalidades diversas das que são as sentidas e adotadas pela liderança.
– Assim como Davi não podia lutar contra o gigante com as armas de Saul, também não podia formar uma equipe com liderados de Saul.
O propósito divino era ter um rei ―segundo o Seu coração, não um rebelde e rejeitado, como fora Saul.
Davi havia sido ungido precisamente porque Deus não Se agradara de Saul e, desta maneira, imperioso era formar-se uma equipe diferente, totalmente distinta da de Saul.
– Até a caverna de Adulão, Davi havia sido preparado para liderar. Dali para frente, deveria Davi formar a sua própria equipe, o seu próprio grupo, grupo que ficaria conhecido como ―os valentes de Davi, ou seja, aqueles que tinham valores, aqueles que, a exemplo de seu líder (cf. I Sm.18:17), fossem ―valorosos, ou seja, dotados de valores, dotados de caráter.
– Mas como seria possível formar uma equipe com ―todo homem que se achava em aperto, e todo o homem endividado, e todo o homem de espírito desgostoso (I Sm.22:2)?
Deus, ao trazer ao encontro de Davi, as pessoas nas piores condições econômico-financeiras, psicológicas, morais e sociais, queria mostrar a Davi, em primeiro lugar, que não há liderança sobre o povo de Deus sem que haja a atuação de Deus.
Na sua solidão, Davi havia dito que só Deus era o seu refúgio (Sl.142:5) e que só Ele poderia tirá-lo do abatimento (Sl.142:6), livrá-lo da prisão (Sl.142:7).
Isto ficaria demonstrado com a grande transformação que se operaria naquele grupo lastimável e totalmente desconsiderado.
– O líder deve ter consciência de que nada sem faz sem o Senhor (Jo.15:5 ―in fine). Não estamos falando apenas dos líderes eclesiásticos, que estão a apascentar o rebanho do Sumo Pastor (I Pe.5:2,4).
Estamos a falar de todo e qualquer líder, pois não há autoridade que não seja constituída por Deus (Rm.13:1). Há, na atualidade, uma crise de lideranças, tanto que um dos assuntos que mais chamam a atenção do mundo é o da liderança, mas não há como se falar em liderança eficaz sem que se reconheça a necessidade de o líder servir a Deus e seguir-Lhe as orientações.
– A formação dos “valentes de Davi” a partir da caverna de Adulão é uma linda figura da Igreja. Jesus, o Filho de Davi, também foi encontrado por com ―todo homem que se achava em aperto, e todo o homem endividado, e todo o homem de espírito desgostoso, que, entretanto, encontraram em Cristo a vida eterna e se tornaram ―valentes, ―reis e sacerdotes, ―nação santa‖, ―mais do que vencedores por Aquele que nos amou. Aleluia!
– A Bíblia diz que ―Davi se fez chefe‖ daquela gente, que não tinha mais qualquer esperança nesta vida. Alguns ―se achavam em aperto‖, ou seja, estavam em dificuldades.
Assim como Davi, tinham problemas que não podiam ser resolvidos humanamente falando. Correram atrás de Davi. Davi, que também tinha um problema insolúvel que não podia ser resolvido pelo lado humano, poderia orientá-los e fazê-los experimentar que Deus é o nosso único refúgio.
– Outros estavam endividados. A dívida, naquele tempo, era um risco para a própria liberdade, pois o endividado era escravizado pelo credor (Lv.25:39; II Rs.4:1).
Os endividados fugiram da vida em sociedade, porque não viam nela qualquer alternativa para que continuassem em liberdade. Recorreram, pois, a Davi em busca de uma vida livre, do término da sua marginalização.
Davi, que também havia sido posto fora da vida em sociedade, sabia que só Deus poderia ampará-los e dar-lhes o necessário conforto e alívio.
– Mas havia, também, os de ―espírito desgostoso‖, ou seja, aqueles que estavam descontentes, que não tinham mais esperança de se satisfazer na vida em sociedade, na vida em que viviam antes dos infortúnios que sofriam.
Eram pessoas que não viam mais qualquer perspectiva na vida, alguém desencantado com o mundo, que não via qualquer ―luz no fim do túnel.
A este, também, Davi deveria ensinar que Deus faz ressuscitar as esperanças perdidas, torna-se a fonte da alegria para aquele que n‘Ele confia.
Ele também havia deixado de ver a possibilidade humana de ver cumprida em sua vida a promessa de se tornar rei de Israel, mas sua confiança em Deus permitia ver aquilo que era invisível.
– Davi podia ser líder desta gente, porque passara pela mesma experiência amarga que aqueles homens estavam passando.
Tinha também se desiludido com a vida em sociedade, com o mundo, mas havia clamado a Deus e sido fortificado pelo Senhor. Tendo passado por esta experiência de vida, podia, agora, ser orientador e guia dos demais homens.
O líder precisa vivenciar aquilo que transmitirá aos seus liderados. Não foi por outro motivo que Jesus Se fez carne para liderar os salvos na Igreja (Hb.2:9-11).
– Nos dias hodiernos, muitos querem ser ―chefe deles‖, sem que, no entanto, tenham vivenciado a condição de seus liderados, sem que tenham experimentado a condição de membros de uma equipe, sem que tenham trabalhado e se esforçado enquanto comandados, enquanto chefiados.
O líder só pode levar os outros se já tiver ido, não só no projeto e na visão, mas, e principalmente, na execução. Como pregar a cura divina sem que se tenha ficado doente e curado por Jesus?
Como pregar a salvação sem ser salvo? Jesus, para liderar a Igreja, aprendeu, antes, a ser sujeito tanto a Deus quanto aos homens (Lc.2:51,52; Jo.4:34).
– A principal característica do líder não é mandar, mas, sim, influenciar os outros a que tomem uma determinada atitude. Davi não podia, por si só, fazer com que aqueles homens, completamente desesperançados e destruídos moral e psicologicamente, se tornassem grandes e corajosos soldados, homens de fibra e dedicados a uma causa, homens que encontrassem um sentido em suas vidas.
Mas, por ter passado por esta experiência da desesperança e encontrado em Deus o seu refúgio, Davi poderia servir-lhes de exemplo de restauração, de ―volta por cima‖, levando-os a tomar atitudes semelhantes.
Por ter passado tal experiência e por ter se recuperado, Davi era uma referência àqueles homens, dando o necessário exemplo para que eles também se reerguessem e acreditassem em dias melhores.
– O líder não manda, mas indica o caminho a ser seguido e sua experiência de vida e exemplo faz com que seus liderados confiem que a sinalização feita é verdadeira, seguindo as pisadas do líder e passando a trilhar os passos determinados por ele. Jesus assim faz com a Igreja (I Pe.2:21) e Davi, como tipo de Jesus, fez que seus liderados também o fizessem.
OBS: ―…Um líder que se dedica com amor ao seu trabalho não precisa exigir dos seus liderados que façam o mesmo. Eles se sentirão envergonhados se não o fizerem.
(…) uma das mais importantes funções do verdadeiro líder: dava o exemplo do bem servir à obra com seu incansável trabalho… (CARVALHO. Ailton Muniz de. op.cit., p.21).
– O líder deve ser exemplo para os seus liderados e isto exige uma vivência daquilo que sugere e sinaliza a seus liderados. Como ter credibilidade no que se sugere fazer se isto não é feito pelo líder?
Como indicar que caminho seguir se não há conhecimento do que se encontra nesse caminho? Jesus primeiramente fez, para depois ensinar (At.1:1).
Paulo mostrava-se como exemplo para os que foram por ele evangelizados, pois era imitador de Cristo (I Co.11:1).
O segredo da autoridade do líder está neste exemplo que é dado, exemplo este que é resultado de uma experiência prévia daquilo que propõe a seus liderados.
Em Adulão, após ter sofrido a desesperança, Davi podia começar a formar a sua equipe, pois podia indicar o caminho do renovo e da restauração àqueles homens, visto que havia experimentado tal levantar ao clamar a Deus e n‘Ele encontrar a força necessária para seu reerguimento.
Temos este certificado indispensável e prévio para a liderança?
– Em Adulão, aqueles homens foram realmente reciclados, passando a ser outras pessoas.
O texto sagrado mostra-nos como aqueles homens em aperto, endividados e de espírito desgostoso haviam sido transformados por terem se unido a um líder que buscava a Deus e que, certamente, lhes ensinou o caminho do clamor a Deus para suas transformações.
– Em II Sm.23:13 e ss., bem como em I Cr.11:17 e ss., narra-se que alguns daqueles homens, que se haviam juntado a Davi no tempo da sega, diante do desejo manifestado por Davi de tomar água do poço de Belém, sua cidade natal, numa nostalgia aumentada pelo fato de que os filisteus ali estavam aquartelados, foram até Belém, correndo graves riscos de morte, com o objetivo tão somente de trazer um pouco de água da cisterna de Belém para o seu líder.
Eram homens que estavam dispostos a morrer pelo seu líder, porque via nele alguém que também tinha a mesma disposição.
– Após passarem por tantos perigos e trazerem água para Davi, este não a tomou, mas, reconhecendo o perigo que eles haviam corrido, preferiu não bebê-la.
Este gesto de Davi mostra que o líder deve ser grato aos seus liderados, reconhecer o seu esforço e dedicação, pondo os interesses do grupo e de seus integrantes acima dos seus próprios interesses.
Como isto é diferente dos tiranos e ditadores que estão à frente de muitos grupos, na atualidade, inclusive na igreja do Senhor…
OBS: Recentemente, o pastor José Wellington Bezerra da Costa, presidente da CGADB, relatou ter tido o desprazer de uma conversa com um determinado obreiro que considerou que os crentes de sua congregação eram ―seus escravos‖. Que barbaridade!
– Davi saiu de Adulão com quatrocentos homens, um grupo considerável e que começava a mudar.
A saída do grupo da caverna e sua ida até o bosque de Herete mostra, com clareza, que a equipe estava unida em torno de Davi, esperançosa e pronta para os desafios que se punham à sua frente.
É interessante notar que aqueles homens acompanharam Davi quando este deixou seus familiares em Moabe, mas todos eles seguiram Davi, não ficaram em Moabe.
Também todos seguiram Davi quando o profeta Gade lhe disse que não ficasse no lugar forte, para onde haviam ido depois que voltaram de Moabe.
Esta disposição em seguir Davi revelava já a presença da convicção no grupo de que Davi era o ungido do Senhor e que se devia confiar nas promessas de Deus. Havia destemor, disposição, união e fé.
O líder desperta estes sentimentos em seus liderados, mesmo quando nada parece ter se alterado no mundo.
– Quando os sacerdotes e suas famílias foram mortos em Nobe, Abiatar, filho de Aimeleque e que era, por direito, o seu sucessor no sumo sacerdócio, não pensou duas vezes. Tomou o éfode e partiu em direção a Davi. Certamente, já lhe havia chegado aos ouvidos que um grupo de homens animados e diferentes estava com Davi.
Quando há destemor, disposição, união e fé, logo as notícias se espalham e há um testemunho que se faz notável em todos os lugares.
A igreja, reunida sob a direção do Espírito Santo, não pode deixar de ser um grupo desta natureza.
Aliás, vemos como a fé dos tessalonicenses repercutiu em toda a Acaia, apesar das muitas dificuldades encontradas na pregação do Evangelho naquele lugar (I Ts.1:6-10).
– Quando deixamos a desesperança no mundo e passamos a buscar a Deus e a seguir-Lhe a orientação, não há como nossa equipe tornar-se conhecida de todos, não pela força ou pelas proezas que se possam realizar, mas, fundamentalmente, pela fé para com Deus.
A confiança em Deus e a consequente obediência à Sua Palavra faz com que nos tornemos diferentes dos demais e muitos vêm se agregar a nós, porque estamos na direção do Senhor, mas só aqueles que querem deixar o mundo, pois os demais não se atrevem a se juntar a nós (At.5:13).
– Abiatar veio se unir a Davi, porque era também um desesperançado no mundo, um sumo sacerdote que jamais poderia exercer a sua função. Tomou o éfode e partiu em direção a Davi.
Davi, mesmo já tendo quatrocentos liderados, não temeu recebê-lo e ainda demonstrou a sua limitação e, de certa forma, a sua ―culpa no lamentável episódio da mortandade dos sacerdotes, pois, tendo notado que Doegue ali estava e que isto poderia redundar em problemas para o sacerdote, nada fez, motivo por que assumia a responsabilidade pela proteção e cuidado de Abiatar (I Sm.22:23).
– Vemos aqui outras quatro importantes virtudes do líder. Por primeiro, Davi assume a sua responsabilidade por um infortúnio.
Seria muito cômodo pôr toda a culpa em Saul, que havia, afinal de contas, cometido um crime abominável, matando inocentes e que pertenciam à família sacerdotal.
Entretanto, Davi sabia que isto era consequência de um comportamento que não fora de todo correto, de uma mentira contada a Aimeleque num momento de extrema aflição mas de falta de direção de Deus.
Ao assumir sua responsabilidade, ao mostrar suas limitações frente aos liderados, Davi não se diminuiu, mas, pelo contrário, identificou-se ainda mais com seus liderados, mostrando que era o líder, mas não deixava de ser homem e, como tal, falho.
– Quantos líderes têm fracassado porque constroem uma imagem de perfeição e infalibilidade que não corresponde à realidade. O líder deve entender que a sua liderança, firmada que está na dependência de Deus e na sua experiência prévia, só pode se sustentar com a verdade, ―porque nada podemos contra a verdade, senão pela verdade‖(II Co.13:8).
A mentira é um elemento que corrói a liderança e a desfaz mais cedo ou mais tarde.
– Por segundo, Davi não só assumiu a responsabilidade por um erro cometido, como trouxe uma solução para remediar este erro, uma compensação.
É bonito quando assumimos nossas responsabilidades, mas é muito melhor quando agimos para reparar este dano. Melhor do que assumir a culpa é fazer a reparação.
O padre Antonio Vieira, maior orador sacro da língua portuguesa, em conhecido sermão, chamado de ―O sermão do bom ladrão, mostrou, com muita felicidade, que Deus não dispensa a restituição do que é furtado para que haja o verdadeiro perdão pelo furto cometido.
Assim, Zaqueu só encontrou salvação quando assumiu o compromisso de restituir, porque tinha como fazê-lo, enquanto que o ladrão da cruz, como não tinha com que restituir, teve a dispensa de tal restituição para ser perdoado.
– Davi disse a Abiatar que, como compensação, reparação pela omissão demonstrada no episódio do notar de Doegue em Nobe, assumia o compromisso de proteger a vida de Abiatar: ―Fica comigo, não temas, porque quem procurar a minha morte também procurará a tua, pois estarás salvo comigo (I Sm.22:23).
O líder não apenas assume a responsabilidade, como também repara, conserta, compensa.
– Por terceiro, o líder insere-se no mesmo contexto dos liderados, faz com que todos compreendam que ele também é um dos integrantes da equipe, apesar de ser o líder. ―Quem procurar a minha morte também procurará a tua.
Davi pôs-se no mesmo destino, na mesma condição de Abiatar, identificou-se com o liderado. Como já dissemos supra, esta identificação, que não pode ser apenas de palavras, é fundamental para o êxito de uma liderança.
OBS: ―…Assim deve fazer o líder idôneo. Voltar sempre que possível ao passado, perscrutar o início de sua carreira, fazer sempre que possível uma reflexão profunda, isto o fará lembrar de todas as dificuldades que teve no início de sua carreira. Só assim saberá compreender aqueles que lidera, auxiliando-os e perdoando algumas faltas involuntárias resultantes da inexperiência de alguns… (CARVALHO, Ailton Muniz de. op.cit., pp.19/20).
– Por quarto, observemos que Davi demonstra ter fé no seu projeto: ―porque estará salvo comigo. Davi demonstrou, com esta afirmação, que confiava nas promessas divinas de que reinaria sobre Israel e triunfaria sobre os seus inimigos.
Naquele instante, Abiatar era mais um fugitivo que se unia a outros marginalizados e párias da sociedade no bosque de Herete. Davi, porém, mostrava sua confiança plena de que seria rei de Israel e, como tal, Abiatar exerceria o sumo sacerdócio.
A fé não foi em vão, pois, na verdade, Abiatar realmente exerceu o sumo sacerdócio e, inclusive, sobreviveu ao próprio Davi, tendo sua vida poupada no reinado de Salomão, ainda que tenha perdido o exercício do sacerdócio por ter participado da rebelião de Adonias (I Rs.1:26,27).
III – A PREPARAÇÃO DOS VALENTES DE DAVI
– Com um grupo restaurado, submisso à vontade do Senhor, Davi começou a treiná-los na guerra.
A libertação de Queila, as fugas dramáticas de Davi nas incursões de Saul e seus homens, a ajuda aos pastores de Nabal, as campanhas feitas para o rei Áquis, a instalação de morada dos homens em Ziclague foram exercícios para aprimorar os homens de Davi militarmente, para que se tornassem os soldados valorosos, os ―valentes de Davi.
– Uma equipe não se forma apenas com a influência do líder sobre os liderados, com seu exemplo, com sua dedicação, com seu caráter e sua submissão a Deus.
Certamente foi indispensável a experiência prévia de Davi com Deus para que aquele grupo de homens em aperto, endividados e de espírito desgostoso se tornasse um grupo de soldados valorosos, de homens que haviam se despertado para a vida.
No entanto, para que fossem mais do que homens reanimados, ou seja, soldados valorosos, mister era que batalhassem, que tivessem participação em campanhas militares.
A ida daqueles homens primeiro para o lugar forte e, depois, para o bosque de Herete não fora em vão: eles precisavam partir para um treinamento militar, tornar-se soldados.
– A ida para aquele bosque foi determinada pelo Senhor por intermédio de mensagem do profeta Gade (I Sm.22:5), ou seja, na direção de Deus.
A vinda de Abiatar para o grupo, com o éfode, foi a demonstração para Davi de que deveria sempre seguir as instruções de Deus, consultando-O por meio do Urim e Tumim, que se fazia precisamente no éfode, já que Abiatar era, por direito, o sumo sacerdote de Israel (Ex.28:30).
– Davi, então, tinha plena consciência de que todo o movimento do grupo se deveria fazer segundo a orientação e direção do Senhor.
Que felicidade a do servo de Deus que se põe na direção do Espírito Santo.
Na atualidade, não precisamos de éfode nem de Urim nem Tumim, pois o sumo sacerdote está em nós, fez em nós morada (Jo.14:23), como também somos templo do Espírito Santo (I Co.6:19), que é Aquele que nos ensina e nos guia neste mundo (Jo.16:13; Rm.8:14).
– Por isso, o Senhor Jesus, em Seu sermão escatológico, mostrou-nos que não devemos sair correndo atrás de Cristo aqui e acolá (Mt.24:23-26), como muitos têm feito atualmente, multiplicando o número daqueles que caminham para a perdição, apostatando da fé. Tomemos cuidado!
– Todos os salvos devem seguir a orientação do Espírito Santo e, em suas equipes, sejam as seculares, sejam as da própria Igreja, buscar a orientação do Espírito de Deus.
Muitos dirão que, não sendo líderes nos seus locais de trabalho, nas suas cidades e vilas, nas escolas, não podem fazer com que os ímpios sigam a orientação do Espírito em suas equipes.
Se somos líderes, devemos consultar ao Senhor antes de traçarmos estratégias e metas para o nosso grupo, ainda que não seja formado por salvos.
Se não somos líderes, devemos interceder por eles, a fim de que possam tomar decisões que sejam concordes com a direção divina ou, pelo menos, abram espaço para que possamos opinar segundo a vontade do Senhor e sermos atendidos.
Não é por outro motivo que Paulo manda a Timóteo que oremos por aqueles que estejam em eminência, a fim de que tenhamos uma vida quieta e sossegada, com toda piedade e honestidade (I Tm.2:1-3).
– É bom ressaltar, a propósito, que o próprio Davi não tinha, entre seus liderados, apenas homens salvos. O grupo, originariamente de quatrocentos homens, passou a ser de seiscentos, um crescimento quantitativo de 50% (cinquenta por cento), como vemos no episódio da batalha contra os saqueadores de Ziclague (I Sm.30:9).
Entre eles, porém, havia ―maus e filhos de Belial, como se lê de I Sm.30:22, o que não impediu, entretanto, que Davi fizesse toda aquela campanha debaixo da orientação divina (I Sm.30:7,8).
– Quando estava no bosque de Herete, Davi soube que os filisteus haviam atacado Queila, cidadela da tribo de Judá situada a cerca de 30 km a sudoeste de Jerusalém.
Sob orientação divina, foi até lá e libertou a cidade. Seus homens aprenderam, assim, a atacar, a retirar o invasor de uma cidade.
– Logo em seguida, Davi e seus homens tiveram de sair de Queila, pois o Senhor lhes disse que seriam traídos pelos moradores, diante da incursão de Saul.
Foram para o deserto, onde aprenderam a se esconder do inimigo, a viver em um ambiente duplamente hostil, seja no aspecto ambiental, seja no fato de que seus moradores eram inimigos.
Ali o grupo de Davi experimentou o livramento divino, pois Saul só não os apanhou porque estourou nova guerra contra os filisteus.
– Um pouco mais adiante, já no deserto de En-Gedi, aqueles homens tiveram a experiência do temor de Deus.
Davi poupou a vida de Saul e lhes mostrou a necessidade de ser reverente ao Senhor, mesmo diante das dificuldades e das ―vias fáceis‖ desta vida.
Aprenderam a lição da prudência, sendo contidos por Davi (I Sm.24:7). Nesta prudência, aqueles homens puderam ver que o próprio Saul reconhecia que Davi reinaria sobre Israel (I Sm.24:20), o que lhes aumentou o ânimo e a fé. Retornaram, então, ao lugar forte (i Sm.24:22).
– Nossas equipes precisam ser levadas ao campo de batalha, precisam aprender a lutar para alcançar seus objetivos.
Precisam ter a experiência da luta, do esforço, da prudência, da traição, da dedicação, a fim de que fortaleçam seu ânimo. Também precisam, após o redobro do ânimo, voltar ao lugar forte, ou seja, ao treinamento, à reciclagem,ao aperfeiçoamento.
– Não é à toa que os valentes de Davi são descritos no texto sagrado como homens de grande habilidade, seja na luta, seja nas armas.
Não eram assim apenas porque Deus era com eles, mas também porque estavam em forma física e tinham um treinamento incessante desde os dias da caverna de Adulão.
Por isso, Jasobeão pôde, brandindo a sua lança, duma vez matar trezentos, como também ter, ele e Eleazar, filho de Dodó, somente os dois, defendido um campo de cevada dos filisteus depois que o povo deles fugiu ( I Sm.23:8-12; I Cr.11:11-14).
Se o livramento veio da parte do Senhor, como nos diz o texto, não é menos verdade que ambos sabiam lutar, e muito bem.
– Benaia, filho de Jeoiada, que se tornou o chefe dos guardas reais (II Sm.23:23; I Cr.11:25), é outro exemplo de que os homens de Davi eram extremamente hábeis.
Ele feriu dois leões de Moabe, um, inclusive, no tempo da neve, como também um homem egípcio, de respeito, tendo apenas um cajado e o homem, uma lança. Com o cajado, Benaia desarmou o homem e o matou com a sua própria lança (II Sm.23:20-22).
– Abisai, irmão de Joabe, também, com a lança, matou trezentos homens. Diante da divergência entre os textos de Samuel e de Crônicas, pois o texto de Samuel diz que Jasobeão teria matado oitocentos com a lança e não, trezentos, entende-se que, na verdade, Jasobeão deve ter matado mais que Abisai, pois só assim se explicaria a proeminência dele entre os valentes.
Tais divergências numéricas entre Samuel e Crônicas, tão mencionadas pelos incrédulos como prova de ―contradições bíblicas, além de não mudarem, em coisa alguma, a mensagem que se quer transmitir (o que muda Jasobeão ter matado oitocentos ou trezentos?), apenas revelam a diferente fonte de informações entre Samuel e Crônicas, textos que foram escritos com um intervalo de mais de quinhentos anos, o que, aliás, é um grande problema para aqueles que defendem que os livros históricos foram, todos, produto de escribas depois do cativeiro da Babilônia…
– Havia tanto interesse no treinamento entre os liderados de Davi que, já em Ziclague, quando estavam Davi e seus homens a serviço de Áquis, vieram se unir a eles homens que tinham habilidades especiais, numa prova de que o grupo de Davi era conhecido pelo seu caráter seleto, por sua alta capacitação.
Assim, vieram se unir a Davi homens que tinham destreza em atirar pedras e frechas com ambas as mãos (I Cr.12:1-7), como, também, homens que manejavam bem a rodela e a lança (I Cr.12:8-15), entre os quais Amasai, que reconheceu que a excelência do grupo de Davi era o fato de que Davi tinha a ajuda de Deus (I Cr.12:18).
– Daí a importância de o líder levar seus liderados a se prepararem para a peleja que terão de enfrentar.
Os liderados têm de estar bem preparados, ter a devida instrução para realizarem as tarefas que lhes são atribuídas.
Em termos de igreja local, o líder tem de fazer com que seus liderados manejem convenientemente a ―armadura de Deus‖ (Ef.6:11-17), o que somente virá mediante a oração em todo o tempo com toda a oração e súplica no Espírito, pela vigilância com toda perseverança e súplica por todos os santos (Ef.6:18).
– Além do manejo e preparo, fazia mister que aqueles homens fossem devidamente alimentados, a fim de que tivessem saúde física que lhes permitisse lutar.
Daí a preocupação de Davi com os víveres para seus homens, preocupação esta que causou a sua desavença com Nabal (I Sm.25:5-9).
– As equipes que estão a batalhar contra o mal precisam ter a devida alimentação, que é a Palavra de Deus (Mt.4:4).
Sem este alimento, não há como prosperar nas investidas contra o pecado e contra o mal. Os apóstolos tinham esta consciência, tanto que não consideravam razoável deixar o ministério da palavra e da oração para se dedicar às mesas (At.6:2,4).
Quantos que se dizem líderes, na atualidade, porém, tudo fazem menos se preocupar com a alimentação dos seus liderados que, desnutridos, não podem sequer pensar em ser valentes na batalha contra o mal…
– O treinamento dado aos liderados de Davi, também, era voltado para o altruísmo. Sua primeira campanha foi a libertação de Queila, ou seja, uma ação em favor do próximo.
Depois, vemos os homens de Davi arriscando suas vidas para satisfazer um desejo de seu líder que, no entanto, não bebeu a água do poço de Belém porque não se sentiria bem fazendo algo que lhe satisfazia à custa do perigo do sangue de seus liderados.
Depois, vemos os homens de Davi protegendo e guardando os pastores de Nabal (I Sm.25:14-17), para, então, já sob os serviços de Áquis, realizar campanhas que serviam para enriquecer o rei de Gate (I Sm.27:8-11).
Que lição que temos: devemos amar o próximo, viver para fazer-lhes bem, sem egoísmo, ganância, nem busca de satisfação tão somente dos interesses próprios.
– Davi dá o próprio exemplo deste altruísmo, não só no episódio da água do poço de Belém, mas no fato de haver o registro do nome e das proezas dos valentes de Davi nas Escrituras.
Esta circunstância é prova de que Davi honrava os seus liderados, reconhecia-lhes o valor, tanto que não há registro de quaisquer outros soldados de reis de Israel ou de Judá no restante da história.
Davi não via seus soldados como meros serviçais, como pessoas inferiores, mas, sim, como homens de valor, que mereciam ter seus nomes conhecidos e seus valores registrados para a posteridade.
OBS: ―…o líder que só pensa em si mesmo, visando tornar-se notado e elogiado pelas suas qualidades, consegue exatamente o oposto, sendo antipatizado e desfavoravelmente criticado.
Agindo desta forma, evidentemente não estará visando ao bem comum, o interesse geral, mas ao seu próprio bem, então não é e nem será em momento algum um verdadeiro líder.(…).
O que interessa mesmo é a obra, que, em qualquer circunstância, deve tender para o bem comum, para o interesse geral do grupo e da missão que a promove.…‖ (CARVAHO, Ailton Muniz de. op.cit., pp.23/4).
– Além do mais, Davi não tratou seus liderados como ―massa‖, ou seja, como pessoas que não passavam de meros números, como, infelizmente, vemos nos dias atuais.
Muito pelo contrário, tratou-os pelo nome, tanto que há o seu registro no texto sagrado e, mais, deu a cada um o seu devido valor, tanto que temos uma perfeita distinção da posição ocupada pelos valentes, a ponto de as Escrituras fazerem questão de dizer quais eram os três principais valentes, os que eram maiores que os demais, mas não alcançavam os três primeiros e os demais, que perfizeram os chamados ―trinta e sete valentes de Davi‖ (II Sm.24:39).
– Este cuidado em tratar a cada um dos liderados e de reconhecer-lhes seu valor é fundamental para o sucesso da liderança. A equipe precisa se considerar como tal, necessita de união e unidade, mas cada indivíduo, cada integrante tem de ser valorizado e reconhecido pelo serviço que presta, pelas proezas realizadas.
Tudo com transparência, tudo com verdade e exposição clara de fatos e tarefas realizadas. Na lista dos valentes, há parentes de Davi, mas o parentesco não os fez os maiores do grupo, pois não é o sangue, nem a amizade quem dá posição, mas o mérito, o serviço efetivamente realizado, a dedicação demonstrada.
Que exemplo a ser seguido nos tempos de império do compadrio e do nepotismo nas instituições…
– Jesus também procede desta maneira. A Bíblia nos mostra que o Senhor sempre tratou individualmente com as pessoas, sem perder a noção de que viera para o povo de Israel e para a humanidade.
Criou a Igreja, que é um grupo de pessoas, mas não deixa de tratar com cada um dos salvos, tanto que, mesmo no céu, esta individualidade não será perdida, já que cada um receberá um novo nome, que ninguém sabe senão o que o recebe (Ap.2:17).
Apesar de sermos milhões de milhões, milhares de milhares nos céus (Ap.5:11), não seremos ali um número, mas uma pessoa perfeitamente individualizada e com uma intimidade própria com o Senhor. Aleluia!
OBS: ―…O ser humano tem necessidade de sentir que é conhecido entre aqueles que com ele trabalham, especialmente, do seu superior, para se dedicar com mais amor e interesse ao seu trabalho.
E, se percebem que o estimam e contam com ele, então é capaz de ultrapassar suas funções rotineiras. Nem mesmo o Cristo Senhor Se excluiu da necessidade desaber o que os homens pensavam a Seu respeito…‖ (CARVALHO, Ailton Muniz de. op.cit., p.35).
– Mencionemos, pois, os nomes dos valentes de Davi, a fim de sermos coerentes com o cuidado, zelo, respeito e consideração externados por seu líder, que fez com que seus nomes viessem a ser registrados e passassem para a história (II Sm.23:8-39; I Cr.11:10-47):
a) os três primeiros – Josebe-Bassebete (ou Jasobeão), também chamado de Adino ou Adina, filho de Siza; Eleazar, filho de Dodó; Samá, filho de Agé.
b) os outros três: Benaia, filho de Jeoiada; Asael, irmão de Joabe (primo de Davi), que era o chefe dos trinta; Abisai, irmão de Joabe (primo de Davi).
c) os demais, os ―trinta: El-Hanã, filho de Dodó; Samá (ou Samote); Elica; Helez; Ira, filho de Iques; Abiezer; Mebunai (ou Sibecai); Zalmom(ou Ilaí); Maarai; Helebe (ou Helede), filho de Baaná; Itai, filho de Ribai; Benaia; Hidai (ou Hurai); Abi-Albom (ou Abiel); Azmavete; Eliaba, filho de Jasen (ou Hasem); Jônatas, filho de Sage; Samá; Aião, filho de Sarar (ou Sacar); Elifelete, filho de Aasbai; Eliá, filho de Aitofel; Hezrai (ou Hezro); Paarai; Igal, filho de Natã; Bani; Zeleque; Naarai, filho de Ezbai; Ira; Garebe e Urias.
d) os mencionados apenas no livro de Crônicas, que menciona mais de trinta e sete valentes: Elifal, filho de Ur; Joel, irmão de Natã; Hefer; Aías; Mibar, filho de Hagri; Zabade, filho de Alai; Hanã, filho de Maaca; Jeosafá; Uzia; Sama e Jeiel, filhos de Hotão; Jediael, filho de Sinri e Joa, seu irmão; Eliel; Jeribai e Josavias, filhos de Elnaão; Itma; Eliel; Obede; Jaasiel.
– Na descrição dos nomes dos valentes de Davi, notamos que nem todos mostram ter filiação, prova de que eram pessoas despidas de ―status familiar, o que era um fator que lhes determinaria uma vida miserável em Israel, sem falar que alguns destes valentes nem israelitas eram, como o caso de Urias, que era heteu.
No entanto, Davi não levou em conta a ascendência social nem mesmo a nacionalidade, mas acolheu a todos quantos vieram ao seu encontro, como verdadeiro tipo de Jesus, que não olha quem somos nem o que fizemos quando vamos ao seu encontro, mas nos torna, a todos, lavados e remidos no sangue do Cordeiro. Aleluia!
– A propósito, apesar de mostrar as diferentes condições, ascendências e nacionalidades dos valentes de Davi, o texto sagrado somente se preocupa em contar as proezas feitas por eles depois que se juntaram a Davi, o que lhes permite ser chamados de ―valentes de Davi.
Na igreja, assim devemos proceder: não devemos omitir o que os salvos eram antes de receberem a salvação, pois isto serve de testemunho da obra de Deus em nossas vidas, mas não devemos falar e narrar senão aquilo que viemos a fazer e a experimentar com a salvação, esquecendo as coisas que para trás ficaram.
No entanto, quantos ex-traficantes, ex-ladrões, ex-assassinos preferem pregar seus crimes e abominações do passado e se esquecem de falar do Evangelho que os transformou…
– Mas a grande e definitiva experiência vivida por este grupo na sua fase de preparação foi a da batalha contra os saqueadores de Ziclague.
Davi, fora da direção de Deus, decidiu ir para o lado dos filisteus e ali servia ao rei de Gate, Áquis. Convocado para guerrear contra os israelitas, Davi foi impedido de lutar pelos príncipes dos filisteus, tendo, então, retornado para Ziclague, cidade que era sua moradia, como também de seus homens.
– Ao chegar ali, encontrou a cidade devastada, pois os amalequitas haviam saqueado Ziclague e levado consigo não só os bens mas também os familiares de Davi e seus homens.
A cidade estava queimada a fogo e todos os familiares levados cativos. A reação de Davi e de seus liderados não foi outra senão o choro, o lamento, tendo chorado até que não mais tivessem força para tanto (I Sm.30:4).
– A experiência que Davi viveria na liderança naquele momento era crucial para que pudesse se tornar rei de Israel.
Davi tinha de arcar com a angústia do fracasso, com o erro cometido e com suas consequências, com a superveniência, por meio de fatos objetivos, da falta de consulta a Deus na sua ida para o lado dos filisteus.
– Davi passaria pela experiência do fracasso, do erro cometido e da perda de credibilidade diante de seus liderados, pois de nada adianta sermos ―líderes eficazes‖, termos conquistado a confiança de nossos liderados, de nos termos identificado com eles e lhes dado o exemplo, se, num dado instante de nossa liderança, nos desviamos da vontade de Deus. Sem o Senhor, nada podemos fazer.
– Aqueles homens, que haviam despertado novamente para a vida, que haviam confiado em Davi e visto nele, sobretudo, o ungido de Deus, haviam levado suas famílias para Ziclague.
Muitos, certamente, dada a descrição dos valentes, haviam formado famílias diante desta esperança, mas, de uma hora para outra, viam-se sem família, sem patrimônio, apenas com a roupa do corpo.
Os liderados de Davi viviam, agora, a mesma experiência vivida pelo próprio Davi quando foi para a caverna de Adulão, a experiência que o habilitou à liderança.
Mas, se em Adulão, haviam encontrado um homem justo que estava sendo perseguido por permissão divina mas em inocência, agora estavam diante de alguém que havia se desviado da direção do Senhor.
– Davi, então, angustiou-se, ainda mais quando o povo, os seus próprios liderados (pois o único povo que havia em Ziclague eram os seus homens) começaram a pensar em apedrejá-lo.
A angústia, a desesperança superveniente dos homens de Davi era tão profunda que logo isto se tornou em revolta e em vontade de matar Davi, que era o próprio símbolo de todas as esperanças que haviam se frustrado.
– O líder deve ter a consciência que seu êxito, sua empatia com os liderados faz com que passe a ser o próprio símbolo das esperanças, do ânimo demonstrado pelos liderados.
Se estas esperanças se frustrarem, se o ânimo se perder, a primeira vítima é o próprio líder, pois se gerará um sentimento de revolta que leva, inclusive, ao desejo de matança do líder. Porventura, não foi assim que aconteceu com Moisés na longa jornada do deserto (Ex.17:4)?
– O grande teste por que passa o líder é o teste da oposição, da traição, da rebelião. Davi, por ter procedido mal, gerou uma angústia tão grande entre seus liderados que estes resolveram se revoltar contra o líder, inclusive matá-lo.
Tais sentimentos, entendamos, existem em todo o lugar, inclusive nas igrejas locais, se bem que, neste caso, são promovidos pelos que, embora estejam fazendo parte do grupo, não são senão ―maus e filhos de Belial, o ―vulgo que ali está infiltrado e que dá voz a uma murmuração que acaba gerando tais movimentos (Nm.11:4), ainda que muitos deles sejam encabeçados por pessoas que deram ouvidos a estes menos qualificados, nivelando-se a eles, como foi o caso de Arão e Miriã (Nm.12:1,2) ou de Coré, Datá e Abirão(Nm.16:1-4), para mencionarmos as mais conhecidas rebeliões contra Moisés.
OBS: ―…Desde que o líder esteja convicto de que a missão a cumprir é boa para todos, é sua obrigação resistir às opiniões daqueles que o contrariam. Sempre surgem pessoas que, veladamente, propõem coisas que lhes são mais favoráveis, ou porque estão apaixonados pelas vãs ideias.
O essencial é convencer o grupo de que não pretende levá-lo a fazer o que ele quer que seja feito, mas ao que interessa à obra como organismo, sem conflito de interesses particulares. Para isso, o melhor é argumentar e não refutar.
Argumentar é apresentar todos os elementos que são favoráveis à sua tese, construir e não destruir, dialogar e não discutir. Aquele que só refuta, nada constrói, só destrói os argumentos contrários e, nesse campo, a discussão é interminável, não se chegando a nenhuma conclusão(…).
O mesmo deverá se passar com o líder, que leva ainda a vantagem de estar absolutamente convicto da missão que se propõe realizar…‖ (CARVALHO, Ailton Muniz de. op.cit., pp.26/7)
– Não há como o líder livrar-se da oposição, da contestação e da rebelião. Isto faz parte da vida terrena e os salvos devem saber disto.
A narração das muitas rebeliões ocorridas no meio do povo de Israel não têm outro propósito senão nos preparar para as que acontecerão no meio da Igreja, o povo de Deus desta dispensação.
Não é diferente, devendo nos lembrar que o próprio Jesus foi traído por um dos apóstolos e abandonado por todos os demais.
– Não há, porém, outro caminho para o líder senão o de buscar a Deus num momento como este.
O líder deve saber que foi posto por Deus, que o Senhor tem compromissos com ele e que deve, nestes momentos difíceis, buscar a orientação do Senhor a fim de que se conduza da forma desejada pelo Senhor.
Nas oportunidades de rebelião, a reação de Moisés foi sempre a mesma: cair sobre o seu rosto, ou seja, pôr o rosto em terra e adorar a Deus, buscando d‘Ele a devida orientação (Nm.12:3; 14:5; 16:4).
– Davi não fez diferente. Angustiado, ameaçado de morte, sabendo que havia se envolvido naquela situação por ter deixado de consultar ao Senhor, Davi se esforçou no Senhor seu Deus (I Sm.30:6), pedindo a orientação de Deus sobre o que deveria fazer (I Sm.30:7,8).
– Os liderados estavam revoltados porque o seu ânimo estava em amargura. Não é com azedume que se retira a amargura, nem tampouco com golpes que se passam as feridas.
Davi, primeiro, buscou a Deus, reconheceu seus erros e, em seguida, pediu direção a Deus. Com a resposta de Deus, enfrentou os seus liderados, não com guerra ou espada, mas com uma palavra de ânimo, transformando, na feliz expressão do pastor Severino Pedro da Silva (Assembleia de Deus, Belenzinho – São Paulo/SP), ―o limão em limonada‖.
– O líder que retalia seus liderados, que busca prevalecer pela prepotência, pela força das armas, pela violência, pela ameaça, não passa no teste da rebelião.
A rebelião só é vencida com amor, com a doçura, com a mansidão, com a direção de Deus.
Se o líder está na direção de Deus, a morte não lhe sobrevirá, mas, no momento decisivo, Deus toma as devidas providências, sobrenaturais inclusive, para que a liderança se sobressaia e os liderados tornem a cerrar fileiras em torno do líder. Não é por força nem por violência, mas pelo Espírito (Zc.4:6).
– A Bíblia é sucinta e não diz como ou o que Davi disse aos seus homens. Mas o fato é que, após ter-lhes dito a palavra do Senhor, todos os seiscentos homens, apesar de cansados da viagem, esgotados física e psicologicamente, saíram ao encalço dos amalequitas, sob o comando de Davi.
Davi restabeleceu o controle sobre seus homens e foi para a peleja, apesar de, humanamente falando, aqueles homens não terem as mínimas condições para lutar (I Sm.30:9).
– Ao chegarem ao ribeiro de Besor, porém, o cansaço físico e mental de duzentos homens era tanto que não puderam mais caminhar. O que fez Davi? Mandou matá-los? Abandonou-os?
Exigiu que caminhassem sem que eles pudessem? Não, não e não!
Reconheceu as limitações daqueles homens, compreendeu seu estado deplorável e, em mais uma prova de compaixão e de identificação com os liderados, deixou-os às margens do ribeiro e seguiu sua caçada aos amalequitas com os outros quatrocentos, deixando os duzentos cuidando das bagagens (I Sm.30:9,10).
– O momento era delicadíssimo, Davi não poderia abrir mão de nem um só homem, até porque fora contestado há pouco tempo.
Mas acima de tudo, Davi era um verdadeiro líder e o líder tem de ter compaixão dos seus liderados, tem de sentir o que eles sentem, tem de ter pleno conhecimento da realidade de seus comandados.
Aqueles homens não tinham condições de prosseguir. Seriam certamente mortos antes mesmo da batalha, nada poderiam acrescentar ao exército naquele estado.
Assim, deveriam ficar às margens do ribeiro, para descansar, para retomar suas forças e, como prova da confiança que Davi neles depositava, ficaram com as bagagens, uma garantia de que não seriam abandonados à própria sorte.
– O verdadeiro líder não deixa de dar prioridade ao bem-estar de seus liderados.
A dignidade da pessoa humana, coroa da criação, deve ser seguida por todo aquele que quer liderar bem, pois esta é a vontade de Deus. Jesus morreu pelo homem para mostrar o grande valor que o ser humano tem para Deus.
Por que, então, desprezar os homens em função de cargos, posições, vantagens econômico-financeiras? O líder que assim procede é, como disse o Senhor Jesus, um mercenário, que não tem amor pelos liderados, que foge assim que as coisas começam a complicar (Jo.10:11-13). Que líder somos ou temos: o pastor ou o mercenário?
– Vencida a batalha, Davi mostra-nos, novamente, como deve se conduzir o líder.
Alguns dos liderados, no retorno ao ribeiro de Besor, já com todos os familiares, não tendo havido morte de qualquer dos homens de Davi e com grande despojo, quis dar a ideia de que somente os quatrocentos poderiam participar da divisão do butim, daquilo que havia sido tomado aos amalequitas.
Afinal de contas — diziam eles — os duzentos haviam ficado à margem do ribeiro e, por isso, não faziam jus a qualquer parte do despojo (I Sm.30:22).
– Davi, porém, não concordou com esta proposta. Fez prevalecer a prioridade do homem sobre os bens materiais. Os duzentos não tinham ido à batalha não porque não tivessem querido, mas porque não tinham condições.
Além do mais, guardaram as bagagens, tendo, assim, contribuído para o resultado da empresa, ainda que de forma indireta.
Davi, então, estabeleceu a ―lei da presa‖, que passou a ser observada em Israel dali para a frente, segundo a qual os despojos eram repartidos por todos os soldados, tivessem, ou não, eles participado ativamente da batalha (I Sm.30:23-25).
– O líder reconhece o esforço visível, mas também o esforço invisível, aquele que foi fundamental para o êxito do grupo mas que não aparece, que não é percebido.
Veremos como Jesus é cuidadoso neste aspecto no dia da distribuição dos galardões, no Tribunal de Cristo, quando teremos muitas surpresas.
Devemos trabalhar com dedicação e amor ao nosso Senhor, nosso Sumo Pastor, pois sabemos que Ele é ―galardoador daqueles que O buscam‖ (Hb.11:6).
Por isso, não façamos como o fariseu da paróbola, que, por querer o louvor dos homens, não obteve a justificação (Lc.18:9-14), mas não fiquemos presos ou abalados a um reconhecimento humano por aquilo que fazemos na obra de Deus.
– Esta dedicação de Davi para com seus homens seria recompensada muitos anos depois. Quando Davi foi destronado por seu próprio filho Absalão, seus valentes preferiram sair com ele que servir ao usurpador.
Os compromissos assumidos com Davi estavam acima das riquezas, da posição social, era uma fidelidade, uma lealdade construída ao longo dos anos, que não se modificava mesmo com as circunstâncias adversas (II Sm.15:18-22).
– Davi havia sido aprovado no teste da rebelião e, assim, estava em plenas condições de, juntamente com seus homens, assumir o governo de Israel.
Mas, para tanto, deveria mostrar a mesma habilidade que havia mostrado para unir os seus homens: era necessário unir uma nação dividida e destroçada. É o que veremos na próxima lição.
DR. CARAMURU AFONSO
Fonte: http://adautomatos.com.br/home/?p=6769
Vídeo: https://youtu.be/ZGceUVXdZfo