INTRODUÇÃO
– Não há salvação sem arrependimento.
I – AS CIRCUNSTÂNCIAS DA PARÁBOLA E A PARÁBOLA PROPRIAMENTE DITA
– Na sequência do estudo das parábolas de Jesus, analisaremos a parábola do fariseu e do publicano, que é registrada somente por Lucas, em Lc.18:9-14.
– Já temos visto que Lucas é o evangelista que mais registra parábolas porque o uso de parábolas era uma demonstração eloquente da sabedoria de Cristo e apresentar Jesus como o homem perfeito para os gregos, que era o público visado pelo médico amado, era, sobretudo,
mostrar que se tratava de um homem sábio e, mais do que isto, da própria sabedoria de Deus (Lc.11:49) e esta, dentro da cultura helenística, era uma condição “sine qua non” para que o Senhor Jesus fosse aceito como Senhor e Salvador (I Co.1:22)
– Daí porque haver parábolas que somente foram registradas por Lucas, registro este que bem denota a influência que as parábolas tiveram no desenvolvimento da Igreja em seus primeiros tempos, pois nunca devemos nos esquecer de que o médico amado somente registrou aquilo que pôde comprovar por um bom número de testemunhas (Lc.1:1-4).
– Assim, o fato de Lucas ter sido o evangelista que mais parábolas registrou permite-nos inferir quanto as parábolas trouxeram conhecimentos espirituais para os discípulos de Nosso Senhor e Salvador, a ponto de, décadas depois de suas ministrações, estarem elas ainda vívidas na mente das pessoas e, o que é mais importante, servindo de diretrizes para a vida espiritual de cada um.
– Tais circunstâncias revelam quanto é importante que nós, quase dois milênios depois, tenhamos o mesmo cuidado de nos debruçar nas parábolas que o Espírito Santo mandou que fossem registradas pelos evangelistas sinóticos, sabendo que,
a exemplo dos discípulos dos tempos apostólicos, tais narrativas também nos desvendarão mistérios do reino dos céus (Mt.13:11), permitindo-nos ouvir, ver e compreender as coisas concernentes a Deus, a fim de que não endureçamos nossos corações e sejamos espiritualmente curados (Mt.13:11-15).
– A parábola do fariseu e do publicano, segundo os cronologistas bíblicos Edward Reese e Frank Klassen, foi proferida por volta de março de 28, quando o Senhor Jesus já Se encaminhava para o final de Seu ministério, parábola que teria sido proferida depois da parábola do juiz iníquo, quando retornou a Jerusalém depois de ter saído de lá ante a reação consequente à ressurreição de Lázaro (Jo.11:54; Lc.17:11).
– Tem-se aqui mais uma parábola em que o evangelista, antes mesmo de registrá-la, traz qual é o objetivo do Senhor ao contá-la.
Diz o evangelista que a narrativa foi feita para um público bem definido, qual seja, aqueles que confiavam em si mesmos, crendo que eram justos e desprezavam os outros (Lc.18:9).
– O Senhor disse que dois homens subiram ao templo a orar: um fariseu e o outro, publicano. O fariseu, estando em pé, orava consigo desta maneira:
ó Deus, graças Te dou, porque não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros, nem ainda como este publicano. Jejuo duas vezes na semana e dou os dízimos de tudo quanto possuo.
O publicano, porém, estando em pé, de longe, nem ainda queria levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: ó Deus, tem misericórdia de mim, pecador! Jesus completou a parábola dizendo que o publicano desceu justificado para sua casa, mas não o fariseu, pois quem se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado.
II – A INTERPRETAÇÃO DA PARÁBOLA
(I): A SUBIDA AO TEMPLO DOS DOIS HOMENS
– Jesus retornara para Jerusalém e sabia que tinha pouco tempo para completar o Seu ministério público. A oposição contra a Sua pessoa atingira o clímax com o milagre da ressurreição de Lázaro, tendo já sido decidido que Jesus deveria ser morto (Jo.11:47-53).
– Os discípulos do Senhor disso não sabiam, mas o próprio Cristo tinha de tudo conhecimento, porque, além de ser Deus e, portanto, onisciente, enquanto homem também estava cheio do Espírito Santo e o homem espiritual tudo discerne não sendo de ninguém discernido (I Co.2:14,15).
– Era, pois, extremamente necessário que, uma vez mais, o Senhor Jesus esclarecesse a questão a respeito da religiosidade, já que, sendo o Messias, tinha a forte oposição dos dois principais segmentos religiosos da época, que, aliás, compunham o Sinédrio, o principal órgão judaico daquele tempo:
os fariseus e os saduceus. Como explicar esta inimizade entre Cristo Jesus e aqueles que, teoricamente, deveriam ser os primeiros a reconhecer o Messias que era tão ansiosamente aguardado pelo povo de Israel?
– Esta triste realidade que foi presenciada pelo Senhor Jesus em Seus dias, também o é em nossos dias contemplada por Ele desde os altos céus e por tantos quantos O servem na atualidade.
Assim como em Israel havia aqueles que, devendo ser os primeiros a reconhecer a Jesus, foram os principais responsáveis pela Sua rejeição coletiva pelos israelitas (Jo.1:11), também hoje há aqueles que, dizendo-se cristãos, constituem-se em inimigos da cruz de Cristo (Fp.3:18,19) e que, muito provavelmente, serão identificados com a mesma vã religiosidade que Jesus denuncia na parábola que ora estamos a estudar.
– A parábola começa dizendo que dois homens subiram ao templo a orar. Nesta simples afirmativa do Senhor, vemos, de pronto, que, para Deus, não há acepção de pessoas (Dt.10:17; At.10:34).
Dois homens foram ao templo. Esta é a visão divina para a atitude daquelas duas pessoas. Elas se dirigem ao templo para orar, são dois homens, são dois seres humanos, são duas criaturas feitas à imagem e semelhança do seu Criador
– Deus estava a contemplar estes dois homens que haviam decidido ir à presença do Senhor, ir ao templo para orar.
Deus sempre está a contemplar os seres humanos e devemos ter a convicção de que o Senhor tudo presencia, tudo vê, tudo conhece.
Nada escapa aos olhos do Senhor e não foi por outro motivo que, na ilha de Patmos, ao ter a visão do Cristo glorificado, tenha o apóstolo João contemplado Jesus Cristo com “olhos como chama de fogo” (Ap.1:14), a mostrar que o Senhor não só tudo vê, tudo Lhe é absolutamente claro, como também está pronto a “provar os corações”, a fazer passar pelo “fogo” tudo quanto é praticado pelos homens.
– A princípio, ambos os homens estavam agindo corretamente, porquanto iam ao templo para orar.
O templo era o local apropriado para a oração, tanto que o Senhor o chamou de “casa de oração” (Is.56:7) e, por não ser assim tratada, gerou duas das mais fortes forte reações de indignação do ministério terreno de Cristo (Mt.21:12-17; Mc.11:15-18; Lc.19:45-48 e Jo.2:13-25).
– O Senhor, quando da dedicação do primeiro templo, já dissera que estaria atento às orações que fossem feitas no templo (I Rs.9:3; II Cr.7:14,15) e, portanto, o gesto de ir ao templo para orar nada mais era que uma expressão de confiança em Deus e em Suas promessas.
– A subida ao templo para orar, portanto, apresenta-se como uma atitude louvável e que, a princípio, agradava a Deus.
No entanto, ao lado da visão divina, que contemplava dois homens, o Senhor Jesus adicionou a “visão humana”, o olhar terreno, construído pela cultura, pelas normas geradas pelos seres humanos, com a inteligência e o domínio sobre a natureza que o Senhor deu à humanidade. Um dos homens era fariseu; o outro, publicano.
III – A INTERPRETAÇÃO DA PARÁBOLA
(II): O FARISEU
– O primeiro homem a ser identificado com as “lentes humanas” pelo Senhor Jesus é o fariseu.
– Os fariseus constituíam-se no principal e mais popular segmento religioso judaico nos dias de Jesus e são os ascendentes diretos do judaísmo hoje existente no mundo, pois, dos segmentos religiosos, foi o único que sobreviveu à destruição do Templo em 70 e às guerras subsequentes com os romanos que levaram à expulsão dos judeus de Canaã no ano 135.
– Os fariseus tiveram a sua origem no período intertestamentário, ou seja, o período entre Malaquias, o último profeta literário do Antigo Testamento, e João Batista, o último profeta da lei, período em que o Senhor não levantou nenhum outro profeta, o chamado “silêncio profético”, período que havia sido profetizado seja por Amós (Am.8:11,12), seja pelo próprio Malaquias (Ml.4:4-6).
– A ausência de profecia tem como consequência inevitável a corrupção do povo (Pv.29:18) e esta corrupção do povo de Israel está testemunhada claramente na história deste período, como nos dá conta, entre outros registros, os escritos do historiador judeu Flávio Josefo (37 ou 38-100).
– Vivendo sob o domínio de outros povos (Ne.9:33-37), os judeus eram constantemente assediados por doutrinas e filosofias de outros povos e alguns, principalmente os que compunham a elite do país, sucumbiam a estas tentações, adotando crenças e princípios que não estavam de acordo com a lei de Moisés.
– É neste contexto que surgem os “fariseus”, palavra cujo significado é de “separados”, “santos”, pessoas que se levantaram contra esta tentativa de assimilação cultural dos judeus.
Foram os fariseus, sem dúvida, a principal parcela do povo judeu que impediu que Israel perdesse a sua identidade como nação diante dos demais povos, isto numa época em que imperava a mistura de culturas, o chamado “sincretismo cultural”, propiciado pela junção das culturas ocidentais e orientais a partir das conquistas militares de Alexandre, o Grande, rei da Macedônia e que dominou praticamente todo o mundo conhecido de então, inclusive a terra de Canaã.
OBS: “…Estamos no período conhecido como interbíblico, período que vai do último profeta do Antigo Testamento, que foi Malaquias (428 a.C.) até o anúncio do nascimento de João Batista (7 a.C.).
Os judeus estavam divididos em dois grupos: os helenistas, isto é, os que abdicaram da lei judaica e se paganizaram.
Esse grupo era tido como os intelectuais, não acreditavam em ressurreição, nem em anjos, nem em espírito, e mais tarde ficaram conhecidos como os saduceus (At.23:6-9).
Outro grupo, os judeus ortodoxos, que não abriam mão de sua ortodoxia.…” (OLIVEIRA, José Serafim de. Daniel: profecias atuais, p.175).
– Os “fariseus”, neste seu zelo extremado para observar a lei de Moisés e para evitar toda e qualquer mistura com as culturas gentílicas, acabaram por construir o que denominaram de “cerca de Torá”, ou seja, uma série de preceitos e mandamentos que “reforçavam” os ditames da lei, que geravam um sem-número de novas regras para servirem de “prevenção” à prática do pecado.
– Os fariseus procuravam, então, seguir, não só os 613 mandamentos da lei mosaica, como também a série de mandamentos “preventivos”, que tinham por finalidade “garantir” o cumprimento da lei e, ao longo dos anos, foram os “fariseus” adquirindo uma imagem de santidade entre o povo, a ponto de ser considerada a mais severa de todas as seitas judaicas (At.26:5).
– Os fariseus eram extremamente escrupulosos, procuravam ser extremamente zelosos no cumprimento da lei, a ponto de, como já dissemos, criar mais um número grande de regras a serem observadas para que não se tivesse o mínimo receio de descumprimento da lei divina.
Assim, por exemplo, criaram 39 regras a respeito da guarda do sábado, como “adicionais” aos mandamentos, advindo daí a acusação contra o Senhor Jesus de que Este infringia o sábado, o que sabemos não ser verdade, pois o Senhor Jesus jamais deixou de cumprir a lei.
– O fato de os fariseus construírem uma “cerca para a Torá” revela que haviam tomado um rumo equivocado no seu relacionamento com Deus.
Ao estabelecer “mandamentos adicionais”, “mandamentos preventivos” para evitar a quebra da lei e a prática do pecado, na verdade, os fariseus estavam a considerar que a lei de Moisés era insuficiente, de que Deus era falho e que precisava de regras humanas para “garantir” a justificação de alguém.
Apesar de o Senhor, por diversas oportunidades, dizer que os Seus mandamentos conferiam vida (Dt.30:15,19,20; 32:47)., os fariseus, de modo presunçoso, acharam ser santos o bastante para “complementar” os mandamentos divinos.
– Assim, os fariseus não se diferenciavam dos gentios de quem eles procuravam se distinguir, se diferenciar.
Com efeito, se os gentios buscavam ter um relacionamento com Deus ao seu próprio modo, da sua própria maneira, crendo que os homens podem se religar ao seu Criador única e exclusivamente com base em sua inteligência e em seu entendimento, gerando, então, uma “religião”, que é, precisamente,
esta tentativa humana de se restaurar a comunhão entre Deus e os homens, os fariseus, de igual maneira, ao “completarem” a lei, também criavam uma “religião” de origem humana, que, por meio de obras e pensamentos humanos, entendia ser possível estabelecer uma comunhão com Deus.
– O fariseu era, portanto, um homem “religioso”, ou seja, alguém que crê que a comunhão com Deus, a amizade com o Criador se estabelece por intermédio da “religião”, um conjunto de regras, rituais, cerimônias e crenças criados pelos homens e que os homens creem serem suficientes para alcançar a benevolência e a amizade divinas.
– É por isso que a parábola é dirigida àqueles que confiam em si mesmos, crendo que são justos e que desprezam os outros (Lc.18:9).
A “religiosidade” é esta crença naquilo que é elaborado e criado pelo homem e que o religioso tem certeza de que é suficiente para lhe conceder a justiça e a resolver o seu problema de comunhão com Deus.
– Para os “religiosos”, é a “religião”, este conjunto de regras, rituais, cerimônias e crenças que constitui a justiça de alguém.
Alguém será justificado pelo que faz e, deste modo, mantém comunhão com Deus, alcança a benesse e a benevolência da divindade, divindade que é como que “obrigada” a aceitar a santidade e a justiça desta pessoa religiosa, já que são cumpridas à rica as normas estabelecidas na “religião”.
– Os fariseus eram tidos e havidos como “homens santos” pelo povo judeu, considerados “modelos de santidade”, “padrões de virtude”, tendo, sempre, uma aparência de superioridade espiritual diante da população.
– Por isso, não foi surpresa os ouvintes de Cristo ouvirem a narrativa de um fariseu que tinha ido ao templo para orar, era algo que os judeus observavam diariamente, algo extremamente corriqueiro e que frequentava o cotidiano dos ouvintes do Senhor, como era, aliás, próprio dos elementos de uma parábola.
– Este fariseu chegou ao tempo, tendo orado consigo desta maneira: ó Deus, graças Te douto, porque não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros, nem ainda como este publicano (Lc.18:11).
– Por primeiro, observemos que o fariseu agia como todo e qualquer judeu que se dirigia ao templo para orar: orou em pé.
A posição de oração, normalmente, naquela época, era em pé e não de joelhos, como defendem alguns que, inclusive, contrariamente ao que está nas Escrituras, dizem que somente de joelhos é que se deve orar e que Deus não aceitaria orações em outra posição.
– A oração de joelhos era possível, mas extremamente rara, máxime quando se estava no templo, em local onde não se apresentava como própria para a genuflexão, seja pela quantidade de pessoas que o frequentavam diariamente, seja pela própria organização do espaço, com toda a necessidade de sacrifícios e observância dos demais rituais do cotidiano do templo.
– Gravuras antigas achadas por arqueólogos apontam que não só entre os judeus mas também entre os cristãos primitivos, a posição em pé era comum para os momentos de oração, de modo que não se pode dizer que o fato de o fariseu estar em pé ao orar era uma demonstração de sua soberba, até porque Jesus faz questão de dizer que o publicano também orou nesta posição (Lc.18:13).
– Jesus também diz que o fariseu orou consigo, ou seja, não levantou a voz para orar, o que também não é observado, vez por outra, por alguns que pregam ou ministram estudos a respeito desta parábola, que costumam dizer que o fariseu orou em voz alta para se exaltar diante dos que estavam à sua volta e humilhar o publicano. Isto não foi dito pelo Senhor na parábola e, portanto, jamais deve ser ensinado ou pregado.
– O fariseu, em pé, orava consigo e, assim agindo, fazia como todos os demais, demonstrando ser, assim, uma pessoa que seria “consciente” de sua pecaminosidade, da necessidade de reverência quando se encontrava diante de Deus, que bem conhecia a solenidade daquele momento.
– Ao agir desta maneira, o fariseu passava, sim, uma imagem de santidade, até porque os fariseus se notabilizavam pelo uso de vestes que denunciavam a sua pureza ritual, como também faziam questão de se manter separados dos demais, para realçar a sua condição espiritual supostamente elevada.
– No templo, porém, não tinha como se desvencilhar das demais pessoas, caso fossem elas judias, já que a separação que havia era apenas entre judeus e gentios, que ficavam confinados num pátio, separados por um muro, muro a que Paulo faz alusão em Ef.2:14. Por isso, nós vamos encontrar praticamente lado a lado o fariseu com o publicano, companhia que jamais o fariseu se permitiria, caso pudesse evitá-la.
OBS: “…Os gentios estavam autorizados a entrar na parte externa da área delimitada do templo em Jerusalém.
Essa grande área pavimentada em volta do templo e seus átrios internos eram delimitados por uma colunata dupla de pilares de 10 metros de altura. O perímetro dessa área media 900 metros.
Esse pátio externo também era chamado de pátio dos gentios. Mas os gentios eram fisicamente proibidos de acessar os pátios internos do templo por uma barreira de 1,4 metro de altura (o “muro de inimizade”, de Efésios 2:14).
O historiador judeu Flavio Josefo informa que 13 placas de pedra com inscrições em grego e em latim foram colocadas ao longo da barreira, advertindo os gentios a que não entrassem. Nas palavras de Josefo: 1Havia uma divisão feita de pedra (…).
Sua construção era muito elegante; sobre ela, ficavam pilares, em distâncias iguais entre um e outro, anunciando a lei de pureza, em grego e em outras letras romanas, dizendo que ‘nenhum estrangeiro deveria entrar no santuário’” (Guerras, 5.5.2).
Os arqueólogos descobriram duas dessas placas de aviso, que dizem: “Nenhum estrangeiro tem permissão de entrar na balaustrada em torno do santuário e do pátio. Quem for pego, será responsável por sua decorrente morte”.
Esse muro divisor teve grande significado para Paulo, que foi preso em Jerusalém por supostamente levar um gentio para o pátio interno do templo (Atos 21:16-30). Paulo e outros cristãos judeus reconheciam que o Deus que havia anteriormente residido no templo havia entrado na humanidade na pessoa de Jesus, o Messias.
A morte de Jesus na cruz e sua ressurreição haviam, na verdade, rompido o muro divisor, efetuando unidade espiritual entre judeus e gentios.
Como resultado, Paulo sabia, todas as pessoas tinham acesso garantido a Deus por meio da fé salvadora em Jesus Cristo. Fonte: Bíblia de Estudo Arqueológica, pág. 1917 apud Arqueologia Bíblica – Ciência e Fé. Disponível em: https://www.facebook.com/429160870510637/posts/o-muro-divisor-do-p%C3%A1tio-dos-gentios-no-templo-de-herodespois-ele-%C3%A9-anossa-paz-o/739099039516817/ Acesso em 30 ago. 2018).
– Quem olhasse o fariseu, entenderia tratar-se de uma pessoa santa, humilde, que, como demonstração de sua santidade, estava ali orando, compenetrado, reconhecendo a soberania divina e se relacionando com o Senhor, com quem tinha intimidade. Entretanto, era uma aparência enganosa.
– Na sua oração, o fariseu estava agradecendo a Deus porque não era como os demais homens. Ele se considerava justo, diferente de todo e qualquer próximo, para nos utilizarmos de uma expressão popular, “o cara”, o único justo sobre a face da Terra, a pessoa mais santa que existia.
Em vez de voltar-se para Deus, tremer diante da presença do Senhor, em vez de reconhecer a própria pequenez, o fariseu voltou-se única e exclusivamente para si mesmo, considerando-se a medida de toda a justiça, o referencial de toda espiritualidade.
– O fariseu mostrava-se um soberbo, alguém que se orgulhava de si mesmo, de sua própria justiça, alguém que, a rigor, nem necessitava de Deus, que seria tão somente responsável pela sua existência, existência que era o exemplo de santidade e justiça.
– O fariseu, olhando para si, via apenas virtude, justiça e santidade, enquanto que, ao olhar para os demais homens, via-os como roubadores, injustos e adúlteros. Todos os outros, sem exceção, eram pecadores. Só ele era santo, só ele mantinha comunhão com o Senhor.
Tinha tornado uma maneira de viver aquilo que o profeta Elias tinha pensado de si mesmo mas que, ainda a tempo, pôde ser dissuadido pelo próprio Deus (I Rs.19:10-18).
– E, ainda arrazoando em seu coração, como que para retaliar aquele desconforto de estar próximo a um publicano, considerou o publicano que havia subido ao templo para orar e ficado perto dele, como o mais indigno dos homens.
– Mas não era só isso não! O fariseu tinha um troféu a apresentar a Deus: ele jejuava duas vezes por semana e dava dízimos de tudo quanto possuía (Lc.18:12).
– Como toda pessoa “religiosa”, o fariseu queria mostrar ao Senhor que estava a cumprir rigorosamente as regras e exigências da religião e, portanto, tinha “créditos” diante do Criador.
– Jesus não escolhe aleatoriamente, dentre as inúmeras prescrições farisaicas, o duplo jejum semanal para ilustrar isto em sua parábola.
O jejum cerimonial, embora rigorosamente observado pelos fariseus nesta forma de duplo jejum semanal, não era uma criação deles, mas uma tradição que surgira ainda no tempo do primeiro templo, como salientaIs.58 e que se intensificou no cativeiro da Babilônia, como se pode verificar de Zc.7.
– A prática do jejum cerimonial estava ligada à ideia de que, em havendo jejum, o homem poderia como que “constranger” o Senhor a tomar esta ou aquela atitude no sentido pedido pelo que jejuava, ou, ainda, seria uma expressão de santidade e de justiça da pessoa diante do Senhor.
– O jejum cerimonial apresentava-se, portanto, como uma declaração de autojustiça, um atestado de santidade, algo que, ainda hoje, é corriqueiro entre alguns que cristãos se dizem ser que se consideram mais santos porque praticam jejum regularmente ou consideram quem assim o faz como “mais santos” e “mais espirituais” que outros.
– Em Is.58, o profeta traz uma dura mensagem a pessoas que tinham esta mentalidade, dizendo que Deus não aceita um comportamento que troca a prática da justiça e da piedade pelo jejum cerimonial, que apresenta um sacrifício como demonstração de santidade sem que o comportamento corresponda a este período de abstenção alimentar.
O Senhor disse preferir um comportamento solidário, de amor ao próximo a qualquer medida penitencial religiosa vazia e que não corresponde ao padrão de conduta exigido por Deus em Sua Palavra.
– Em Zc.7, também, o Senhor manda o profeta Zacarias dizer que o Senhor considerava de valia nenhuma o jejum cerimonial instituído para o quinto e sétimo meses do ano desde a destruição do templo, com vistas à reconstrução da casa, já que tal jejum havia sido movido tão somente para que eles se sentissem livres para cometer toda a sorte de impiedade, notadamente contra o próximo.
– Esta aversão ao jejum cerimonial já havia sido alvo de ensinos pelo Senhor Jesus no sermão do monte como se verifica de Mt.6:16-18.
– Dentro desta tradição do jejum cerimonial, os fariseus haviam estabelecido o duplo jejum semanal, que é o mencionado na parábola. Como afirma Russell Norman Champlin (1933-2018):
“Os fariseus, entretanto, forçavam essa forma de ascetismo, repetindo-a duas vezes por semana — nas segundas e nas quintas-feiras, durante as semanas entre a páscoa e o pentecoste, e também entre a festa dos tabernáculos e a festa que comemorava a dedicação do templo.…” (O Novo Testamento interpretado versículo por versículo, v.2, com. Lc.18:12, p.176).
– Este jejum visava, como afirma o Senhor Jesus, no sermão do monte, única e exclusivamente a vanglória, o reconhecimento de todos que estavam à sua volta de que a pessoa que jejuava era mais santa que as demais, era piedosa, era um exemplo de adorador, recebendo, assim, desde já, o seu galardão, a sua recompensa, o seu prêmio. Não buscavam adorar a Deus, mas, sim, ser como que “adorados” pelos homens com tal prática, o que é abominável aos olhos do Senhor.
– De igual modo, a menção à prática do dízimo estava a demonstrar outra conduta que era supremamente valorizada pelo farisaísmo, a ponto de Jesus ter mencionado, no Seu duro discurso contra os fariseus, a extrema meticulosidade com que os fariseus buscavam cumprir a regra do dízimo, chegando, mesmo, a dizimar até os temperos utilizados na alimentação (Mt.23:23).
– Enquanto se apegavam a estas normas, criadas pelos homens, desprezavam o mais importante da lei, aquilo que realmente importava, até porque era o que havia sido exigido pelo Senhor, como a prática do amor ao próximo, próximo que era completamente negligenciado nesta religiosidade formal, egoísta e soberba.
IV – A INTERPRETAÇÃO DA PARÁBOLA
(III) : O PUBLICANO
– A segunda personagem da parábola, o outro homem que subiu ao templo para orar era um publicano. Certamente, os ouvintes de Cristo ao ouvirem a respeito desta personagem, ficaram surpresos e admirados, pois um publicano não era exatamente quem esperavam eles que fosse ir ao templo para orar.
– Os publicanos eram os cobradores de impostos, aqueles que aceitavam servir os dominadores estrangeiros que espoliavam o povo judeu. Os publicanos eram mal vistos pelo povo por algumas razões.
– A primeira delas é que os publicanos eram cobradores de impostos e, como tal, não seriam simpáticos aos olhos do povo, como até hoje não o são os fiscais de tributos.
A presença de um cobrador de impostos traz, sempre, a ideia da exploração, do empobrecimento, da retirada de bens adquiridos com sacrifício e suor, bens estes que, já se sabe, estão longe de serem única e exclusivamente direcionados para o bem-estar da sociedade, para o sustento das atividades públicas.
– A segunda delas é que os publicanos eram considerados traidores da nação judaica, porque eram os agentes dos dominadores estrangeiros (os romanos nos dias de Jesus) para o empobrecimento da nação. Sendo judeus, contribuíam para que os seus compatriotas fossem explorados, empobrecidos, postos na miséria.
Em nome de vantagens econômico-financeiras, os publicanos aceitavam prejudicar os seus irmãos, sendo, então, considerados grandes pecadores, já que a lei mandava cuidar bem do estrangeiro que morasse entre os israelitas, quanto mais deveria ser o cuidado para com os próprios filhos de Israel.
– A terceira delas é que os publicanos eram conhecidos pela sua corrupção, tanto que o próprio Zaqueu, notório publicano que se converteu, espontaneamente confessa que devolveria quadruplicado aquilo que havia indevidamente furtado (Lc.19:8) e a restituição quadruplicada era devida no caso de furto.
Sendo notórios ladrões, portanto, eram tidos como grandes pecadores, já que o furto é proibido por um dos chamados “dez mandamentos”, as principais regras da lei mosaica.
– A quarta delas é que os publicanos eram considerados pessoas impuras, pois viviam a manusear moedas gentílicas, moedas com efígies de divindades greco-romanas, material que o farisaísmo considerava altamente impuro, sem falar no fato de que os publicanos estavam em constante e direto contato com os gentios, ante a sua condição de cobradores de impostos.
– Falar, portanto, em publicano indo ao templo para orar era algo que, para os parâmetros populares e sociais da época, inusitado e surpreendente.
Mas, afinal de contas, como o Senhor estava contando uma parábola a respeito dos que confiam em si mesmos, quem seria mais apropriado para se apresentar como o autoconfiante senão aquele que amealhava riquezas para si e confiava nos dominadores estrangeiros, senhores do mundo de então, para prosseguir a sua vida de rapinagem e luxúria?
– O publicano, assim como o fariseu, pôs-se em pé e começou a orar, oração na posição comum, como já dito supra.
No entanto, diz o Senhor Jesus, que ele nem sequer se atreveu a levantar os olhos para o céu, mas, de cabeça baixa, começou a bater no peito e a dizer, muito provavelmente em voz audível: “ó Deus, tem misericórdia de mim!”
– O publicano, apesar de ser uma “autoridade”, de ter ao seu lado os dominadores estrangeiros, de ser uma pessoa de posses, não levou nada disso em conta quando se apresentou diante de Deus, mas, ao revés, entendeu ser uma pessoa miserável, carente, necessitada do perdão divino, da misericórdia do Senhor.
Reconheceu que era um pecador, que, como tal, merecia a morte, e, por isso mesmo, sem nem ousar levantar os olhos para o céu, clamava por misericórdia e de forma audível, sem vergonha alguma de denunciar a todos quantos estavam à sua volta de que era um pecador necessitado da misericórdia de Deus.
– Que surpresa para os ouvintes! Além de ter subido ao templo para orar, o publicano admitia ser um pecador!
– O olhar do publicano era tão somente para si e para Deus. Olhando para si, via um pecador, alguém que estava numa situação miserável, que merecia a morte por causa do seu pecado.
Olhava para Deus, ou melhor, nem se atrevia a olhar para Deus, porque via no Senhor um ser santo, infinitamente superior ao homem, digno de justiçar o homem, de aplicar-lhe a pena pela sua pecaminosidade, mas que também era um Deus de amor, pronto a perdoar quem se arrependesse e confessasse as suas culpas.
– O publicano sabia da vaidade que é esta terra e tudo o que ela contém e, portanto, bem conhecia que sua posição perante os dominadores estrangeiros, seus bens e a segurança de que gozava, apesar da impopularidade, nada eram diante do Senhor que Se fazia presente no lugar por Ele escolhido para estar atento a todos quantos viessem ao Seu encontro.
O publicano sabia que nem nada poderia se considerar, pois todas as nações, juntas, são menos do que nada (Is.40:17; 41:24), que dirá um tão pobre pecador!
V – OS ENSINAMENTOS DA PARÁBOLA
– Após descrever as atitudes do fariseu e as do publicano, o Senhor Jesus aí que surpreende os ouvintes, visto que afirma que o publicano desce do templo justificado, ou seja, teve perdoados os seus pecados, enquanto que o fariseu não alcançou o perdão divino.
– O Senhor Jesus, então, explica que quem humilha será exaltado mas quem se exalta será humilhado.
O segredo estava em se reconhecer pecador, em admitir sua condição pecaminosa, sua culpa e em pedir a misericórdia divina, o perdão dos céus, já que o Senhor, por um ato de infinita bondade, apesar da pecaminosidade humana, Se dispunha a ficar atento às orações do templo, o lugar que Ele havia escolhido para Se apresentar ao povo de Israel.
– As práticas religiosas, tão enaltecidas em sua oração silenciosa pelo fariseu, nada significavam, nada valiam, nada representavam para Deus, o mesmo Deus imutável que diz que as justiças dos homens nada mais são que trapos de imundícia (Is.64:6).
– Tudo que é criado pelo homem, imaginado pelo homem, concebido pelo homem está condenado a ser recusado por Deus, pois não passa de uma criação proveniente de um ser que está escravizado pelo pecado e pelo maligno (Gn.4:7; Jo.8:34).
– Mister se faz que reconheçamos a nossa triste, lamentável e irreversível situação e que, diante de tal reconhecimento, como fez o publicano (personagem que nenhum ouvinte de Jesus cogitaria em achar ser justo, mas que era um verdadeiro “ícone” do pecado na cultura judaica), obtenhamos o perdão de nossas faltas e possamos ser justificados.
Nós não somos justos, somos pecadores, mas se confessarmos os nossos pecados, Deus é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça (I Jo.1:9).
– É preciso que haja o arrependimento, ou seja, a “metanoia”, a mudança de mente, a mudança de atitude, o reconhecimento do estado pecaminoso e a disposição para alteração de vida, de maneira de viver.
Este arrependimento é a “humilhação” de que fala o Senhor Jesus, o desprendimento do “eu”, o reconhecimento de que não podemos fazer coisa alguma sem o Senhor (Jo.15:5 “in fine”).
– Torna-se absolutamente necessário reconhecermos que não somos melhores do que qualquer ser humano, que somos uma verdadeira nulidade e que somente reconhecendo isto e nos aproximando do Senhor clamando por Sua misericórdia, através da qual não receberemos o que merecemos pelos nossos pecados, teremos condição de, pela graça, que é o favor imerecido, recebermos o perdão e a comunhão com Ele, algo que receberemos sem merecer.
– De nada adianta o que as pessoas pensam de nós, é absolutamente irrelevante tudo quanto fizermos, advindo de criação humana, para querermos agradarmos ao Senhor. Temos de nos arrepender para alcançar a justificação.
Não é por outro motivo que a mensagem do Evangelho, que começou a ser pregada pelo Senhor, é objetiva e sucinta: Arrependei-vos. Se não o fizermos, sairemos como o fariseu, sem a justificação. Que Deus nos guarde!
Ev. Caramuru Afonso Francisco
Fonte: http://www.portalebd.org.br/classes/adultos/3046-licao-6-sinceridade-e-arrependimento-diante-de-deus-i
Vídeo: https://youtu.be/AGcWTBsLsfk