INTRODUÇÃO
Trataremos a respeito de Provérbios 8.22-31, seção considerada o “coração” de todo o livro. Ali, a sabedoria é apresentada em primeira pessoa no singular e que estava presente antes e durante todo o processo de criação de Deus.
E, por isso, a sabedoria, especificamente esta seção de Provérbios, é interpretada à luz de Jesus Cristo como o verbo encarnado, isto é, a própria sabedoria encarnada e manifesta a todos os seres humanos. Essa sabedoria divina carrega consigo a beleza de Deus.
Há beleza quando percebemos que o processo de conhecer, pensar e saber é próprio da espécie humana, pois outras espécies terrestres não possuem essa capacidade. Há beleza também quando aplicamos a sabedoria a um problema concreto e contemplamos a sua solução.
Há também quando temos a consciência a respeito da finalidade, do propósito das coisas, principalmente quando é a respeito de nossa própria vida. Veremos essa dinâmica da sabedoria neste capítulo.
Com base em compreender a finalidade das coisas, este capítulo desenvolve o tema do sentido da vida como desdobramento de uma vida de sabedoria.
É própria de uma pessoa sábia estar consciente a respeito do sentido da sua vida, vocação e finalidade aqui no mundo. Quem responde satisfatoriamente essa pergunta, sob a orientação do Espírito Santo, encontrou a sabedoria.
I-DEUS: A FONTE GERADORA DE SABEDORIA.
1- A IMPORTÂNCIA DE PROVÉRBIOS 8.32-33.
A seção bíblica de Provérbios 8.22-31 é considerada pelos estudiosos como a mais importante do livro. Isso ocorre porque o sábio descreve nela a existência da sabedoria desde a eternidade. Desde sempre, ela foi possuída e ungida pelo Senhor (Pv 8.22,23).
Aqui, a sabedoria testemunha toda a ação divina na criação. Ela estava na fundação da terra, na determinação das medidas de cada criatura, na formação das estrelas, na formação do mar (Jo 38.4-11).
Lá estava a sabedoria contemplando e sendo contemplada por meio da obra de criação em que o Deus Criador age — por isso o Senhor é a sua fonte.
O capítulo 8 afirma exatamente que o Senhor é a fonte de sabedoria. Nesse sentido, a sabedoria verdadeira só pode ter origem no próprio Deus.
Por isso que, diferentemente de outras seções de Provérbios, em que advertências a respeito da família, da castidade sexual e do cuidado com o coração são enfatizadas, esta seção é uma bela exposição da origem da sabedoria, que, uma vez adquirida, traz segurança ao caminho da jornada do jovem que a busca. Outra questão importante a notar é que a presente seção é encontrada na primeira pessoa.
Veja como o texto é introduzido: “O Senhor me possuiu no princípio de seus caminhos e antes de suas obras mais antigas” (Pv 8.22) ou seja, em Provérbios a sabedoria aparece como sujeito. Esse sujeito revela que pertence ao Senhor antes mesmo da Criação, isto é, a sabedoria já existia com Deus antes mesmo de seu ato criativo.
2-A SABEDORIA GERADA E CRIADA POR DEUS.
Esta seção também nos mostra que o próprio Senhor gerou a sabedoria. Por isso, é muito interessante meditarmos na expressão “me possuiu”, que aparece no versículo 22.
Ela aparece no texto hebraico como quanar, que, ao longo do texto de Provérbios, carrega o sentido de “comprar”, “adquirir” ou “possuir”.
Isso significa que a palavra traz um sentido de pertencimento a quem a compra, adquire ou possui. Muitos estudiosos, contudo, concordam que a palavra no versículo 22 é ambígua e que, por isso, tem muitas formas de tradução.
Há, porém, uma convergência para reconhecer que ela tem a ver com a ideia de que a sabedoria existia antes da criação de Deus. No contexto do capítulo 8, é exatamente o que o sábio quer mostrar, ou seja, que o Senhor é a fonte da sabedoria, e que ela sempre esteve com Ele antes do início de tudo.
Essa relação entre Deus e a sabedoria revela naturalmente a noção de que tudo o que vemos como obra da sua criação, tais como o céu, a terra e o mar, é fruto e consequência da sua sabedoria infinita.
Expressões como “Desde a eternidade, fui ungida”, “Antes de haver abismos, fui gerada” e “Ainda ele não tinha feito a terra” (vv. 23-26) convergem bem para esse sentido.
Por isso que a verdadeira sabedoria só pode ter como origem o Deus criador. E ela estava com o Senhor Deus antes mesmo de o mundo visível existir.
3-A SABEDORIA E O PROCESSO DE CRIAÇÃO.
Quando falamos que a sabedoria estava com Deus desde o início, lembramo-nos naturalmente do Evangelho de João, em que lemos o seguinte:
“No princípio, era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus” (Jo 1.1,2).
Essa introdução do Evangelho do apóstolo João apresenta nosso Senhor como eterno e como o verbo preexistente que se tornou carne e habitou entre nós (Jo 1.14). Essa introdução tem uma conotação bem parecida com o que lemos em Provérbios 8.
Por essa razão, os denominados Pais da Igreja, pessoas que lideraram a Igreja depois dos apóstolos, faziam a correlação entre Jesus e a sabedoria descrita em Provérbios 8 (CHAPMAN, Milo L.; PURKISER, W. T. (et al) 2014, p. 378).
Em João, o verbo que se fez carne é a sabedoria encarnada em Jesus Cristo, nosso Senhor. Por isso que toda essa descrição da sabedoria tem uma referência com o Evangelho de João (Jo 1.1-3). Assim sendo, a Igreja via a sabedoria descrita aqui como um tipo de Cristo.
Nosso Senhor, por excelência, é a sabedoria encarnada como luz que ilumina os homens (Jo 1.4,5). Os versículos 27-29 retratam a sabedoria atuando no processo da criação, como o Evangelho de João também testemunha a atuação do Filho.
Eles mostram que, enquanto o Senhor Deus criava os céus (v. 27), e passava sobre as faces do abismo (vv. 27, 28), e cuidava do mar, e estabelecia os fundamentos da terra (v. 29), a sabedoria estava com Ele durante todo o processo criativo.
É interessante observarmos também que, nos versículos 30 e 31, a sabedoria aparece como uma aluna que aprende com o Criador e que se alegra e participa de todo o processo da criação. Dessa forma, é sábio reconhecer que há um criador por trás de toda essa exuberância da criação.
O contrário também é válido, pois é uma completa ignorância pensar que não há nenhum ser inteligente e pessoal por trás de tanta complexidade, organização, grandeza e formosura que se manifesta por meio da natureza criada pelo Criador.
II-O PRIVILÉGIO QUE A SABEDORIA TRAZ.
1- A BELEZA DE SABER.
O capítulo 8 de Provérbios mostra a beleza da natureza divina da sabedoria e o quanto é um privilégio adquiri- la.
É importante ressaltar aqui que o dom de saber, conhecer, inteligir, ou seja, articular a cognição com a realidade, é um privilégio da espécie humana, a única detentora dessa capacidade na criação.
Essa bela capacidade distingue-nos da espécie animal irracional. Por essa razão, é próprio do ser humano refletir a respeito da vida, desenvolver a consciência do seu início e do seu fim, como faz, por exemplo, o pregador em Eclesiastes:
Melhor é a boa fama do que o melhor unguento, e o dia da morte, do que o dia do nascimento de alguém. Melhor é ir à casa onde há luto do que ir à casa onde há banquete, porque ali se vê o fim de todos os homens; e os vivos o aplicam ao seu coração.
Melhor é a tristeza do que o riso, porque com a tristeza do rosto se faz melhor o coração. O coração dos sábios está na casa do luto, mas o coração dos tolos, na casa da alegria.
Melhor é ouvir a repreensão do sábio do que ouvir alguém a canção do tolo. (Ec 7.1-5) A reflexão sobre a vida e a morte é próprio do ser humano, e olhar para o sofrimento a partir da tomada de consciência da dor faz com que o ser humano lamente, chore e sinta a dor causada por um evento contingente, no sentido como fez o patriarca Jó:
Por que não morri eu desde a madre e, em saindo do ventre, não expirei? Por que me receberam os joelhos? E por que os peitos, para que mamasse?
Porque já agora jazeria e repousaria; dormiria, e, então, haveria repouso para mim, com os reis e conselheiros da terra que para si edificavam casas nos lugares assolados, ou com os príncipes que tinham ouro, que enchiam as suas casas de prata; ou, como aborto oculto, não existiria; como as crianças que nunca viram a luz. (Jó 3.11-16)
Essa tomada de consciência diante das coisas que passam pelos seus sentidos é própria da espécie humana. Tudo o que ocorre na vida do ser humano, este tem a capacidade de abstrair por meio da cognição, amalgamada com as
emoções e os sentimentos, desdobrando em vários comportamentos. Só o ser humano tem essa capacidade. Além disso, a espécie humana também está capacitada nesse processo de tomada de consciência, refletindo sobre os erros e os acertos das suas escolhas e, ao mesmo tempo, aprendendo com eles para uma tomada de decisão, como fez o filho pródigo:
E, caindo em si, disse: Quantos trabalhadores de meu pai têm abundância de pão, e eu aqui pereço de fome! Levantar-me-ei, e irei ter com meu pai, e dir-lhe-ei: Pai, pequei contra o céu e perante ti. Já não sou digno de ser chamado teu filho; faze-me como um dos teus trabalhadores.
E, levantando-se, foi para seu pai; e, quando ainda estava longe, viu-o seu pai, e se moveu de íntima compaixão, e, correndo, lançou-se-lhe ao pescoço, e o beijou. (Lc 15.17-20)
Assim, quando o ser humano rejeita ou ignora esse exercício de tomada de consciência que prepara para o arrependimento, ele acaba igualando-se às espécies que não têm essa capacidade. Isso é rejeitar algo que carregamos dentro de nós: a imagem de Deus (Gn 1.26,27).
Outra capacidade própria do ser humano é, a partir da criação, perceber a realidade da existência do Criador, daquEle que ordena todas as coisas, conforme esclarece o apóstolo Paulo em uma das suas cartas: porquanto o que de Deus se pode conhecer neles se manifesta, porque Deus lho manifestou.
Porque as suas coisas invisíveis, desde a criação do mundo, tanto o seu eterno poder como a sua divindade, se entendem e claramente se veem pelas coisas que estão criadas, para que eles fiquem inescusáveis. (Rm 1.19,20)
Assim, refletir sobre a vida, tomar consciência a respeito do que acontece com ela, refletir sobre os erros e os acertos e, por fim, compreender que há um Criador que ordena todas as coisas é próprio do ser humano. Isso acontece porque ele carrega consigo a imagem de Deus (Gn 1.26,27).
Não há beleza quando compreendemos essa capacidade de saber como um dom de Deus infuso em nós como ato da sua bondade e graça?
2-A BELEZA DE APLICAR A SABEDORIA À REALIDADE.
Sabedoria não é só conhecer, inteligir e pensar, mas também tem a ver com a aplicação do pensamento à situação concreta. É a capacidade de tomar aquele pensamento virtuoso e aplicá-lo em uma situação concreta para que gere uma ação virtuosa.
Nesse sentido, todo o livro de Provérbios é um convite ao leitor para aplicar os seus conselhos virtuosos às situações concretas da vida.
Esses conselhos, quando aplicados ao contexto de vícios e à ausência de virtudes, fazem com que a virtude se sobreponha aos vícios e às obras da carne, que tentam impedir-nos de andar no caminho da virtude.
É exatamente o que ensinou o Senhor Jesus, a sabedoria por excelência, a respeito de ouvir, compreender e aplicar o ensino: Todo aquele, pois, que escuta estas minhas palavras e as pratica, assemelhá-lo-ei ao homem prudente, que edificou a sua casa sobre a rocha.
E desceu a chuva, e correram rios, e assopraram ventos, e combateram aquela casa, e não caiu, porque estava edificada sobre a rocha. (Mt 7.24,25).
Assim sendo, a beleza da sabedoria está em aplicá- la a um problema concreto da vida e, ao mesmo tempo, contemplar a sua solução. As suas orientações trazem segurança em nossa caminhada e, assim, assemelhamo-nos à fortaleza de uma rocha que não se abala.
3-A BELEZA DE ESTAR CONSCIENTE A RESPEITO DO PROPÓSITO DAS COISAS.
Além de conhecer e aplicar a sabedoria, outra beleza que podemos contemplar nela é a tomada de consciência do propósito das coisas. Só a espécie humana é dotada por Deus para essa capacidade.
É bem verdade que, como resultado do pecado, perdemos muito da capacidade de compreender nosso propósito (Gn 3.4-12). É muito interessante que o sentido clássico da palavra “pecado” seja “errar o alvo”, o propósito, a finalidade.
Não menos ruim, há quem diga que não há propósito na vida do ser humano. Essas frases fazem parte do vocabulário de quem gosta de brincar de desconstruir o outro e as coisas. Geralmente, quem faz isso já se encontra desconstruído por dentro.
A sabedoria da fé cristã zela sempre pela construção positiva do sentido na vida das pessoas, pois, conforme narrado em Provérbios 8, há um propósito muito claro na criação quando olhamos para Deus e observamos a natureza.
Na obra de Nancy Pearcey, lemos: Se a natureza é teleológica, e o corpo humano é parte da natureza, então ele também é teleológico.
O corpo tem um propósito intrínseco, e parte desse propósito é expresso como lei moral. (PEARCEY, 2021, p. 24).
Após desenvolver a perspectiva de que a moralidade cristã tem a ver com o respeito ao propósito original de Deus estabelecido na criação, a teóloga conclui: “A ética cristã respeita a teleologia da natureza e do corpo” (Ibidem, p. 25).
Dessa maneira, como cristãos levamos muito a sério a teleologia das coisas, isto é, a sua finalidade, o seu propósito dotado pelo Criador.
Ora, a vida no mundo que honra a Deus só faz sentido quando cada ser está agindo segundo o seu propósito, a sua função; e só o ser humano pode ter consciência disso. A propósito, qual é o sentido de sua vida?
III-CONSCIENTIZANDO-SE DO SENTIDO DA VIDA.
1- É SÁBIO COMPREENDER O SENTIDO DA VIDA.
Ainda no capítulo 8, o sábio escreve: “Porque o que me achar achará a vida e alcançará favor do Senhor” (Pv 8.35). Quem acha a sabedoria acha o sentido da vida, o seu propósito a ser desenvolvido no mundo. A sua vida não é como se fosse perdida, mas achada. Ela recebe um sentido digno de ser vivida.
Como conceito geral de “sentido da vida”, fazemos uso do conceito cunhado pelo teólogo Clodovis Boff, em que escreve: “à finalidade da vida, ao objetivo ou ao propósito de viver.
É aquilo em vista do qual se vive, como quer que isso se chame: meta ou razão, ideal ou sonho, e assim por adiante” (BOFF, 2014, p.17). Esse tema do sentido da vida, do propósito a ser descoberto, foi objeto de estudo de um grande neuropsiquiatra chamado Viktor Frankl (1905–1997).
Frankl desenvolveu uma terapia chamada Logoterapia, que tem como proposta trabalhar questões a respeito do sentido da vida.
Ele dedicou-se a demonstrar, em primeiro lugar, a partir da própria experiência de sobrevivência ao campo de concentração, como o ser humano encontra sentido e, ao mesmo tempo, desenvolve resiliência diante do sofrimento extremo.
Ele observou isso no campo de concentração da Segunda Guerra Mundial. As pessoas que sobreviveram em meio ao contexto de terror eram, de alguma forma, pessoas que fizeram a manutenção de um sentido que as levariam a não desistir de viver, conforme o estudioso descreve em uma das suas obras: […]
A lição que pude levar comigo de Auschwitz e Dachau: que os que se mostraram mais aptos a sobreviver, ainda mais em tais situações limites, foram aqueles que, reafirmo, estavam orientados para o futuro, para uma tarefa que os esperava mais adiante, para um sentido que desejam realizar.
E os psiquiatras americanos puderam confirmar mais tarde esta experiência com os campos de prisioneiros de guerra japoneses, nortevietnamitas e norte-coreanos. (FRANKL, 2015, p. 23)
Ao tocar a questão do sentido da vida, o neuropsiquiatra vienense também observou que grande parte das pessoas sofre pela ausência de um sentido.
Se pesquisas demonstraram que o direcionamento da vida por meio do sentido foi muito importante para a aptidão da sobrevivência num campo de concentração, Frankl também revela que a ausência desse sentido também é responsável pelo sofrimento de muitas pessoas:
Hoje mais do que nunca, o psiquiatra é chamado a tratar pacientes que se queixam de uma sensação de ausência e futilidade, uma sensação de falta de sentido, que este trabalho descreverá como “vazio existencial”. Não há dúvida de que esse vazio existencial esteja aumentando e se espalhando.
Em um estudo recente com 500 jovens em Viena, demonstrou-se que a porcentagem daqueles que sofrem de vazio existencial aumentou nos últimos dois anos, de 30% para 80%. Mesmo na África o vazio existencial se estende, principalmente entre os jovens acadêmicos (Klitzke, 1969). […]
Como disse a chefe do departamento de psiquiatria de uma universidade tcheca, o vazio existencial atravessa as fronteiras entre os países capitalistas e comunistas, “sem visto”. (FRANKL, 2021, p. 46- 47) Essa ausência de sentido é mais comum do que se pode imaginar.
Como podemos ver no texto de Frankl, ela não tem classe social, ideologia política e nem cor. Ela também pode abater-se sobre uma pessoa de fé que alguma vez experimentou um momento delicado e não percebe mais nenhum sentido para continuar a fazer o que deveria fazer.
Frankl reforça bem essa realidade quando explica o advento do vazio existencial: Quando me perguntam como explicar o advento desse vazio existencial, cuido então de oferecer a seguinte fórmula abreviada: em contraposição ao animal, os instintos não dizem ao homem o que ele tem de fazer e, diferentemente do homem do passado, o homem de hoje não tem mais a tradição que lhe diga o que deve fazer.
Não sabendo o que tem e tampouco o que deve fazer, muitas vezes já não sabe o que, no fundo, quer. Assim, só quer o que os outros fazem — conformismo! Ou só faz o que os outros querem que faça — totalitarismo. (FRANKL, 2015, p. 11) A ausência de sentido alimenta essa sensação de vazio que corrói a alma de uma pessoa.
Por isso, ou a pessoa passa a seguir as ações de outras sem pensar nas consequências ou ela aceita fazer absolutamente o que a outra tribo exige que ela faça.
De acordo com a sabedoria bíblica, porém, ninguém faz com a própria vida o que uma tribo faz, nem o que a tribo quer que você faça; mas você faz o que Deus quer e, assim, a vontade dEle passa ser a sua também. Dessa maneira, encontrar o sentido da vida em Deus é uma das coisas mais importantes para manter a jornada equilibrada e segura.
Com “sentido da vida”, referimo-nos “à finalidade da vida, ao objetivo ou ao propósito de viver. É aquilo em vista do qual se vive, como quer que isso se chame: meta ou razão, ideal ou sonho, e assim por adiante” (BOFF, 2014, p. 17).
Esse propósito e finalidade dá valor à vida, conforme o teólogo Clodovis Boff explica de maneira muito competente ao longo da sua grande obra a respeito do sentido da vida (Ibidem, p. 11-53).
Quando se desconstrói o propósito da vida, bem como o seu valor, a alma do ser humano fica como que solta no ar, sem direção alguma para onde ir.
O movimento filosófico denominado de niilismo — a total ausência de sentido, “a idolatria do nada” — foi responsável por instituir a ideia de desconstruções de absolutos que levou o ser humano existencialmente ao caos (Ibidem p. 63-92).
Não se deve, por isso, brincar com a desconstrução da fé, bem como dos valores, pois, quando isso acontece, uma vida é desconstruída.
Dependendo das circunstâncias, essa desconstrução pode levar uma pessoa ao suicídio. Retomando Provérbios 8, quem encontra a sabedoria encontra a vida, acha sentido positivo e construtivo, jamais desconstrutivo, e nunca se arvora a tirar o fundamento da existência das pessoas (Pv 8.35).
Para o cristão, encontrar a sabedoria fundamental da vida é encontrar-se com Cristo, a verdadeira sabedoria encarnada. Por isso, de acordo com o Novo Testamento, Jesus é o sentido da vida de todo cristão, a pedra fundamental de todo sentido; é o centro de onde tudo é ordenado (Fp 3.14); é o eixo de nossa vida e o ápice de nossa existência. É a partir dEle que tudo fará sentido na vida de quem o segue. Isso é sabedoria!
A partir dEle, que é o fundamento, que o sentido da vida vai ficando cada vez mais nítido e concreto, de modo que a descoberta da vocação e no valor que tem a família nuclear ganha tremenda relevância. Assim é formado o “chão da existência” de um autêntico cristão.
Quem não está em Cristo, por outro lado, corre o risco de falsificar o sentido da sua vida, ou o fabricar artificialmente e até mesmo fantasiá-lo.
Talvez pior do que não descobrir o verdadeiro sentido é o de construí-lo em fundamentos movediços. Tudo de concreto que pode ser erguido para o sentido da vida tem que estar, portanto, fundamentado em Jesus Cristo, a sabedoria encarnada.
2-A VOCAÇÃO NA VIDA.
Viver em Cristo e para Cristo como sentido de nossa existência é a primeira etapa para descobrir a vocação de nossa vida.
A partir daí, faz-se necessário descobrir a vocação de nossa vida para executar a missão que nos foi dada por Cristo. Aqui, entra uma pessoa divina fundamental para gerar em nós nossa vocação: o Espírito Santo. Ao longo das Escrituras, podemos ver o Espírito Santo atuando como o agente da Santíssima Trindade que capacita o justo para desempenhar uma tarefa.
Por exemplo, em Êxodo está escrito: Depois, falou o Senhor a Moisés, dizendo: Eis que eu tenho chamado por nome a Bezalel, filho de Uri, filho de Hur, da tribo de Judá, e o enchi do Espírito de Deus, de sabedoria, e de entendimento, e de ciência em todo artifício, para inventar invenções, e trabalhar em ouro, e em prata, e em cobre, e em lavramento de pedras para engastar, e em artifício de madeira, para trabalhar em todo lavor. (Êx 31.1-5)
Observe a expressão “o enchi do Espírito de Deus”. A conotação usada aqui é para enfatizar a capacidade espiritual de uma pessoa para desempenhar uma tarefa no serviço a Deus.
Essa capacidade, entretanto, não ocorre apenas em uma tarefa espiritual, mas também prática. Bezalel foi capacitado pelo Espírito Santo com sabedoria para, como douto artista, desenhar peças de ouro, prata e bronze, bem como de madeira. Bezalel foi capacitado pelo Espírito Santo para ser um artista a serviço da obra de Deus.
No Novo Testamento, o apóstolo Paulo mostra que esse mesmo Espírito capacita a pessoa a desenvolver uma série de dons na área do serviço.
Leiamos: Assim nós, que somos muitos, somos um só corpo em Cristo, mas individualmente somos membros uns dos outros.
De modo que, tendo diferentes dons, segundo a graça que nos é dada: […] se é ministério, seja em ministrar; se é ensinar, haja dedicação ao ensino; ou o que exorta, use esse dom em exortar; o que reparte, faça-o com liberalidade; o que preside, com cuidado; o que exercita misericórdia, com alegria. (Rm 12.5-8)
São variedade de dons na área do ensino, do serviço social e da administração de diversas atividades; enfim, habilidades eminentemente práticas que requerem pessoas vocacionadas para desenvolver tarefas. Essa vocação geralmente perpassará todas as escolhas que o vocacionado fará ao longo da vida.
Por isso, é necessário tomar-se consciência dela o quanto antes e, assim, mediante o Espírito, organizar a vida da maneira mais equilibrada possível.
Descobrir a vocação da vida é um desafio bem complexo. Nem todos conseguem responder assertivamente o que deseja ser profissionalmente ou que tipo de vocação deseja desenvolver na obra de Deus. Descobrir essa vocação é muito importante para tomar as demais decisões ao longo da vida.
Tomar a consciência de nossa vocação tem a ver com o conhecimento pessoal a respeito das habilidades naturais, senso de autorrealização no que faz e, principalmente, para os cristãos, o que Deus quer soberanamente que façamos mediante o seu Espírito Santo. Para isso, é necessário sensibilidade espiritual.
Isso pode ser constatado na vida do apóstolo Paulo que tinha plena convicção da sua vocação apostólica ao expressar que “pregar o evangelho” era uma obrigação imposta a ele (1 Co 9.16).
Não era uma obrigação humana, mas uma imposição divina, mas a vontade de Deus passou a ser dele também.
Essa é a grande diferença da descoberta vocacional de um cristão, pois se trata de um senso de dever imposto diretamente do alto, que, em seguida, passa a ser a vontade própria do vocacionado porque sabe que o melhor lugar para alguém estar é no centro da vontade de Deus.
3-O ESPÍRITO SANTO GERANDO MOTIVAÇÃO.
Outro ponto precioso na conscientização do sentido da vida, bem como da descoberta da vocação, é o de saber que é o Espírito Santo que nos motiva ao esclarecer em nosso coração sobre a vocação que devemos escolher.
Quando temos bem evidente diante de nós algo que o Espírito Santo esclareceu para nós, isso é como um motor que nos moverá sempre em direção do projeto que Ele estabeleceu para nossa vida.
É importante perceber que não estamos sozinhos para encontrar nossa vocação. Como vimos claramente na Bíblia, o Senhor encheu a Bezalel do Espírito de Deus e com sabedoria, entendimento e ciência para fazer trabalhos artísticos para o Tabernáculo (Êx 31.1-11).
Em Atos, lemos que o Espírito Santo separou mestres e profetas, incumbindo-os de uma tarefa transcultural no sentido de proclamar o evangelho às nações (At 13.1- 3).
Por intermédio do Espírito Santo, a sabedoria divina continua a produzir poder criativo. Somos os instrumentos pelos quais a sabedoria fluirá no poder do Espírito Santo para produzir algo que glorifique a Deus, que supra uma necessidade do próximo e, ao mesmo tempo, que desfrutemos de uma autorrealização.
Em Cristo, estaremos realizados quando descobrirmos o que viemos fazer no mundo para glorificar a Deus e servir o próximo. Tudo o que fazemos, direta ou indiretamente, afetará o outro. Por isso, nenhum dom ou vocação pode ser desassociado da virtude maior: o amor (1 Co 13.1-3).
Quando isso acontece, é porque a sabedoria divina manifestou-se, e o ciclo do significado da vida fez realmente sentido.
Por isso, não se esqueça de que o sentido de nossa vida tem como âncora o Senhor Jesus Cristo; Ele esclarecerá em nosso coração, por meio do Espírito, nossa vocação; e o Espírito Santo também nos motivará para levantarmo-nos todos os dias e, assim, realizarmos uma tarefa que glorifique a Deus, que edifique o próximo e que nos autorrealize.
CONCLUSÃO:
Deus infundiu em nós a capacidade de pensarmos, conhecermos e sabermos, ao mesmo tempo que infundiu em nós a capacidade de tomar o que pensamos, conhecemos e sabemos e, assim, aplicarmos tudo isso ao problema concreto.
Ele também infundiu em nós a capacidade de compreendermos o propósito e a finalidade das coisas para, a partir daí, agirmos da maneira mais adequada, virtuosa e prudente possível. Tudo isso se expressa com a sabedoria bíblica, que estava com Deus desde sempre e que se manifestou em Jesus Cristo, nosso Senhor.
É a sabedoria do alto. Essa sabedoria do alto permite-nos conhecer o sentido de nossa vida, que, em primeiro lugar, está fundamentada em Cristo.
NEle, sob orientação e chamamento do Espírito Santo, vamos descobrindo o dom vocacional que nos foi dado por Deus, o Senhor. Por meio dela, compreendemos para que nascemos, crescemos e desenvolvemo-nos, e procuramos sempre honrar essa vocação divina para glorificar o nome do Altíssimo.
É próprio de uma pessoa sábia compreender a tarefa que a autorrealiza e a vocação em que tudo faz sentido para ela.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Oliveira, Marcelo – ALCANCE UM FUTURO FELIZ E SEGURO – Conselhos de Salomão no Livro de Provérbios: Um convite à Sabedoria e às Promessas de Proteção. 1° edição: Editora CPAD,2024.
Bíblia Sagrada, ARC, CPAD- 2019.
Pr. Erivandro Galdino
Fonte: https://www.portalebd.org.br/classes/jovens/11000-licao-6-a-natureza-da-sabedoria-e-o-sentido-da-vida-ii
Vídeo: https://youtu.be/gUQrIwolm3Y