INTRODUÇÃO
– Na continuidade do estudo dos relacionamentos familiares, veremos hoje a necessidade da imparcialidade dos pais em relação aos filhos.
– Os pais devem ser imparciais com relação aos filhos.
I – O PAPEL DOS PAIS EM RELAÇÃO AOS FILHOS
– Prosseguindo o estudo dos relacionamentos familiares, veremos hoje a necessidade da imparcialidade dos pais em relação aos filhos, analisando o conhecido caso bíblico a envolver a família de Isaque.
– Antes de fazermos a análise do caso bíblico e dele extrair os princípios e diretrizes concernentes a este tema, verifiquemos qual é o papel dos pais em relação aos filhos segundo os ditames estabelecidos pelo Senhor.
– Deus quer que todos os seres humanos sejam pais. Ao proferir a bênção sobre o primeiro casal e estabelecer quais eram as tarefas cometidas à humanidade, a segunda delas foi a ordem de multiplicação (Gn.1:28). Tem-se, portanto, que a geração de filhos é mandamento divino.
– Deus, no Seu propósito de fazer o homem um ser que com Ele tivesse comunhão e participasse da Sua existência, quis que o homem e a mulher fossem como que “cocriadores”, fazendo parte da geração de novos seres humanos.
– Assim, ao contrário dos anjos, que foram criados de uma só vez por Deus e não podem gerar novos seres, o homem e a mulher receberam de Deus a capacidade de gerar outros seres, fazendo, assim, parte da criação de outros homens, fornecendo os gametas que dão início à vida biológica do novo ser humano, enquanto que Deus permanece incutindo neste ovo surgido da fecundação do espermatozoide e do óvulo a alma e o espírito.
– Os pais, portanto, são participantes da própria geração do novo ser e, como tal, desde este instante, assumem o papel de manter a vida deste novo ser, assim como o Senhor, que sustenta toda a Sua criação (Hb.1:3), providenciando, inclusive, a própria sobrevivência biológica dos seres que criou (Mt.5:45; 6:25-31).
– É por esta condição de participantes na criação do novo ser, que será o seu filho, que os pais adquirem a condição de primeira autoridade sobre cada um de nós, visto que são “cocriadores”, residindo aqui a necessidade que se tem de obedecer-lhes e honrar-lhes, sendo este o verdadeiro fundamento do princípio de autoridade, essencial para que se tenha a vida em sociedade.
– Não é, pois, por outro motivo que a honra aos pais é o primeiro mandamento com promessa (Ex.20:12; Dt.5:16; Ef.6:1-3), o quinto mandamento, que, segundo os rabinos judeus, era o último mandamento da primeira tábua, que previa os mandamentos referentes ao nosso relacionamento com Deus, precisamente porque os pais são como que “representantes” de Deus em relação a nós, por sua participação em nossa geração.
– Este quinto mandamento, aliás, teve seu cumprimento por Jesus explicitamente registrado nas Escrituras (Lc.2:51), tendo o Senhor, ainda, censurado a tradição judaica que havia “flexibilizado” tal ordenança (Mt.15:3-6).
– Os pais, portanto, constituem-se em cooperadores de Deus, cooperação esta que não se restringe à concepção do filho, mas que perdura ao longo de toda a existência do novo ser, pois são os pais que devem promover a criação do filho, cuidando para que ele se desenvolva em todos os aspectos da vida.
– Como diz o apóstolo Paulo, os pais devem criar os filhos na doutrina e admoestação do Senhor (Ef.6:4), vale dizer devem não só cuidar do desenvolvimento físico do filho, dando-se o necessário para a sua sobrevivência material e formação, como também cuidar para que tenha o necessário crescimento espiritual, sendo ensinado na Palavra de Deus.
– As Escrituras afirmam que Jesus, enquanto homem, cresceu em sabedoria, em estatura e em graça para com Deus e os homens (Lc.2:52) e que foi o responsável por tal crescimento?
Evidentemente os seus pais, José e Maria, que tiveram esta incumbência da parte de Deus, ainda que, saibamos, que não fossem biologicamente pais, eram-no socialmente, devendo, assim, desincumbir do papel que Deus lhes dera.
– Sendo participantes da geração e criação dos filhos, os pais não só exercem legítima autoridade sobre eles, mas também devem ser exemplos. Se estão a “representar” o próprio Deus, a cooperar com Ele na formação dos filhos, são eles indispensáveis referências.
– Desta maneira, os pais devem ter as mesmas características do Senhor, que é denominado nas Escrituras de “Pai”. Jesus, como ninguém, ensinou-se que a Primeira Pessoa da Triunidade Divina deve ser chamada de “Pai”, por ter ela precisamente os predicados da paternidade, qualidades estas, portanto, que devem estar presentes em cada pai numa família.
– Eis, portanto, a imensa responsabilidade que paira sobre cada um que se torna pai: deve ser exemplo para os seus filhos e, como tal, devem primar para serem portadores das mesmas características do Pai celestial, o que exige que cada um de nós siga as pisadas do Senhor Jesus, a cada dia nos conformemos à Sua imagem (Rm.8:29), pois é Jesus a expressa imagem do Pai (Hb.1:3) e quem vê a Ele, vê o Pai, porque Ele está no Pai e o Pai, n’Ele (Jo.14:9,10).
– Esta realidade foi mostrada ao povo de Israel, tanto que o Senhor mandou que os pais tivessem a lei em seus corações e que, então, as intimassem aos seus filhos, delas falando em todas as circunstâncias e situações (Dt.6:6,7).
– Notemos que o texto bíblico fala que os pais deveriam “intimar” as palavras da lei a seus filhos. Intimação é uma comunicação de uma autoridade, é uma ordem para fazer o realizar algo. Assim, por exemplo, somos intimados pelas autoridades para realizar um determinado ato.
– Ao se utilizar desta expressão, a Bíblia nos mostra, por primeiro, que os pais são uma autoridade, mas, também, trazem a constatação de que a comunicação depende do exemplo para que possa ser dotada de autoridade.
Não podem os pais proceder como faziam os escribas e fariseus do tempo de Jesus que ensinavam as palavras da lei ao povo mas não as praticavam, de modo que perdiam totalmente credibilidade em seu ensino (Mt.23:2,3).
– Os pais devem proceder como o Senhor Jesus que, primeira fazia, para depois ensinar (At.1:1). Aliás, é isto o que o mencionado texto bíblico afirma: os pais devem, primeiro, ter as palavras no seu coração, para só então ensiná-las a seus filhos.
– Os pais, então, precisam ter uma conduta de observância e obediência à Palavra de Deus, terem uma vida que imita a Cristo (Cf. I Co.11:1), que faça com que eles sejam cada vez mais parecidos com o Senhor Jesus, a ponto de serem chamados de “cristãos” (Cf. At.11:26), fazendo com que, a exemplo de Nosso Senhor, ensine com autoridade e não como os escribas (Mt.7:29).
– É bem por isso que muitos, na atualidade, nem sequer ensinam a Palavra de Deus para seus filhos,
“terceirizando” a educação doutrinária para as “tias da Escola Dominical”, em nítida afronta ao mandamento divino. É papel dos pais criar e admoestar os filhos na doutrina do Senhor.
– Tendo de imitar a Deus em sua conduta, os pais precisam ter, entre outras características, a imparcialidade, porquanto Deus não faz acepção de pessoas (Dt.10:17; II Cr.19:7; Jó 34:19; Is.47:3; At.10:34; Rm.2:11; Ef.6:9; Cl.3:25; I Pe.1:17), tanto que, como já salientamos, faz com que o sol se levante sobre maus e bons, como também que a chuva desça sobre justos e injustos (Mt.5:45), que é precisamente o tema de nossa lição.
II – A FAMÍLIA DE ISAQUE
– Para abordar a questão da imparcialidade do pai em relação aos filhos, analisaremos o caso clássico bíblico de predileção, que é o caso do tratamento que Isaque e Rebeca deram a seus filhos gêmeos Esaú e Jacó.
– Sabemos todos que Isaque é um milagre de Deus, o filho da promessa, que nasceu quando sua mãe já tinha noventa anos e havia cessado o costume das mulheres.
Este nascimento miraculoso era uma demonstração firme de que se estava a iniciar a formação de um povo que seria o povo de Deus, fruto da operativa vontade do Senhor.
– Isaque tinha plena consciência disto e sempre se portou em obediência ao Senhor, sabendo claramente que era o portador da promessa de seu pai e que seria o instrumento para a formação de uma grande nação e da bênção para todas as famílias da Terra.
– Esta convicção vemos claramente no episódio em que levado a sacrifício pelo seu pai Abraão, ocasião em que, mesmo tendo sabido que seria a vítima daquele estranho sacrifício humano pedido por Deus, não se rebelou contra seu pai, não fugiu nem tampouco resistiu, obedientemente se submetendo àquela situação.
– Igualmente não tomou qualquer atitude com vista a formação de uma descendência, não se misturando com os povos que habitavam a terra de Canaã, aguardando a ordem de seu pai e aceitando desposar uma parenta que lhe fosse trazida de Padã-Arã.
– Outra característica que se nota em Isaque é que se tratava de um homem de oração, ou seja, alguém que, cedo, havia aprendido a ter um relacionamento com o Senhor, com Ele estabelecendo um contínuo diálogo.
Quando Rebeca, a sua futura esposa, chega a Canaã trazida pelo criado de Abraão, Eliezer, encontra Isaque orando (Gn.24:63).
– Após casar-se com Rebeca, Isaque descobre que sua mulher era estéril. Qual foi a sua reação? Idêntica a de seu pai (e vemos aqui como o pai é exemplo e referência para os filhos). Além de não abandonar Rebeca, Isaque começa a orar, pedindo a Deus que abrisse a madre de sua mulher, oração que durou vinte anos!
– Isaque, durante vinte anos, orou para que Rebeca tivesse filhos, numa perseverança que demonstra a sua fé e confiança em Deus, bem como o seu caráter espiritual. Após vinte anos, o Senhor atendeu ao pedido de Isaque e Rebeca engravidou (Gn.25:19,21,26).
– Rebeca notou que havia uma luta dentro do seu ventre e foi orar pedindo a Deus que lhe explicasse aquilo (Gn.25:22).
Vejamos como Isaque havia influenciado positivamente a sua mulher que, tendo sido nascida e criada num ambiente idólatra, acatou a fé do marido, passou a servir a Deus e a também ter uma vida de oração.
– Os pais, como já dissemos, devem sempre assumir a condição de cooperadores de Deus na educação e formação de seus filhos, e, para tanto, é indispensável que estejam sempre em contínuo diálogo com o Senhor, com uma vida de oração e de meditação nas Escrituras.
– A vida familiar é um aspecto em que as Escrituras bem demonstram que Deus está no controle de todas as coisas e é a solução, e sempre a melhor solução, para os problemas e dificuldades que surgem.
– Adão nem sequer sabia que estava só e que era o mordomo da criação terrena, tendo o domínio sobre todas as demais criaturas da face da Terra. Entretanto, Deus sabia tanto uma coisa quanto outra (Gn.2:18).
Assim, chamou o primeiro homem para que desse nome às outras criaturas terrenas, fazendo-lhe ter consciência de que se tratava de um ser inteligente, criativo e que tinha o domínio sobre o restante da criação terrena (Gn.2:19,20).
– Entretanto, ao dar nome às demais criaturas, Adão percebeu que estava só (Gn.2:20). Vejamos que Deus já sabia disto de antemão.
Quando Adão descobriu que estava solitário, Deus lhe deu um profundo sono (quem sabe para que não ficasse triste ou melancólico com a descoberta…) e, quando ele despertou, já estava solucionado aquele problema, tendo ele, então, contemplado a varoa, a quem posteriormente daria o nome de Eva (Gn.2:21-23).
– Deus, que é onisciente e eterno, sabe bem quais os problemas que iremos enfrentar e tem a solução para eles, basta confiarmos no Senhor e buscarmos d’Ele a direção para a solução de toda e qualquer dificuldade que se apresentar, a começar da família, pois foi a família, aliás, a primeira solução dada por Deus a um problema surgido para o homem.
– Pois bem, quando Rebeca foi perguntar ao Senhor o que ocorria em seu ventre, Deus prontamente lhe respondeu, dizendo que havia duas nações em seu interior, mas que o maior serviria ao menor.
Rebeca já ficou sabendo (talvez o “primeiro ultrassom” da humanidade…) que teria dois filhos homens gêmeos mas que a bênção de Abraão estaria com o menor, ou seja, o mais novo (Gn.25:22,23).
– Certamente Rebeca contou isso a Isaque e, quando do nascimento, não só se confirmou o que Deus dissera, como a própria circunstância mostrou que o mais novo prevaleceria, pois o caçula saiu agarrado ao calcanhar do mais velho e devemos notar que os antigos tomavam particular atenção aos eventos circundantes ao nascimento, inclusive para dar nome aos nascidos.
O mais novo foi chamado de “Jacó”, cujo significado é “suplantador”, que é aquele que se supera, que se excede, que galga posições.
– Entretanto, ao longo dos anos, o comportamento de cada um dos filhos gerou em cada um dos pais uma predileção. Esaú era varão perito na caça, varão do campo e isto era do agrado de Isaque, que gostava da caça.
Jacó, entretanto, era varão simples, habitava em tendas, e, talvez até por ser mais caseiro e, por conseguinte, companheiro da mãe, que sabia ser ele o escolhido de Deus para prosseguir as promessas dadas a Abraão, o predileto de Rebeca.
– Aqui começaram os problemas que levaram à parcial destruição do lar de Isaque e Rebeca. Os pais deixaram-se levar pelos seus gostos, pelas suas afinidades e, a partir daí, passaram a agir parcialmente com relação aos filhos, aproximando-se Isaque de Esaú e Rebeca, de Jacó.
– Os pais, cooperadores de Deus como são, têm de manter a imparcialidade em relação a seus filhos. É evidente que a afinidade não se dará por igual, porquanto temos nossos gostos, nosso temperamento, que aproximará o pai deste ou daquele outro filho, mas isto jamais pode fazer com que tratemos os filhos com parcialidade, gerando injustiças e favoritismos.
– Os pais devem tratar os filhos de modo imparcial, lembrando que são “representantes” de Deus e, portanto, devem agir como o Senhor, sempre tratando a todos igualmente, buscando o desenvolvimento e a formação de cada um, orientando-os e dando igual atenção a cada filho.
– Evidentemente que, ante as diferenças existentes entre os filhos, faz-se mister que se tenham atitudes individualizadas, que levem em conta o temperamento, a personalidade de cada um, mas sempre para que se obtenha o mesmo resultado, que é o desenvolvimento de cada filho em todos os aspectos, a começar do espiritual.
– Então, por exemplo, se um filho tem mais dificuldade de aprendizagem, deve ser mais cobrado que o outro no seu desempenho escolar, no cumprimento das tarefas do que os outros, para que haja o mesmo aproveitamento educacional de todos os filhos.
Estre tratamento individualizado não é tratamento injusto, pois a justiça se faz na medida em que se verificarem as desigualdades, as dessemelhanças, a fim de que se tenha o cumprimento do mesmo propósito, este, sim, idêntico para todos.
– Não foi, porém, o que fizeram Isaque e Rebeca. Agradados pelo jeito de cada um dos filhos, agiram como se este filho que lhe agradava fosse o único, desprezando o outro. A dedicação se fazia apenas a um deles, sempre se procurava buscar o bem-estar daquele com quem tinha afinidade.
– A acepção de pessoas nada mais é que entender que exista alguém melhor do que o outro, fazer uma escolha de benefício a alguém, negando o mesmo ao outro e isto nada mais é do que se pôr no lugar de Deus, como se todas as pessoas não tivessem sido por Ele criadas e sejam igualmente amadas pelo Senhor, que, inclusive, mandou Jesus Cristo para morrer por todas elas na cruz do Calvário.
– Deus quer que todos os homens se salvem e venham ao conhecimento da verdade (I Tm.2:4) e, por isso, não pode privar ser humano algum da possibilidade de alcançar esta salvação, de poder desfrutar da comunhão eterna com Ele.
– É bem por isso que os pais não podem privar filho algum de um desenvolvimento sadio e de proporcionar a eles igualdade de oportunidade para se estabelecerem não só na sociedade como também como servos de Deus. Escolher alguém em detrimento de outrem é contrariar o propósito divino.
– Não é por outro motivo que as Escrituras consideram a acepção de pessoas um pecado e quem o comete um transgressor da lei (Tg.2:9).
Tem-se nesta atitude não só uma contrariedade ao propósito divino, mas, também, uma manifestação de soberba, pois, ao considerarmos alguém melhor do que outrem, estamos simplesmente nos pondo no lugar do próprio Deus.
– Os meninos cresceram e Esaú revelou ser uma pessoa totalmente descomprometida com as coisas espirituais, não dando valor algum a sua condição de primogênito e, portanto, herdeiro das promessas divinas dadas a Abraão, ao contrário de Jacó, que, certamente sabendo do que o Senhor dissera à sua mãe, ansiava grandemente por herdar tal bênção. Assim, Esaú acabou vendendo a sua bênção por um prato de lentilhas (Gn.25:29-34).
– O favoritismo que Isaque devotava a Esaú não permitia sequer que o patriarca censurasse ou repreendesse este comportamento de Esaú, que era, como diz o texto sagrado, profano e fornicador (Hb.12:16).
– A acepção de pessoas tem, como uma característica, o da tolerância com o pecado em virtude do apreço que se tem ao pecador. Por isso mesmo, o apóstolo Paulo afirma que, quando não há acepção, quem faz o agravo receberá o agravo que fizer (Cl.3:25).
– No relacionamento com os filhos, os pais, sabendo o papel que possuem, devem cuidar desta criação dos filhos na doutrina e admoestação do Senhor (Ef.6:4), ou seja, ensinando o que é o certo e o que é o errado, o que agrada a Deus e não Lhe agrada, punindo e castigando toda e qualquer atitude que for errada, até porque o castigo é demonstração de amor (Hb.12:5-9).
– Quem age com acepção deixa de repreender e de castigar aquele favorito que erra, trazendo injustiça, que terá sérias consequências, porque, além de se comprometer a disciplina e a formação do filho que errou, fazendo-o aprofundar-se na vida de pecados, faz com que haja, também por parte do pai, o cometimento de uma transgressão, como já dissemos.
– Certamente, Isaque, homem espiritual que era, notava na vida de Esaú um descuido para com as coisas de Deus, uma conduta totalmente despreocupada com respeito ao relacionamento com o Senhor. A Bíblia diz que ele era profano, ou seja, uma pessoa que não tinha o menor compromisso com a santidade, alguém que estava fora da comunhão com Deus.
– A palavra “profano” vem do latim “pro+fanum”, ou seja, aquele que “ficava diante do templo”, ou seja, uma pessoa que não podia entrar no templo, que não participava do sagrado.
– Esaú era um “varão do campo”, um “varão perito na caça”, mas não tinha qualquer espiritualidade, não se voltara para o Senhor que chamara seu avô e seu pai para deles fazer uma grande nação e trazer a bênção divina para todas as famílias da Terra. Era alguém tão somente interessado no “aqui e agora” das coisas desta vida, das coisas terrenas.
– Isaque admirava a destreza de Esaú na caça, caça que era do seu gosto e, por conta disso, desta afinidade, tolerava esta conduta completamente alheia a Deus do seu filho. Não era este, porém, o seu papel, já que fora escolhido para formar uma grande nação, para ser pai de um povo que pertenceria ao Senhor e, logicamente, seus filhos deveriam ser os primeiros a servir ao Senhor.
– A falta de repreensão e castigo fez com que Esaú mais e mais se envolvesse apenas com as coisas terrenas e, por conta disso, quando fez quarenta anos, tomou por mulher a Judite, filha de Beeri, heteu e a Basemate, filha de Elom, heteu (Gn.26:37).
– Neste gesto, Esaú revela, então, que era também fornicador, ou seja, alguém que tinha uma vida sexual desregrada, em desacordo com a Palavra de Deus. Esaú não só se casa com mulheres heteias, misturando-se com um povo que o próprio Deus dissera a Abraão que deveriam ser destruídos e substituídos pelos descendentes de Abraão na terra de Canaã, por causa de sua injustiça (Gn.15:15,16), como também adota a bigamia, algo também contrário aos princípios divinos, tomando duas mulheres.
– A Bíblia diz que este gesto de Esaú trouxe a Isaque e a Rebeca “amargura de espírito” (Gn.26:35). Este que era o problema.
Isaque consentiu com aquela atitude, não tomou qualquer providência, porque o filho que a cometera era o filho que lhe agradava. Como se costuma dizer na atualidade, “passou o pano” para Esaú, “engolindo seco” aquela atitude que comprometia e contrariava o plano de Deus para a família do patriarca.
– Rebeca, por outro lado, também não se opôs, seja porque seu marido não o fizera, seja porque via naquele episódio mais um trunfo para que seu filho predileto obtivesse a bênção da primogenitura.
De modo calculista, ainda que entristecida com o ingresso de pessoas moradoras de Canaã na família, via tal circunstância como mais um ponto a favor de sua preferência por Jacó.
– O fato é que, graças à parcialidade em relação aos filhos, o inimigo tinha conseguido introduzir uma cunha naquela família, que, até então, tinha sido grandemente abençoada, apesar de toda a oposição que, por exemplo, haviam feito os filisteus em relação a Isaque na questão dos poços de água (Cf. Gn.26) e o pecado havia ingressado naquele lar.
– Bastou Isaque deixar de enxergar e achar que sua morte estava próxima, para, então, se manifestar o lado mais obscuro da acepção de pessoas na relação com os filhos, que é, como já dissemos, a soberba, a usurpação do papel de Deus.
– Pressentindo que a morte estava próxima (pressentimento desarrazoado, aliás, pois Isaque, na verdade, só iria morrer muito tempo depois), Isaque, então, tenta resolver a questão da bênção da primogenitura consoante a sua vontade. Sabia que Deus dissera que Jacó seria o herdeiro, mas como Esaú era o filho de quem gostava, pretendeu abençoar Esaú, sem levar em conta a vontade do Senhor.
– Mandou, então, que Esaú fosse preparar-lhe uma caça e a trouxesse, quando, então, abençoaria seu primogênito, consolidando, deste modo, a sua vontade, para que Esaú prosseguisse na formação do povo que nasceria de Abraão.
– Que petulância a de Isaque! Achava ser ele o “dono da bênção” e, portanto, poderia transferir-lhe a quem quisesse, esquecido de que o povo que se formaria era o povo de Deus e que a escolha era do Senhor, escolha esta já revelada ainda antes que os dois filhos de Isaque nascesse (Rm.9:11).
A propósito, não se tratou de escolha para salvação, mas, sim, de escolha para a formação do povo de Israel.
– A acepção de pessoas é um pecado e, como tal, não se apresenta apenas como um mero favoritismo no cotidiano, nos relacionamentos pessoais e terrenos, mas têm sérias implicações espirituais, não nos iludamos, amados irmãos.
– Enquanto Isaque busca manipular o próprio Senhor, querendo gerar um “fato consumado” para fazer de Esaú o herdeiro das promessas de Abraão, Rebeca caminha na mesma direção equivocada e tenta, de igual maneira, criar um “fato consumado”, mas em favor do seu predileto, Jacó.
– Assim, Rebeca chamou Jacó e o convenceu a se passar por seu irmão Esaú, preparando um guisado como Isaque gostava, pondo pelos nos braços de Jacó e o fazendo usar a roupa de Esaú, tudo para iludir Isaque, o que, aliás, acabou ocorrendo, pois, iludido, Isaque abençoou Jacó pensando estar a abençoar Esaú (Gn.27:6-29).
– Observemos que tanto Isaque quanto Rebeca estavam errados em seu procedimento. A acepção de pessoas fez com que eles demonstrassem falta de temor a Deus, pois quiseram simplesmente manipular o Senhor, como se Deus não fosse soberano e tudo estivesse a observar. A acepção é uma demonstração de falta de temor a Deus (II Cr.19:7).
– Se o temor do Senhor é o princípio da sabedoria (Sl.111:10), a falta de temor é o princípio da loucura, um passo decisivo para a perda da salvação (Cf. Jd.12). Tomemos cuidado, amados irmãos.
– A falta de temor faz com que as pessoas deixem de aborrecer o mal, a soberba, a arrogância, o mau caminho e a boca perversa (Pv.8:13).
Por isso, Isaque e Rebeca não repreenderam nem censuraram as atitudes profanas e fornicadoras de Esaú, quiseram pôr-se no lugar de Deus determinando quem deveria receber a bênção da primogenitura, revelando, deste modo, arrogância (veja como Rebeca chama para si eventual maldição que viesse sobre Jacó quando fosse descoberto por seu pai), resolveram trilhar um mau caminho para atingir seus objetivos e não hesitaram em falar o que Deus não queria ou mentir.
– A predileção por um dos filhos levou também Isaque e Rebeca a se mostrarem incrédulos. Ao querer abençoar Esaú, Isaque mostra que não cria no que Deus falara a Rebeca antes do nascimento dos filhos e Rebeca, também, de igual modo, já que procurou enganar Isaque precisamente porque deixou de crer no que Deus disse. Ora, a incredulidade impede-nos de entrar no lugar prometido por Deus (Hb.3:19). Quem não crê está condenado (Mc.16:16).
– A predileção por um dos filhos trouxe a mentira, o engano, a desconfiança para dentro do lar de Isaque. O pecado já havia entrado com o comportamento de Esaú e agora a situação piorava ainda mais. Não podemos dar lugar ao diabo (Ef.4:27), pois um abismo chama outro (Sl.42:7).
– Rebeca incentiva e estimula Jacó a mentir, convence-o a não temer ao pai ou a Deus. Isaque demonstra toda sua obstinação em querer abençoar Esaú em vez de Jacó, querendo certificar-se de que não estava sendo enganado, já que a voz era de Jacó.
Jacó deliberadamente mente, mesmo quando questionado. E eram eles os que, ao contrário de Esaú, um dia haviam valorizado as promessas de Deus! Que triste situação espiritual para uma família que se deixou levar pelos gostos humanos e adotou a predileção por um dos filhos!
– Alguém pode dizer que, apesar de tudo isso. Jacó acabou recebendo a bênção, consoante a vontade divina. Por primeiro, é oportuno observar que Deus permitiu a situação para impedir que Esaú fosse abençoado, demonstrando todo Seu controle, não só para revelar que a bênção era Sua e não de Isaque, como também para revelar a total incapacidade espiritual de Esaú, que, inclusive, já havia vendido sua primogenitura anteriormente.
– Por segundo, temos que as circunstâncias em que se deu a bênção demonstram que não estava ali a real bênção.
Deus não opera onde há engano ou mentira. O próprio Jesus disse que o pai da mentira é o diabo (Jo.8:44) e que ele nada tem em Cristo (Jo.14:30), de modo que não podemos imaginar que esta bênção tenha tido uma validade espiritual perante o Senhor.
– Lemos, em Gn.28:1 que Isaque abençoou Jacó e cremos que está ali a bênção correta e eficaz, uma bênção feita com plena consciência e submissão à vontade divina, que, sim, confirmou os ditames da bênção anterior, mas, como vimos, a bênção anterior não pode ter valido, porque estava contaminada pela mentira.
– Além do mais, esta nova bênção resultou do mal-estar gerado após a bênção anterior, pois Esaú decidira matar Jacó assim que Isaque morresse (lembremos que Isaque achava que estava próximo de morrer) (Gn.27:41).
Ora, a bênção do Senhor enriquece e não acrescenta dores (Pv.10:22) e como a bênção realizada naquelas circunstâncias trouxe todo este estado de aflição na casa de Isaque, a ponto de o patriarca resolver mandar Jacó para Padã-Arã, temos um indício de que não foi aquela a bênção eficaz.
– A predileção por um dos filhos trouxe o ódio entre os irmãos. Esaú resolveu matar Jacó e, neste ponto, já se tornou homicida, pois basta haver o ódio que já se tem o homicídio aos olhos do Senhor (Cf. Mt.5:22; I Jo.3:15).
– Diante daquela situação, não houve outra solução senão mandar Jacó para Padã-Arã, onde, inclusive, poderia formar família com alguém da parentela, não misturando a semente santa de Abraão com os moradores pecadores de Canaã. Jacó partiu e nunca mais voltou para a casa de seus pais, lugar onde gostava de ficar, gosto, aliás, que o fizera predileto de Rebeca.
– Isaque teve de abençoar Jacó em lugar do seu predileto Esaú, submetendo-se, enfim, ao propósito divino, mas perdeu a convivência com o herdeiro das promessas de Abraão, não podendo ter, com ele, o convívio que tinha tido com seu pai e que lhe foi de grande valia. Ficava, assim, privado de exercer o papel que lhe cabia nesta sequência de patriarcas.
– A casa de Isaque se desfazia, estava arruinada enquanto família, porque não tiveram os pais o cuidado de serem imparciais e deixaram que seus gostos, suas afinidades se sobrepusessem à vontade divina.
– Onde há divisão, não há subsistência. Jesus disse que “toda casa dividida contra si mesmo cairá” (Mt.12:25;
Lc.11:17). A acepção de pessoas, a parcialidade, a predileção de um filho em relação aos outros provoca esta divisão e a ruína é certa e é o que vemos na família de Isaque e Rebeca.
– Jacó partiu para Padã-Arã. Esaú não ficou a conviver com os pais, pois logo se mudou para a terra de Seir, que passou a ser conhecido como o território de Edom (o outro nome de Esaú – Gn.25:30) (Gn.32:3), enquanto que Isaque morava em Hebrom (Gn.35:27).
– A casa de Isaque arruinou-se e tudo por causa da predileção dos pais por um filho. Não é este o comportamento que devemos ter. Bem ao contrário, devemos agir como o pai da parábola do filho pródigo (Lc.15:11-32).
– Ao contrário de Isaque e de Rebeca, este pai sempre tratou com imparcialidade ambos os filhos, tanto que, quando um deles, de forma ingrata e injusta, pediu a parte da sua “herança”, o pai o fez, dividindo por igual o que tinha, ainda que estivesse vivo e não se cuidasse de herança.
– A partir daquele dia, embora todo o seu patrimônio estivesse com o filho mais velho, que com ele ficara, nunca deixou de aguardar e desejar o retorno do filho mais novo, que, quando voltou, foi recebido com festa pelo pai, que o perdoou e se alegrou com todos por ter visto a restauração do filho.
– O filho mais velho queixou-se, mas sem razão, pois o pai lhe mostrou que não estava a agir com parcialidade, mas a se alegrar com a restauração do filho, ainda que o filho mais velho mantivesse seus bens, pois seus eram após a partilha.
– Isto é agir sem acepção de pessoas: sempre querer o bem-estar dos filhos, amá-los, perdoá-los, sempre lhes querer bem, mas jamais tolerar o pecado, jamais agir com injustiça, sempre atendendo ao propósito divino estatuído para a paternidade.
Pr. Caramuru Afonso Francisco
Fonte: https://www.portalebd.org.br/classes/adultos/9006-licao-2-a-predilecao-dos-pais-por-um-dos-filhos-i