INTRODUÇÃO
A Palavra de Deus ensina-nos como usar a linguagem de modo coerente com os valores que cremos. Isso quer dizer que o ato de falar revela muito do que somos e, ao mesmo tempo, traz consequências para nós e para os outros; por isso, a linguagem aparece como um assunto importante na Bíblia. Em Provérbios, é ensinado que é sábio exercer domínio sobre ela.
A Palavra de Deus também nos ensina a educar a língua. Isso mesmo, a língua deve ser educada, domesticada e disciplinada. Saber falar na ocasião adequada e da forma adequada revela um aspecto da sabedoria.
Esse entendimento mostra-se compreensível quando nos conscientizamos de que com nossa língua podemos abençoar pessoas, edificar vidas e até animá-las para sair de uma situação difícil; em contrapartida, podemos amaldiçoar pessoas, desconstruir vidas e desanimá-las para afundar mais ainda em uma circunstância difícil.
Neste capítulo, teremos como base três trechos bíblicos de Provérbios que têm em comum as palavras que saem da boca; trata-se dos capítulos 10, 15 e 17. Por meio deles, faremos um contraste entre a linguagem do tolo e a linguagem do sábio. Com base nesse contraste, perpassaremos toda nossa reflexão a respeito de como devemos usar nossa língua de modo que glorifique a Deus e edifique a vida de nosso próximo.
I – A BOCA DO SÁBIO E A BOCA DO TOLO
1. O modo de falar do sábio e do falto de entendimento
O capítulo 10 de Provérbios traz um contraste entre o sábio e o tolo. A ideia aqui é a de que é possível perceber o “modo tolo” de falar, bem como podemos distinguir o “modo sábio” de comunicar-se. Dessa maneira, a comunicação por meio da palavra revela muito quem somos. Ela revela o que pensamos, o que sentimos e o que desejamos.
A linguagem revela nosso coração e, por isso, revela muitas vezes nossa verdadeira identidade. É verdade que há os que aprendem a maneira de simular e subverter sistematicamente a linguagem, escondendo-se por trás dela. São pessoas que usam expressões que comunicam algo que tenha duplo sentido, de modo que, logo em seguida, justificam-se de que não pensaram “assim” e não desejaram falar “assado”. A
linguagem, principalmente na atualidade, tornou-se um instrumento de manipulação em que muitos procuram subvertê-la de todo modo, seja por interesses pessoais, seja por interesses políticos. Nesse aspecto, a linguagem é um instrumento de poder.
Os versículos 11 a 14 de Provérbios 10 apresentam o contraste mais específico entre o modo sábio de falar e o tolo: “A boca do justo é manancial de vida, mas a violência cobre a boca dos ímpios” (v. 11). Aqui, há um ensino que revela uma dualidade: uma maneira de bem usar a linguagem e uma forma maligna de comunicar alguma coisa.
O versículo 11 apresenta o discurso disciplinado, ordeiro, manso e celestial que promove a vida como a expressão do sábio, ao mesmo tempo que revela o discurso indisciplinado, terreno e contencioso como verdadeira expressão do tolo.
Em linguagem do Novo Testamento, podemos dizer que a linguagem de maneira disciplinada, ordeira e equilibrada está na categoria do fruto do Espírito, em que o Santo Espírito domina nosso interior, nossa natureza. A vida no domínio do Espírito produz uma linguagem temperada (Rm 8.5).
Por outro lado, a linguagem indisciplinada, desordeira e desequilibrada revela a obra da carne dominando o interior da pessoa. A vida na carne produz uma linguagem destemperada, centrada nos impulsos (Rm 8.6,7).
Provérbios mostra-nos que o sábio tem um discurso disciplinado, ordeiro, manso, de caráter celestial, pois o seu coração tem como centro o temor do Senhor (Pv 1.7), estando acima das expressões malignas que revelam apenas o instinto mais primitivo do ser humano.
Por isso, diferentemente do tolo, que deseja dirigir-se de maneira desaforada ao outro, o sábio está disposto a suportar os insultos e difamações sem reagir ou entrar no mesmo nível do agressor (Pv 10.12). Diferentemente do sábio, o falto de entendimento não perdoa; muito pelo contrário, inflama-se e produz palavras torpes, que incendeiam o ambiente, levando-o ao contexto de uma confusão generalizada (Pv 10.13,14).
2. O que os lábios falam e o coração busca?
O capítulo 15 de Provérbios, especificamente dos versículos 1-7 e 14, mostra algumas características da linguagem do sábio. Nesse trecho bíblico, temos algumas expressões que caracterizam essa linguagem: “resposta branda”, “adorno de sabedoria”, “língua saudável”, “prudentemente”. Essas expressões revelam um espírito humilde, terno
e ponderado. O mesmo trecho de Provérbios também apresenta algumas expressões que caracterizam a linguagem do tolo: “palavra dura”, “derrama a estultícia”, “perversidade”, “perturbação”. Essas expressões revelam um espírito arrogante, desaforado e desponderado.
Todas essas expressões em Provérbios revelam respectivamente o coração do sábio e o do tolo. Elas também revelam uma vida vivida no Espírito e uma vida vivida na carne. Dessa forma, os olhos do Senhor contemplam tanto os maus quanto os bons, principalmente a forma como cada um usa a linguagem (v. 3).
O versículo 3 mostra que o Senhor enxerga de perto (contempla) nossas ações, comportamento e, nesse caso específico, o uso de nossa linguagem. Ele contempla de perto como fazemos o uso de nossa língua.
A expressão “contempla” traz uma conotação de alguém que está “prestando atenção” para tomar uma ação a respeito do que fazemos — no caso desse trecho de Provérbios, uma ação a respeito do uso da linguagem. Isso significa que somos contemplados pelo Senhor enquanto falamos e que toda nossa linguagem será pesada na balança.
O trecho bíblico de Provérbios 15 mostra que o sábio “observa prudentemente” a correção do seu pai (v. 5), que o andar com justiça fará com que ele encontre um grande tesouro (v. 6) e que os lábios de quem é sábio derramarão conhecimento (v. 7); por fim, o centro da sua vida, isto é, o coração, buscará esse conhecimento. Dessa forma, a linguagem do sábio revela um coração que busca sinceramente a sabedoria; já a do tolo, um coração completamente indiferente à busca do que faz bem à alma e eleva o pensamento (vv. 7,14).
3. É possível controlar a língua
Provérbios 17.27,28 mostra-nos o valor de uma fala ponderada, disciplinada e cuidadosa. Saber ficar calado, principalmente no presente século, é uma das disciplinas mais importantes para desenvolver um espírito manso, suave e pacífico sob a direção do Espírito Santo (Mt 5.9).
Dependendo da intensidade, quanto mais se fala, mais a alma fica agitada e transtornada. Por isso, há sabedoria nesta expressão: “Retém as suas palavras” (v. 27). Faz parte da linguagem de uma pessoa sábia usar a língua no tempo certo e no ambiente adequado (v. 27). A prática de calar-se é tão “poderosa” que até mesmo o tolo se sai por sábio se agir dessa forma (v. 28). Por isso, o uso da língua
pode revelar o que está no centro do coração de alguém, isto é, se a sua motivação é terrena, animal e diabólica, ou se pura, pacífica e moderada (Tg 3.17). A pureza, a paz e a moderação são características que identificam a linguagem sã de um sábio bíblico sob o domínio do Espírito Santo.
II – A LINGUAGEM DE UMA PESSOA TOLA
1. O que a linguagem revela?
Os textos que estudamos no tópico anterior (Pv 10, 15 e 17) fazem um claro contraste entre a linguagem do sábio e a do tolo. Nesse contexto, a linguagem recebe uma importância grande na sociedade em que vivemos; por isso, é muito relevante refletir a respeito do papel da linguagem em nossos dias.
Com linguagem, referimo-nos, em sentido amplo, a qualquer processo de comunicação que envolva expressões (faciais, corporais), palavras e símbolos.
Usamos, contudo, a conotação enfatizada pela Linguística, que, como bem conceitua o professor Rocha Lima, “apresenta interesse aquele tipo de linguagem que se exterioriza pela palavra humana, fruto de uma atividade mental superior e criadora” (LIMA, 2011, p. 35). Esse tipo de expressão linguística acontece de maneira falada ou escrita. Aqui, referimo-nos mais à maneira falada.
O conceito apresentado pelo gramático Rocha Lima reforça algo que estamos enfatizando aqui, pois a linguagem, tal qual nos referimos conforme o livro de Provérbios, revela exatamente o que somos.
Não por acaso, quando houve uma tentativa de implantação de uma hegemonia ideológica na história, a primeira coisa que nazistas, fascistas e comunistas procuraram fazer foi subverter a linguagem, domesticá-la e dominá-la de cima para baixo.
Por que sistemas políticos totalitários veem na linguagem um campo importante para exercer o domínio? Para responder a essa pergunta, ouçamos mais uma vez Anselm Grün: “quando transformamos a forma de utilizar as palavras, transformamos também o ser humano; quando aprendemos a mudar nosso jeito de falar, nós também mudamos” (Ibidem, p. 13).
As ideologias totalitárias sabiam desse fator psicológico para alterar o comportamento das pessoas e, por isso, sempre procuraram domesticar os comportamentos. Para isso, elas começavam essa domesticação pela linguagem.
Ora, se a linguagem, como vimos com o professor Rocha Lima, é a expressão de uma atividade mental superior, isto é, fruto do pensamento, e como a Psicologia Moderna tem evidenciado, também dos sentimentos, nossos pensamentos e sentimentos também podem ser transformados pela linguagem que usamos cotidianamente. Pensamento e linguagem retroalimentam-se o tempo todo.
A Palavra de Deus mostra-nos que a linguagem que expressamos revela, na verdade, o que se encontra no interior, ou seja, revela o que estamos pensando, sentindo e desejando (Mc 7.20-23).
Contudo, o que ouvimos e comunicamos pode também nos afetar internamente e influenciar o que pensamos e sentimos.
O apóstolo Paulo lembra-nos de que “a fé é pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Deus” (Rm 10.17); ou seja, o Senhor age na transformação de nosso interior pela comunicação da sua verdade por meio da linguagem.
Podemos classificar a linguagem de sábia ou de insensata segundo o que uma pessoa diz e como diz. Ela pode ser de caráter verbal ou não verbal.
2. A língua do tolo
Os textos de Provérbios estudados neste capítulo revelam a linguagem do tolo como sendo caracterizada por palavras que destroem, que estimulam a ira e que produzem violência, insensatez e vida desgovernada. Trata-se da completa ausência de equilíbrio. A Bíblia
denomina de “tolo” qualquer um que insiste em justificar a sua falta de domínio próprio com as palavras, ausência total de equilíbrio e bom senso.
Na Carta de Tiago, esse tipo de linguagem é apresentado como cheia de “peçonha mortal”, ou seja, de veneno, malícia e perversidade (Tg 3.8).
Esse tipo de linguagem tem capacidade de causar o mal às pessoas. É próprio do tolo não ter cuidado com o que fala e pensar que pode dizer as coisas da maneira como bem entender, desrespeitando até mesmo a maneira como o próximo irá recebê-las; por isso, o livro de Provérbios instrui para que a sabedoria do alto traga consciência a respeito do mal e do perigo que o mau uso da língua pode ocasionar aos outros.
3. O que acontece quando comunicamos insensatamente?
Quando comunicamos algo, dirigimo-nos a alguém ou comunicamos algo a respeito de alguém. Isso significa que o outro está diante de nossa fala. Comunicamos para alguém que está diante de nós.
Por isso, nosso Senhor disse que quem chamasse um irmão de “louco”, como um ato proveniente da cólera ou da ira, seria réu no juízo (Mt 5.22); isso porque podemos entristecer ou ferir a outra pessoa por meio da palavra e, assim, criar um ambiente pesado, obscuro e intragável; é por meio da palavra que pessoas podem adoecer e fragilizar-se.
A palavra acaba tornando-se um evento visível, real, que pode ser percebido por meio da reação das pessoas. Contudo, por meio da palavra, tudo isso também pode ocorrer de maneira oposta, começando por viver em seriedade o que o apóstolo Paulo aconselha na sua carta:
“A vossa palavra seja sempre agradável, temperada com sal, para que saibais como vos convém responder a cada um” (Cl 4.6). É preciso viver na dimensão do Espírito para desenvolvermos essa linguagem sã.
Que Deus abençoe a sua aula e os seus alunos!
Telma Bueno
Editora da Revista Lições Bíblicas Jovens
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Fonte: https://www.escoladominical.com.br/2024/11/29/licao-09-protegendo-sua-boca/
Vídeo: https://youtu.be/lF4dUjO9n7o