INTRODUÇÃO
Poucos erros têm sido tão desastrosos do que a ausência de capacidade de relacionar o amor a Deus e à doutrina bíblica.
A verdade é que, quando o assunto é equilibrar áreas aparentemente opostas, não é uma tarefa fácil; entretanto, por tratar-se de temas centrais à vida cristã, como amor e doutrina, impõe-se essa necessidade, já que isso tem relação direta com a fonte, a base e a prática da vida de um cristão.
Diante dessa realidade e dessa necessidade, a Bíblia oferece caminhos por meio dos quais o crente seja orientado e capacitado a trabalhar no sentido de não incorrer no grave erro de polarizar essas duas dimensões igualmente importantes, mas tenha condições de equilibrá-las e, assim, cumpra a sua missão como parte da Igreja e agrade a Deus.
Certamente, a referência bíblica mais viva a esse respeito é a que se encontra na carta do apóstolo João à Igreja que estava em Éfeso, mesmo porque, além de ser um exemplo claro e direto de uma igreja que enfrentou difi culdade em equilibrar doutrina e amor fervoroso a Deus, essa referência bíblica reafirma a seriedade do assunto e apresenta o caminho pelo qual é possível que haja equilíbrio entre essas partes.
Sendo assim, este capítulo propõe uma análise a respeito deste assunto, mas sob uma perspectiva bem específica, oferecendo, inicialmente informações importantes sobre a igreja de Éfeso, especialmente sobre o seu zelo, isto é, o seu compromisso doutrinário.
Em seguida, já num deslocamento para a igreja da atualidade, mas ainda sob o exemplo da Igreja em Éfeso, a presente reflexão discorre sobre o perigo que a igreja corre de — ainda que inconscientemente — perder o primeiro amor pelo Senhor, bem como as suas implicações.
E, por fim, esta seção trata de apresentar sobre o que pode ser considerado o ponto alto dessa reflexão, já que encara a desafiadora missão de provar e alertar a Igreja de que, ao contrário do que muitos acreditam e, em certa medida, até estimulam, não há contradição entre doutrina bíblica e fervor espiritual — aliás, a partir dessa abordagem, espera-se que fi que claro que é impossível haver verdadeiro fervor espiritual separado da verdadeira doutrina, assim como é impossível que a sã doutrina seja ensinada sem que o amor a Deus não seja ativado no crente.
I – A IGREJA EM ÉFESO ERA FIRME NA DOUTRINA
Na carta enviada à igreja de Éfeso, o Senhor Jesus falou das virtudes dessa igreja, conforme registrado em Apocalipse 2.2,3,6.
Embora Jesus tenha elogiado essa igreja nas suas ações, já que ela era dedicada ao trabalho, assim como no seu comportamento diante das provações, haja vista que Ele destaca a sua paciência, a ênfase maior está na forma como a igreja em questão lidava com a doutrina, e, nesse caso, ela serve de exemplo.
Os crentes dessa igreja não toleravam os maus, representados pelos nicolaítas, que aderiram ao gnosticismo, macularam o cristianismo com vãs filosofias e com o misticismo, além do fato de que rejeitaram o sacrifício de Cristo.
Outra importante característica da igreja de Éfeso, conforme o testemunho do próprio Senhor Jesus, é de que ela havia colocado à prova aqueles que haviam rejeitado a sã doutrina, e, nesse contexto em especial, tanto a da Trindade como o valor da obra vicária de Cristo.
Com esse ato, essa igreja classificou os mentirosos, como clara demonstração de alinhamento com o Senhor, pois não tolerava o engano religioso, razão pela qual a igreja de Éfeso tem sido conhecida e elogiada pela sua firmeza doutrinária.
Sendo assim, esta primeira parte da presente reflexão começa com uma exposição sobre a igreja de Éfeso em si, passando pela apresentação dos principais desafios que ela enfrentou nos seus dias, culminando, assim, com a elucidação da sua firmeza doutrinária, mesmo que tenha sofrido tantos ataques dos falsos ensinos da época.
1. A igreja de Éfeso
A igreja a quem o Senhor Jesus advertiu sobre a falta de equilíbrio entre zelo doutrinário e fervor espiritual foi a que estava em Éfeso, ou seja, essa igreja vivia sob os ataques e a realidade daquela cidade — daí a necessidade em conhecermos, ainda que panoramicamente, aspectos fundamentais de como era a vida das pessoas naqueles dias dentro desse contexto efésio.
Em primeiro lugar, é preciso ter a informação de que, nos dias do apóstolo João, Éfeso era a cidade mais importante da Ásia Menor, contando com aproximadamente 250 mil habitantes, quantidade que, para aqueles dias, causava admiração em qualquer pessoa.
Além desse aspecto geográfico, é indispensável destacar que era em Éfeso que estava o suntuoso templo da deusa Ártemis/Diana, o que atraía visitantes e peregrinos, aquecendo, assim, a economia, além de, em níveis elevados, ditar a forma de vida da maioria das pessoas que ali habitavam, principalmente no que se refere à crença e comportamento.
Foi nessa importante e complexa cidade que Paulo, por ocasião da sua segunda viagem missionária, anunciou o evangelho, embora não tenha ficado muito tempo ali de acordo com o registro bíblico (At 18.19-21).
A evangelização efetiva e a consolidação da igreja nessa cidade aconteceram cabalmente durante a terceira viagem missionária de Paulo, ocasião em que passou aproximadamente três anos nela dedicando-se no fortalecimento da igreja, na preparação de obreiros e, principalmente, no aprofundamento das bases doutrinárias da Palavra de Deus (At 19).
Embora não haja uma referência direta à cidade de Éfeso e nem mesmo à igreja que ali estava, o comentário acima é a respeito de como essa igreja enfrentou e pôde, ainda que por um tempo, vencer as batalhas espirituais tão presentes e reais naquela localidade.
Foi nessa igreja que Áquila e Priscila desempenharam importante papel em, pelo menos, três frentes: 1) na implantação da igreja (At 18.18,19); 2) ao ceder a própria casa para que a igreja começasse os seus trabalhos (1 Co 16.19); e 3) no desenvolvimento da vida cristã e do ministério de Apolo (At 18.24-28).
A história do início da igreja em Éfeso tem uma beleza à altura sua importância.
2. A igreja de Éfeso e os seus principais desafios
Ainda que de forma panorâmica, a história sobre a origem da Igreja do Senhor Jesus em Éfeso foi comentada anteriormente, e é importante destacar que, desde o seu início, ela não teve dias fáceis; pelo contrário, ela sempre foi colocada à prova, principalmente pelo contexto em que aqueles irmãos estavam inseridos.
Portanto, qualquer análise a ser feita sobre a fé, a firmeza e os desvios dessa igreja devem ser realizada a partir desse contexto desafiador que marcava a grande e importante cidade de Éfeso. Não basta, no entanto, reconhecer que a igreja de Éfeso foi submetida a grandes desafios.
É preciso identificá-los, em primeiro lugar, porque isso evita que se faça juízo de valor equivocado a respeito daqueles irmãos para que não se cometa injustiça; em segundo lugar, isso também serve para que a igreja da atualidade tenha condições de aprender com o exemplo da igreja em questão.
Mas, afinal de contas, de que forma é possível identificar os desafios a que essa igreja esteve submetida nos seus dias?
Inquestionavelmente, a fonte mais segura de informação acerca das dificuldades que a igreja de Éfeso teve é a Bíblia Sagrada, mais especificamente a carta que Paulo escreveu e enviou aos seus membros, principalmente porque é por meio dos seus escritos que o apóstolo resolvia problemas, corrigia desvios doutrinários, reafirmava verdades doutrinárias, além de utilizar-se desse meio para encorajar irmãos à fidelidade, perseverança e alegria em Cristo.
Uma forma eficaz para conhecer os desafios da igreja de Éfeso pode ocorrer pelos temas centrais da carta aos Efésios, que, nesse caso, estão assim dispostos:
1) a salvação pela fé (2.8-10);
2) a realidade do Reino e da batalha espirituais (1.3; 6.10-20);
3) a unidade da fé (4.1-16);
4) a santidade (4.17-32); e 5) o relacionamento familiar e interpessoal (6.1-9).
A reafirmação da salvação pela fé, o alerta sobre a batalha em que a igreja está inserida, a necessidade vital da unidade cristã, a elevada responsabilidade da santidade e os aspectos gerais dos relacionamentos não são temas casuais, nem tampouco acidentais; muito pelo contrário, essas abordagens são específicas e foram levantadas pelo apóstolo a partir das principais dificuldades que a igreja daquela cidade estava enfrentando.
Há, no entanto, uma causa ainda maior por detrás dessas causas desafiadoras e que, nesse caso, era a influência direta da crença, liturgia e práticas em torno do templo da deusa Ártemis,2 muito além da influência dos diferentes povos que passavam pelo porto de Éfeso ou mesmo qualquer outra fonte de influência.
De acordo com o teólogo Elienai Cabral: “A vida cotidiana do povo era grandemente influenciada pela adoração desse ídolo.
A indústria e o comércio, e mesmo o lazer popular, encontravam em Artemis sua grande inspiração”.3
Essa deusa, cujo nome em grego é Ártemis e em latim é Diana, era o centro da estrutura religiosa e econômica de Éfeso, cuja crença e liturgia têm nas suas raízes a promiscuidade sexual.
Conta-se que famílias, incluindo marido, mulher e filhos, iam a Éfeso com substanciosas ofertas e presentes que eram entregues aos sacerdotes enquanto assistiam os rituais que envolviam práticas sexuais das mais variadas; daí a principal razão pela qual a estrutura familiar da sociedade efésia — e de outros lugares — era tão fragilizada, tornando o divórcio algo comum e banalizado.
Diante de tal cenário, o apóstolo Paulo tratou de fortalecer a fé em Cristo dos irmãos efésios, renovar as bases da unidade entre eles, sem deixar de incentivá-los a manter-se em santidade diante tamanha impureza naquela sociedade.
Com isso, fica evidente sob que circunstâncias a igreja de Éfeso foi desafiada a manter-se firme na doutrina e a manter aceso o fervor espiritual e o amor ao Senhor Deus.
3. A firmeza doutrinária da igreja de Éfeso
Historicamente, a igreja de Éfeso é uma das mais importantes e conhecidas da era primitiva da Igreja.
Isso não é casualidade, mas, sim, fruto do seu vigor espiritual, do seu comprometimento doutrinário e da sua relação com alguns dos principais líderes da história do cristianismo, que fizeram dela um referencial.
Além da lição que se pode apreender por meio da carta que Jesus enviou à igreja de Éfeso (Ap 2.1-7), as riquezas doutrinárias extraídas do contexto dessa igreja podem ser conhecidas mediante a carta que Paulo escreveu e enviou a ela, bem como as duas cartas que o mesmo apóstolo enviou a Timóteo, que, na ocasião, era pastor exatamente na igreja de Éfeso.
Note as seguintes informações que, juntas, contribuem para que haja uma visão ainda mais apurada sobre as bases doutrinárias tão bem firmadas sobre as quais a igreja de Éfeso estava firmada:
1) Paulo não se furtou ao dever de ensinar “todo o conselho de Deus” a essa igreja, não a privando de nada nesse sentido (At 20.27);
2) essa igreja foi pastoreada por Timóteo, obreiro que tinha a admiração do próprio apóstolo dos gentios (Fp 2.19-23); e 3) a razão pela qual Timóteo foi deixado em Éfeso foi para manter e proteger a boa doutrina (1 Tm 1.3,4).
Além disso, leve-se em consideração que João, o apóstolo amado, também pastoreou essa igreja — aliás, a partir dessa localidade, ele pôde escrever muito dos seus principais escritos doutrinários.
Não resta dúvida, portanto, de que a base doutrinária da igreja de Éfeso foi muito bem estabelecida e aprofundada, tendo sido isso, provavelmente, que fez com que ela supervalorizasse o zelo doutrinário, chegando a negligenciar o aspecto do fervor espiritual, vindo a incorrer no seriíssimo problema de perder o primeiro amor pelo Senhor.
Que Deus abençoe a sua aula e os seus alunos!
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Fonte: https://www.escoladominical.com.br/2024/02/08/licao-6-a-doutrina-e-o-amor-pelo-senhor/