O cristão é como seu Mestre, manso, humilde e longânimo.
INTRODUÇÃO
– Na sequência do estudo da carta de Paulo aos Efésios, estudaremos o capítulo 4.
– O cristão é como seu Mestre, manso, humilde e longânimo.
I – O ANDAR DIGNO DA VOCAÇÃO DIVINA
– Depois de ter feito a oração intercessória pelos destinatários da carta, o apóstolo Paulo adentra no que se denomina “a parte prática” da epístola.
– Paulo, em suas epístolas, não só apresentava um caráter doutrinário, mas, também, uma parte prática, onde, aplicando o conhecimento doutrinário ministrado, mostrava como deveriam os salvos viver nesta peregrinação terrena.
– O apóstolo mostra-nos, portanto, que o objetivo do conhecimento doutrinário é, precisamente, o de nos trazer uma vida a caminho da perfeição, ou seja, uma vida cada vez mais conforme à vontade de Deus, que é apresentada na doutrina, no ensino da Palavra de Deus.
– Não se tem o estudo doutrinário apenas para que se possam guardar no intelecto informações decorrentes da revelação trazida pelo Espírito Santo e que foram registradas nas Escrituras, mas, antes, por meio destas informações, o que se pretende é que moldemos a nossa maneira de viver à vontade do Senhor, de modo que não mais vivamos, mas Cristo viva em nós (Gl.2:20).
– Por isso mesmo, um dos objetivos da Escola Bíblica Dominical é o de mudar a maneira de viver dos alunos, fazê-los cada vez mais conformes à imagem de Cristo (Rm.8:29),
sendo este um dos fatores que deve ser observado seja pelo superintendente da EBD, seja pelo professor da EBD, seja pelo dirigente da igreja local: o ensino da Palavra tem trazido transformação à membresia?
Caso a resposta não seja afirmativa, será preciso repensar tudo quanto está sendo feito, pois não é concebível termos estudo da doutrina sem que haja mudança na vida das pessoas.
– Paulo, depois de interceder pelos destinatários da carta, aconselha-os a “andar como é digno da vocação com que fostes chamados” (Ef.4:1).
– A vivificação por Cristo mencionada pelo apóstolo no capítulo 2 não é um fenômeno meramente teórico, mas é um acontecimento que faz com que haja uma mudança de vida, uma mudança de atitudes por parte daquele que é salvo por Jesus Cristo.
– A ressurreição espiritual (Ef.2:6) faz com que, ao nascermos de novo, sejamos uma nova criatura e esta nova criatura é um novo homem, que tem atitudes diferentes, diametralmente opostas àquelas que eram antes realizadas.
Somos criados de novo, e esta nova criatura foi feita em Cristo Jesus para as boas obras (Ef.2:10), de sorte que não podemos viver segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das potestades do ar, do espírito que opera nos filhos da desobediência (Ef.2:2), que não é mais a nossa condição.
– Sendo, agora, novos homens, temos de “andar como é digno da vocação com que fomos chamados”.
Fomos chamados para praticar boas obras, fomos chamados para glorificar a Deus através destas boas obras (Mt.5:16).
– Não há como admitir-se, portanto, que alguém que se diga salvo esteja a praticar ações que revelam apenas que continua a andar nos desejos da carne, que esteja a fazer a vontade da carne e dos pensamentos, como ocorre com aqueles que não alcançaram a salvação (Ef.2:3).
– Há muitos hoje em dia que se dizem cristãos, que afirmam ter crido em Jesus, mas cujo comportamento é idêntico aos que dizem não professar a fé cristã.
São pessoas que não têm qualquer mudança de vida, pelo contrário, apenas acrescentam ao seu dia-a-dia a frequência a uma igreja ou procuram adaptar seu modo de vida a rótulos que revelem a sua “nova religiosidade” e, neste aspecto,
muito conhecido o uso da palavra “gospel”, que é a preferida para dar uma roupagem supostamente cristã a práticas que nada têm de santas.
– Por isso, temos visto tantas distorções no chamado “meio evangélico”, ultimamente, onde condutas evidentemente contrárias à fé cristã são apresentadas como inofensivas, toleráveis e admissíveis, o que, entretanto, não corresponde à realidade, visto que,
como ensina o apóstolo dos gentios, é necessário que “andemos como é digno da vocação com que fomos chamados” e o mesmo Paulo,
já sua primeira carta que escreveu, a primeira epístola aos tessalonicenses, foi incisivo ao dizer que “não nos chamou Deus para a imundícia, mas para a santificação” (I Ts.4:7).
– Hoje, é com espanto que vemos milhares e milhares de pessoas rotulando de “gospel” certas condutas que são evidentemente pecaminosas e, com este rótulo, tentam transmitir a ideia de que a conduta pode ser praticada sem qualquer problema.
É o caso da “cerveja gospel”, que libera o uso do álcool; da “balada gospel” ou do “show gospel”, que libera a frequência a eventos que não convém; do “ficar gospel” e do “filme pornô gospel”,
que liberam a prostituição e imoralidade sexual; sem falar nas “igrejas de preto”, que estão a transformar o ambiente dos templos em ambiente de prostíbulos e de boates. Que Deus nos guarde!
– Somos parte da família de Deus, somos concidadãos dos santos (Ef.2:19) e, nesta condição, temos de andar como dignos da chamada divina à salvação, que exige de nós uma mudança de mentalidade, uma mudança de atitude, pois somente somos inseridos no corpo de Cristo se nos arrependermos, isto é, mudarmos de mentalidade, e crermos no Evangelho (Mc.1:15; At.2:37,38; 11:18).
– Para andar como é digno da vocação, o apóstolo apresenta três atributos, ou seja, três propriedades que deve ter o salvo para que possa viver segundo a vontade de Deus.
Atributo é propriedade, ou seja, aquilo que é próprio de algo, aquilo que está presente em algo e que é uma característica da essência, aquilo que sempre está naquilo e mostra que aquilo é aquilo e não outra coisa.
– Para andar digno da vocação com que somos chamados por Cristo para esta nova vida, faz-se mister que andemos com humildade e mansidão, com longanimidade (Ef.4:2).
– Estas palavras de Paulo ressoam o ensinamento de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, que mandou que Seus discípulos aprendessem d’Ele a ser manso e humilde de coração para encontrar descanso para as suas almas (Mt.11:29).
– De pronto, percebemos que o “andar digno da vocação” exige uma convivência com Jesus, pois, depois de nos pormos sob Seu domínio, sendo inseridos no Seu corpo (Ef.3:6),
do qual Ele é a cabeça (Ef.1:22), o que o Senhor Jesus denomina de “tomar o Seu jugo” (Mt.11:29), é preciso aprender com Ele para sermos mansos e humildes de coração.
– Este aprendizado exige convivência, torna-se preciso que ouçamos a Cristo, que tenhamos experiências com Ele, a fim de que, a cada dia, venhamos a ficar mais e mais parecidos com Ele, que possamos imitá-l’O (I Co.11:1).
II – MANSIDÃO
– Apesar de o apóstolo falar primeiro na humildade para depois tratar da mansidão, como esta última praticamente é a geradora da primeira, preferimos seguir a ordem do Senhor Jesus em Mt.11:29, de modo que trataremos, primeiro, da mansidão.
– Diz o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa que mansidão é “qualidade ou condição do que é manso; brandura de gênio ou de índole; brandura na maneira de expressar-se; doçura, meiguice, suavidade.”
Segundo os lexicógrafos, a palavra “mansidão” vem da raiz “mans” que, “…segundo Corominas, “está documentado en el Liber Glossarum compuesto en España h. el a. 700 (CGL V, 220.40)”;
observe-se que mansuétus é o part.pas. do v. mansuesco,is,évi,étum,ère ‘acostumar-se à mão (ou ao poder) do dono; amansar-se, domesticar-se’ (de manus ‘mão’ + suescère ‘ter costume’)…”.
– Pelo que se vê da raiz da palavra “mansidão”, portanto, temos que “manso” é aquele que se acostuma ao poder de um dono, aquele que se domestica, ou seja, aquele que passa a seguir as regras da casa de alguém, aquele que se submete ao poder de alguém.
Neste sentido, aliás, é que falamos em animais amansados ou mansos, isto é, animais que aprenderam a obedecer ao homem, ao contrário dos animais selvagens, que são animais que não se submetem a ordens nem a vontades dos homens.
– A mansidão é o resultado da aceitação do senhorio de alguém, é a submissão à autoridade de alguém.
O homem, ao contrário dos animais domesticados, amansados, é portador de liberdade, de livre-arbítrio, ou seja, tem a capacidade de escolher entre o bem e o mal.
Por isso, o Senhor, ao criar o homem, disse que ele poderia comer “livremente” de todas as árvores do jardim, mas não da árvore do conhecimento do bem e do mal (Gn.2:16,17), mostrando, assim, que havia um senhorio de Deus a ser observado pelo ser humano, mas que este mesmo ser humano era livre, ou seja, poderia, ou não, se submeter a este senhorio.
– Ora, como bem sabemos, o homem não obedeceu a Deus, tendo comido do fruto da árvore da ciência do bem e do mal, desobediência esta que importou na morte espiritual, ou seja, na separação entre Deus e o homem.
A partir deste momento, o homem passou a ser sujeito ao pecado, porquanto, ao invés de ser como Deus, como mentira o adversário (Gn.3:5), o homem, apesar de saber o bem e o mal (Gn.3:22), não se tornou senhor como é Deus, mas, bem ao contrário,
passou a ser escravo do pecado, circunstância que foi demonstrada por Deus a Caim (Gn.4:7) e por Jesus aos judeus (Jo.8:34) como sendo a triste realidade do pecador, que, assim, como bem descreveu Paulo, faz aquilo que não quer (Rm.7:17-24).
– O pecador, portanto, tornou-se servo do pecado, filho da desobediência (Ef.2:2) e, por natureza, passou a ser filho da ira, pois faz a vontade da natureza pecaminosa que habita nele (Ef.2:3).
Deste modo, não há como o pecador ser manso, mas, bem ao contrário, é alguém que trata duramente o semelhante, que, inclusive, quer a sua própria eliminação, como vemos no próprio caso de Caim, que a Bíblia diz que matou seu irmão porque era do maligno, ou seja, porque estava, como Deus já lhe alertara antes, sob o domínio do pecado (I Jo.3:12ª; Gn.4:7).
– Quando retorna à comunhão com o Senhor, passando a ser “filho de Deus” (Jo.1:12), voltamos a ser “filhos da obediência” e, por sermos obedientes a Deus, não entramos em conflito mais com os outros a partir de nosso “eu”, daí porque nos tornarmos aptos para evitar pelejas. Como afirma Tomás de Aquino:
“…Por isso, às iras não se assinala mais que uma virtude, a mansidão…” (Suma Teológica. Trad. de Armando Bandera González et alii. I-II, q. 60, a.5, r.4, p.462) (tradução nossa de texto em espanhol) e, também, ao salientar que a contraposição da mansidão é a inveja (op.cit., I-II, q. 70, a.4, p.536).
O Aquinate ainda diz: “…a mansidão é a que modera a ira, como diz o Filósofo.…” (op.cit., II-II, q. 157, a.1. Disponível em: http://permanencia.org.br/drupal/node/4317 Acesso em 19 nov. 2016).
– Neste sentido, é importante vermos que a mansidão tem um efeito importantíssimo, que é o de nos fazer observar a Palavra de Deus.
Assim ensina Tomás de Aquino, citando Agostinho: “…Assim, a ira, que a mansidão abranda, impede soberanamente, pelo seu ímpeto, a alma do homem de julgar livremente da verdade.
E por isso, a mansidão é a que sobretudo o torna senhor de si. Donde o dizer a Escritura: Filho, conserva a tua alma na mansidão [citação do livro apócrifo de Eclesiástico 11:31, observação nossa]
(…) A mansidão nos prepara ao conhecimento de Deus, removendo–nos os impedimentos. E isto de dois modos.
Primeiro, tomando–nos, pela diminuição da ira, senhores de nós mesmos, como dissemos. E depois porque é próprio da mansidão não contradizer as palavras da verdade, o que às vezes muitos fazem levados pela comoção da ira.
Por isso, diz Agostinho: Ser humilde é não contradizer à divina Escritura, quer quando, entendendo–a, vemos que coluna certos vícios nossos; quer quando não a entendemos como se pudéssemos saber e mandar melhor que ela.…” (op.cit., II-II, q. 157, a.3. Disponível em: http://permanencia.org.br/drupal/node/4320 Acesso em 19 nov. 2016).
Charles Spurgeon, seguindo este mesmo pensamento, afirma:
“…A grande lição do Evangelho é nos ensinar a ser mansos — a nos despojar de nossos espíritos altivos e raivosos e nos fazer humildes de coração…” (O manso e humilde. Sermão pregado na manhã de domingo do dia 31 de julho de 1859 em Music Hall, Royal Surrey Gardens. Disponível em: http://www.spurgeongems.org/vols4-6/chs265.pdf Acesso em 19 nov. 2016).
– A mansidão, por promover esta mudança de conduta com relação ao próximo, embora seja uma qualidade voltada para si mesma, mostra ser uma qualidade fronteiriça entre o amor a si mesmo e o amor ao próximo, pois.
– No Antigo Testamento, a primeira palavra usada para “manso” é “anav”( )ענן , que significa “estar inclinado” e que aparece por cerca de vinte vezes no texto sagrado (v.g., Nm.12:3; Sl.22:26; 25:9; 37:11; 76:9; 147:6-“humildes” na ARC; Is.11:4-“pobres” na ARC; 29:19; 61:1; Am.2:7-“pobres” na ARC; Sf.2:3a).
Segundo J.C. Connell, “…o adjetivo (…) significa basicamente pobre e aflito, de onde se deriva a qualidade espiritual de submissão paciente e de humildade…”(Mansidão. In: O Novo Dicionário da Bíblia, v.2, p.993).
Esta palavra designa alguém que está sob autoridade, que admitiu a supremacia de alguém sobre si.
Neste sentido, aliás, surgiu o costume ainda hoje observado em alguns países de se inclinar perante uma autoridade, em sinal de respeito e de submissão (como se vê em II Rs.5:18,19).
Além desta palavra, há, ainda, a palavra hebraica “anavah” ( )ענןי , derivada de “anaw”, que tem o significado de “gentileza”, “humildade”,
que ocorre por quatro vezes no Antigo Testamento, três das quais no livro de Provérbios, que é um manual moral por excelência (Sf.2:3b; Pv.15:33; 18:12 e 22:4 – “humildade” na ARC),
bem como sua variação, “anvah”( )ענןיח , cujo significado parece ser mais o de “suavidade”, “brandura”, que ocorre por duas vezes, em Sl.45:4 e 18:35, em textos em verso, o que poderia explicar a variação do termo.
– Em o Novo Testamento, a palavra grega é “praus” ou “praos”(πραυς) e seus derivados (como o substantivo “praútes” ou “praotes”), que “…se refere a uma atitude interior, enquanto que a gentileza se expressa antes por meio de ações externas(…).
Os mansos não se ressentem com a adversidade porque aceitam tudo como efeito do sábio e amoroso propósito de Deus para com eles…”(CONNELL, J.C. op.cit., p.992-3).
– Pelo que podemos verificar, portanto, a mansidão é mais uma daquelas qualidades do fruto do Espírito que são adquiridas com o tempo, com o desenvolvimento da vida espiritual. Não ficamos mansos de imediato, mas através de um aprendizado.
Por isso, o próprio Jesus nos aconselhou a aprender d’Ele que é manso e humilde de coração (Mt.11:29) e, na vida de Moisés, “… mui manso, mais do que todos os homens que havia sobre a terra…”(Nm.12:3), vemos que esta mansidão excelente foi trabalhada num período de pouco mais de oitenta anos de vida.
– A mansidão é adquirida pois se trata de um costume de estar sob o poder de alguém. O manso se acostuma a estar sob o senhorio de alguém e, quando dizemos que há costume, dizemos que há um hábito, pois costume é “…o uso geral, constante e notório, observado sob a convicção de corresponder a uma necessidade…” (GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil, 2.ed., p.43).
O costume é o resultado de uma prática continuada de ações e de atitudes por causa de uma convicção de que é necessário realizar estas ações e estas atitudes daquela maneira, daquele modo.
A mansidão, portanto, é o efeito de uma prática constante de ações sob a autoridade divina, sob a direção de Deus, é o resultado de uma convicção, de uma certeza de que é necessário seguir a orientação de Deus no dia-a-dia, no cotidiano.
OBS: No Amazonas e no Pará, é chamado de “manso” o indivíduo, especialmente o seringueiro, adaptado à vida do seringal e aos hábitos regionais.
Esta expressão é muito elucidativa, porque nos mostra que a mansidão é fruto da adaptação. Um homem manso é aquele que se adapta à natureza divina, que ganha a natureza da videira verdadeira.
– Moisés, no início da sua vida, criado como príncipe egípcio, formado em toda a ciência egípcia, embora tenha compreendido que tinha de se posicionar ao lado de seu povo, embora tivesse guardado os ensinamentos de sua mãe Joquebede e crido no Deus de Abraão, Isaque e Jacó, não tinha este costume ainda.
Ao matar o egípcio que feria um hebreu (Ex.2:11,12), logo tomou a decisão de matar o egípcio e achava ter feito aquilo de forma encoberta.
Entretanto, tudo foi descoberto e Moisés acabou de ter de fugir do Egito, porque tinha de adquirir o hábito de seguir a direção de Deus, de estar sob o comando de Deus e não de tomar as rédeas do que achava certo e correto, de se pôr acima de tudo e de todos.
Só quando aprendeu esta lição, de ter uma prática de submissão a Deus, é que pôde alcançar a condição de homem mais manso da terra.
– Quando aceitamos a Cristo como nosso Senhor e Salvador, dizemos que passamos a ser servos de Deus, ou seja, reconhecemos que quem passa a mandar em nossas vidas é Deus e não mais nós mesmos, não mais a nossa vontade.
Este é o início da nossa mansidão. Deus, diz a Bíblia, requer de nós tão somente a obediência (Dt.10:12; Mq.6:8).
A partir do momento que passamos a obedecer-Lhe, vamos nos tornando cada vez mais mansos, fazendo-nos semelhantes ao próprio Cristo. Nossa caminhada para o céu com Cristo deve ser feita “com mansidão e humildade’ (Ef.4:1,2).
– Mansidão é brandura de gênio ou de índole, ou seja, o manso é uma pessoa que oferece pouca resistência à pressão, mole, tenro, macio.
O manso, quando orientado pelo Senhor, quando dirigido pelo Senhor, não resiste a esta orientação, a esta direção e rapidamente segue o curso determinado por Deus na sua vida.
O manso adapta-se rapidamente à vontade divina, não endurece o seu coração e satisfaz aos desígnios divinos.
Voltando a Moisés, que é tomado como exemplo porque a própria Bíblia diz que era o homem mais manso do seu tempo, vemos que era alguém que, mui velozmente, adaptava-se à vontade do Senhor, depois que adquiriu o hábito de se submeter ao senhorio de Deus.
Seu contraponto, porém, foi, primeiramente, Faraó e, depois, a própria geração responsável de Israel, que eram de dura cerviz, obstinados, ou seja,
que se recusaram a se submeter à vontade de Deus, que não aceitaram o domínio de Deus sobre suas vidas e a consequência desta dureza foi a sua morte, o seu perecimento, pois não há como resistir a Deus e quem endurece o seu coração, quem endurece a sua cerviz é inevitavelmente quebrado, inutilizado. Nunca devemos nos esquecer das palavras do rei Josafá:
“Ah! SENHOR, Deus de nossos pais, porventura, não és Tu Deus nos céus? Pois Tu és dominador sobre todos os reinos das gentes e, na Tua mão, há força e poder, e não há quem Te possa resistir. “(II Cr.20:6).
– Muitos têm tolamente resistido à vontade de Deus, endurecendo a sua cerviz, agindo obstinadamente, como se isto fosse produzir algum resultado benéfico para suas vidas.
O resultado disto é que se tornam pessoas cada vez mais violentas, mais cruéis, mais impiedosas, mais vingativas, cavando a sua própria cova, pois serão destruídas pelo Senhor.
Que tenhamos o mesmo sentimento de Pedro que, diante da igreja de Jerusalém, disse: “…quem era, então, eu, para que pudesse resistir a Deus?” (At.11:17).
Lembrando, ainda, a famosa alegoria de John Bunyan, o Peregrino, lembramos que a personagem denominada de Obstinado foi, precisamente, aquela que nem sequer iniciou a sua jornada para a cidade celestial.
A obstinação é própria de quem nem sequer se converteu.
OBS: Embora seja uma expressão muito corriqueira entre os crentes, é bom que lembremos aqui o que significa “cerviz dura”. Cerviz é a parte posterior do pescoço, ou seja, a nuca.
Ter cerviz dura significa não ser capaz de curvar o pescoço, ou seja, não ser capaz de se submeter, não ser capaz de se humilhar, não ser capaz de se pôr sob o senhorio de alguém, isto é, na linguagem popular, “não baixar a cabeça para ninguém”.
– Quem é brando na sua índole, no seu gênio, ou seja, quem não resiste à voz ou à vontade de Deus, acaba sendo, igualmente, brando na sua maneira de se expressar com o próximo, com o semelhante.
A mansidão envolve este modo gentil de se dirigir ao outro, uma delicadeza no trato com as pessoas.
Deus mostra-nos que é um ser manso, delicado, quando, ao Se revelar ao profeta Elias, não o fez nem no forte e grande vento, nem no terremoto, nem no fogo, mas, sim, numa voz mansa e delicada (I Rs.19:11,12) e, observemos, a palavra do Senhor não era elogiosa para com o profeta, mas uma exortação.
Mansidão, portanto, não se confunde com falta de autoridade nem tampouco com situações de elogio ou de exaltação.
É indispensável que, ao sermos confrontados com a nossa fé, devemos, diz o apóstolo Pedro, responder com mansidão àqueles que indagam da razão da esperança que há em nós (I Pe.3:15).
Temos sido testemunhas vivas da transformação de Cristo em nossas vidas ou a dureza e aspereza de nossas palavras tem impedido que Deus Se manifeste em nossas vidas aos que nos cercam?
– A brandura de expressão para o próximo só traz vantagens ao ser humano. O sábio Salomão assevera que “a resposta branda desvia o furor”, enquanto que “a palavra dura suscita a ira” (Pv.15:1), de forma que,
percebemos claramente que a dureza de expressão tem como efeito tão somente despertar a ira no próximo, o que pode trazer consequências nefastas para a pessoa que proferiu esta palavra dura, porquanto, como afirmam as Escrituras, tudo aquilo que plantarmos será colhido por nós mesmos (Gl.6:7).
Assim, se suscitarmos ira, resistência, ódio, recalque em nossos semelhantes, iremos colher exatamente isto em relação a nós e criarmos situações difíceis e embaraçosas no futuro que não poderemos considerar como tendo sido provações divinas ou ciladas do diabo, mas que são tão somente resultados de nossas próprias ações.
Neste ponto, aliás, devemos ter muito cuidado com a dureza de palavras aos nossos filhos. A repreensão e disciplina são necessárias e imprescindíveis na educação dos filhos, mas a dureza de palavras tem o efeito de tão somente suscitar ira em nossos filhos e a Palavra de Deus é claríssima ao nos dizer que não devemos provocar a ira a nossos filhos (Ef.6:4a).
Exemplo de brandura de resposta que desviou o furor, aliás, temos em Gideão que, após vencer os midianitas, foi interpelado pela tribo de Efraim que, entretanto,
foi apaziguada e reconheceu a liderança do novo juiz de Israel tão somente diante da resposta branda dada por Gideão que, apesar da estupenda vitória militar alcançada, manteve sua mansidão (Jz.8:1-3).
O resultado desta brandura é que conquistou tanta popularidade e unidade em todo o Israel que até lhe quiseram fazer rei (Jz.8:22).
– Nada perdemos em usar palavras gentis com aqueles que nos cercam. Aliás, este é um dos significados de “meiguice”, que é um dos significados de “mansidão”.
A meiguice caracteriza-se por ser “…sentimento, ato, dito, gesto que denota afeição; gentileza, carinho, afabilidade, bondade; efeito doce, suave e muito agradável; suavidade, brandura” e, no plural (isto é, “meiguices”), “gestos afetuosos; afagos, carinhos; palavras gentis.”
A mansidão caracteriza-se, também, não apenas por palavras gentis, mas também por intermédio de gestos afetuosos, de afagos, de carinhos.
Todos sabem como o ambiente afetivo da família é demonstrado por meio de ações carinhosas, que são reveladoras da mansidão existente.
Nos dias em que vivemos, em que as pessoas estão cada vez mais embrutecidas, tem-se defendido a ideia de que devemos ser mais afetuosos, e isto se demonstra de forma sem igual através de ações como os carinhos e os gestos gentis.
Uma técnica (que entendemos esteja sendo abusivamente utilizada inclusive nas igrejas atualmente) é a do incentivo e estímulo ao contacto físico entre as pessoas, através de troca de expressões, de apertos de mão, enfim, de atitudes que determinem uma transmissão de afeto entre pessoas.
– A Bíblia dá-nos conta de que Moisés, ao partir para o Egito, depois de ter sido chamado por Deus no monte Horebe, acabou tendo de circuncidar seu filho, ante uma severa aparição divina, o que fez com que sua mulher Zípora o chamasse de “esposo sanguinário” (Ex.4:24-26). Esta passagem bíblica, que causa, às vezes, alguma estranheza, revela-nos dois pontos importantes sobre o caráter de Moisés quando estava assumindo a sua missão:
em primeiro lugar, mostra que Moisés não quis resistir ao Senhor, tanto que Zípora acabou por circuncidar o filho;
em segundo lugar, que, até então, Moisés jamais obrigara sua mulher a fazer algo drástico, algo dolorido, como era a circuncisão do filho, ou seja, tinha sido, até ali, um marido gentil, agradável, afetuoso, tanto que Zípora passou a designá-lo de esposo sanguinário por causa da circuncisão.
Em suma, o episódio mostra-nos que Moisés era um homem manso, ou seja, estava pronto para exercer o ministério que lhe estava reservado desde o seu nascimento.
– As Escrituras também nos mostram que Jesus era afetivo, carinhoso, brando em suas expressões.
A Natanael, disse que ali estava um israelita em que não havia dolo, palavras gentis que levaram à conversão daquele homem.
À mulher samaritana, de forma serena e delicada, fez com que houvesse a confissão da irregularidade moral de sua vida, como também de forma branda livrou a mulher adúltera da fúria de seus acusadores.
Com as crianças, pô-las no meio e lhes fez carícias, impondo-lhes as mãos. Nunca impediu João de encostar sua cabeça em Seu peito e jamais deixou de trazer palavras encorajadoras aos Seus discípulos.
Até mesmo ao perseguidor Paulo, foi suave em Sua firme palavra na estrada de Damasco. Não é por acaso que a Igreja tem, ao longo de sua história, identificado o seu Senhor como “o meigo Nazareno”.
– A meiguice de Cristo, aliás, faz-nos ver que “meigo” significa “dotado de sentimentos gentis, ternos; carinhoso; inspirado pela bondade, gentileza; afável, meigoso; que causa impressão agradável; suave, ameno, brando.”
A palavra “meigo” vem do grego “magikós”, que deu origem ao latim “magicus”, de onde veio a nossa palavra “mágico”.
“Meigo”, portanto, é “aquele que encanta”, “aquele que atrai”, “aquele que causa impressão agradável”.
Era isto precisamente o que fazia Jesus, tanto que sempre o Senhor é visto seguido por uma multidão durante o Seu ministério.
Jesus tinha prazer em estabelecer relacionamentos com as pessoas e Se mostrar agradável a elas.
Somente assim conseguia delas Se aproximar e apresentar a Sua mensagem. Será que temos causado impressões agradáveis aos que nos cercam ou temos preferido um comportamento de santarronice, de separação e distância de todos os que estão à nossa volta.
Nos dias de Jesus, havia um grupo de pessoas que assim procedia e que, por quererem viver separados do restante das pessoas receberam o nome de “separados”, ou, usando a língua aramaica, “fariseus”.
Lembram-se, amados, do que Jesus achava deles? Se não, leiam Mt.23. OBS: Como afirma o psiquiatra Augusto Jorge Cury, “…afora Seus momentos de interiorização e meditação.
Ele [Jesus, observação nossa] esteve sempre procurando convívio social. Já analisei muitas pessoas sociáveis e posso garantir que Cristo foi uma das mais sociáveis que já estudei. Tinha prazer de conviver com as pessoas.
Estava sempre mudando de ambiente a fim de estabelecer novos contatos. Frequentemente tomava a iniciativa de dialogar com as pessoas.
Deixava-as curiosas e prendia a atenção delas. Gostava de dialogar com todas as pessoas, até as menos recomendadas, as mais imorais.
Fazia questão de procurá-las e estabelecer um relacionamento com elas. Por isso, escandalizava os religiosos da sua época, o que comprometia a sua reputação diante do centro religioso de Jerusalém.
Porém o prazer que sentia ao Se relacionar com o ser humano era superior às consequências da Sua atitude, da má fama que adquiria, para a qual Ele, aliás, não dava importância; o que importava era ser fiel à Sua própria consciência.(…).
Sua delicadeza para incluir e cuidar das pessoas excluídas socialmente representava um belo retrato de Sua elevada humanidade.
Embora os fariseus tivessem preconceito contra Cristo, o mesmo não ocorria por parte de Cristo.…” (CURY, Augusto Jorge. Análise da inteligência de Cristo, 3.ed., p.187-8).
III – A HUMILDADE
– Mas, além da mansidão, temos, também, a humildade. Jesus disse que devemos aprender com ele ser “manso e humilde de coração” (Mt.11:29).
– Embora a humildade esteja relacionada à mansidão e quase que seja uma decorrência dela, com ela não se confunde.
“…Humildade(…) É a total ausência de arrogância, vaidade e insolência. (…) apenas mediante a abstenção de autoexaltação os membros da comunidade cristã podem manter a unidade e a harmonia” (Bíblia de Estudo Plenitude, Palavra-Chave, At.20:19, p.1136).
– Para que haja um relacionamento profícuo entre os membros da Igreja, é mister que haja humildade, lição inesquecível que Pedro recebeu de Jesus (Jo.13:1-20) e que transmitiu a toda a Igreja em I Pe.5:5, quando disse que todos deveríamos nos revestir de humildade.
OBS: Pedro diz que todos devem se comportar como servos, ou seja, assim como os escravos colocavam aventais para indicar sua posição (isto é o que o original grego indica na expressão “cingir-se de humildade” em I Pe.5:5), os crentes devem estar dispostos a servir a Jesus. Como já se disse em lição anterior – “o crente que não serve, não serve”- Mt.20:28; Lc.22:27.
“…Se essa regra simples fosse obedecida, não haveria luta de posições na igreja. Um homem busca poder quando se exalta pelo orgulho e vê seus irmãos como inferiores a si mesmo(…)
O grego é “egkomboomai”, que significa ‘vestir’se (de uma roupa) ou ‘amarrar’ como quem faz nó em um cinto.
A raiz nominal é ‘kombos’, ‘nó’. A ‘egkmoboma’ era uma espécie de ‘avental’, usado pelos escravos, que assinalava sua posição humilde….” (CHAMPLIN, R.N. Novo Testamento Interpretado versículo por versículo, v.6, p.165).
“A humildade, tal como um espírito manso e quieto, é um ornamento de grande valor, uma bela vestimenta”.(Bigg).
– Somente com humildade, o líder poderá ter êxito, pois a honra é consequência direta de seu exercício (Pv.15:33; 18:12);
é motivo para se receber a graça de Deus (I Pe.5:5; Pv.3:34);
é fruto do aprendizado com Jesus (Mt.11:29);
é por meio dela que se faz sentir a potente mão de Deus (I Pe.5:6; Ed. 8:21-23), ou seja, o poder e o trabalhar de Deus a nosso favor.
– Com a humildade, entendemos nossa insignificância (o que, aliás, Jesus fez com que o jovem rico soubesse ao rejeitar o tratamento de “bom Mestre”, que, na verdade, continha uma certa autossuficiência por parte do mancebo) e, portanto,
negamos a querer decidir o rumo da nossa vida e, em consequência, “lançamos a nossa ansiedade sobre o Senhor” (I Pe.5:7), ou seja, renunciamo-nos por completo e esperamos totalmente em Jesus.
Passamos a compreender que “sem Ele, nada podemos fazer” (Jo.15:5), porque Ele não é um Deus distante, mas que sempre está conosco ( Mt.28:20), intervindo em nossas vidas segundo a Sua vontade, para o nosso bem (Rm.8:28).
– A humildade “é a virtude que consiste em conhecer as suas próprias limitações e fraquezas e agir de acordo com essa consciência” (Humildade. Inm: WIKIPÉDIA. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Humildade Acesso em 21 maio 2014).
– Nunca é demasiado lembrar que a palavra “humildade” vem de “humilitas”, palavra que, por sua vez, vem de “humus”, ou seja, “terra”, que faz da humildade a virtude de quem se lembra que é pó e que ao pó haverá de tornar (Gn.3:19).
– Quando aprendemos a ser mansos, reconhecemos que devemos viver “inclinados”, ou seja, que há alguém superior a nós.
Notamos, pois, as nossas limitações, a nossa inferioridade e, então, passamos a exercitar a humildade, lembrando a nossa condição de sermos pós e que, por isso mesmo, não temos qualquer saída ou futuro se não estivermos em Cristo Jesus.
– Aliás, é este precisamente o significado da palavra grega empregada, a saber, “tapeinophrosyné” (ταπινοϕρσύνή),
“…substantivo de tapeinophron, baixo, humilde, inferior, que se origina de tapeinos (5011), inferior, humilde.
Humildade, humildade de espírito, modéstia na mente e no comportamento.…” (Bíblia de Estudo Palavras-Chave. Dicionário do Novo Testamento, verbete 5012, p.2420).
– O humilde, portanto, é aquele que sabe que é inferior, que precisa de alguém que lhe é superior, que sabe exatamente qual é a condição humana e que, portanto, não se atreve a se achar superior a ninguém, reconhece a sua pequenez e sabe que não se mantiver em Jesus, estará irremediavelmente perdido.
– Não é por outro motivo que o proverbista vincula o temor do Senhor à humildade e diz que é ela que precede a honra (Pv.15:33; 22:4).
IV – A LONGANIMIDADE
– Este andar digno da vocação divina não se dá apenas com mansidão e humildade, mas também se faz com longanimidade (Ef.4:2), que alguns também traduzem por “paciência”.
– A palavra “paciência”, em português, vem do latim “patientia” que, segundo o Dicionário Houaiss, significava, entre os romanos, ‘capacidade de suportar, constância; submissão, servilismo; faculdade de resistir’.
Com efeito, quando vamos aos dicionários de latim, vemos que a palavra “patientia” é a ação de sofrer, porque sofrer, em latim, é “patior”, um verbo depoente, ou seja, um verbo que era conjugado na voz passiva, mas tinha sentido ativo.
Isto é importante para que saibamos que a ideia de “paciência” não comporta inatividade, passividade ou indiferença, como alguns pensam, mas tem em si a ideia de suportar o sofrimento, mas de um modo ativo, através de ações e não somente de inação.
– “Paciência”, dizem os dicionaristas de nossa língua, significa virtude que consiste em suportar os dissabores e infelicidades; resignação; capacidade de persistir numa atividade difícil, suportando incômodos e dificuldades; constância, calma para esperar o que tarda.
– Na Bíblia Sagrada, no Antigo Testamento, a palavra correspondente é “orēkh” ( )ארך , cujo significado é “longo”, daí porque ter João Ferreira de Almeida preferido usar o termo “longanimidade” para traduzir este conceito.
Com efeito, “longanimidade”, segundo os dicionaristas, na sua origem, é palavra que significa “qualidade de ser sofredor”, sendo, hoje em dia, considerada a “virtude de se suportar com firmeza contrariedades em benefício de outrem; magnanimidade, generosidade e, por derivação por extensão de sentido, paciência, resignação com que se suportam contrariedades, malogros, dificuldades”.
OBS: A única vez em que aparece a palavra “paciência” na Versão Almeida Revista e Corrigida, no Antigo Testamento, é em Sl.40:1.
Ali, a palavra “paciência” foi usada para traduzir a palavra hebraica que já significa “esperar com paciência” e que é, inclusive, duas vezes repetida no texto do salmo.
Na Septuaginta, o verbo usado é “hypomeno”, que é o verbo perseverar. Por isso, tanto a Vulgata Latina quanto a Versão do Padre Antonio Pereira de Figueiredo, usam a repetição do verbo esperar no texto.”
Aguardei com expectação no Senhor”, diz o texto da mais antiga versão católico romana da Bíblia em língua portuguesa.
– No Novo Testamento, a palavra “paciência” é tradução de, basicamente, duas palavras gregas: “hypomone”(υπομονή) e “makrothymia”(μακροθυμία).
A primeira significa “permanência em baixo de “, ou seja, “resistência”, “perseverança”, enquanto que a segunda (que João Ferreira de Almeida também traduz por “longanimidade”, como em Gl.5:22)
significa “grande temperamento”, “magnanimidade”, “grandeza de espírito”, “generosidade”, “longa espera da mente, antes d3e ceder lugar à ira” (segundo R.C. Trench), demonstrando, assim, não só o aspecto de resistência, mas um lado positivo, um lado ativo decorrente desta atitude de suportar e de resistir.
– Vemos, portanto, que a ideia de “paciência” ou de “longanimidade” está vinculada, primeiramente, à ideia de sofrimento.
Ter paciência é ser capaz de suportar o sofrimento, de resistir diante do sofrimento, é a própria ação de sofrer. “Paciente”, que vem do latim “patiens” é “aquele que atura, que suporta, que sofre, que resiste”.
Um exemplo disto temos no relacionamento entre o médico e seu cliente, que é chamado de “paciente”, pois é quem vai ter de suportar, de aturar o tratamento que será levado a efeito pelo médico.
– João Calvino bem descreve esta qualidade do fruto do Espírito, “in verbis”: “…Longanimidade é a suavidade da mente, a qual nos dispõe a levar tudo com otimismo, não permitindo a suscetibilidade.…” (O fruto do Espírito apud Comentário aos Gálatas, p.170. Disponível em: http://www.monergismo.com/textos/jcalvino/fruto_espirito_calvino.htm Acesso em 2 nov. 2016).
– Se uma das qualidades do fruto do Espírito é a “longanimidade”, ou seja, a “qualidade de ser sofredor”, isto nos mostra que, ao contrário dos arautos da doutrina da confissão positiva ou da teologia da prosperidade, o crente sofre,
tanto sofre que foi dotado pelo Espírito Santo de um caráter que contém, entre seus elementos, o de suportar ao sofrimento e de resistir ao sofrimento.
Quem não sofre, não tem paciência, como, aliás, deixou claro o apóstolo Paulo em Rm.5:3, de modo que, quem não sofre, não é verdadeiramente um salvo, um cristão, pois, como já temos visto neste trimestre, o verdadeiro salvo,
aquele que está na videira verdadeira, inevitavelmente produz o fruto do Espírito Santo e um dos “gomos” deste fruto é, precisamente, a “longanimidade”, ou seja, a “qualidade de ser sofredor”.
OBS: “…Deus tem um propósito por trás de cada problema. Ele usa as circunstâncias para desenvolver nosso caráter.
Na verdade, ele se utiliza mais das circunstâncias para nos tornar semelhantes a Jesus do que da nossa leitura da Bíblia.
A razão é óbvia: você se defronta com as circunstâncias da vida 24 horas por dia. Jesus nos alertou dizendo que teríamos problemas no mundo.
Ninguém está imune à dor ou livre de sofrer e ninguém tem a oportunidade de atravessar a vida sem problemas.
A vida é uma série de problemas.(…). Deus utiliza os problemas para trazê-lo para perto de si.(…).
Suas mais íntimas e profundas experiências de adoração ocorrerão provavelmente nos dias mais sombrios(…).
Você nunca saberá que Deus é tudo o que você precisa até que ele seja tudo o que você tiver.…” (WARREN, Rick. Uma vida com propósitos, p.168-9).
– A paciência é uma qualidade que decorre do desenvolvimento espiritual do cristão. Já vimos que, quando o homem aceita a Cristo como seu Senhor e Salvador, recebe, de pronto, o amor divino, a alegria espiritual e a paz.
No entanto, não é assim que acontece com a paciência. A paciência, diz-nos a Escritura Sagrada, é produto da tribulação (Rm.5:3), é fruto do tempo, pois a longanimidade é o “longo ânimo”, e quando falamos em “longo”, falamos de decurso de tempo,
tanto que, quando a Bíblia fala na longanimidade divina, frequentemente associa esta característica ao fato de Deus ser “tardio em irar-Se” (Ex.34:6; Ne.9:17;Jl.2:13; Na.1:3; II Pe.3:9).
OBS: O sofrimento é necessário para a formação do caráter do cristão, como, via de regra, do caráter em geral:
“…Para que um caráter tenha algum valor, é necessário que se possa manter firme neste mundo de trabalhos, de tentações e de provas e que suporte o cansaço da vida diária.
(…) A vida inteira pode ser considera como uma grande escola de experiência, em que as mulheres e os homens são os discípulos.
Da mesma forma que, nas escolas, é preciso aceitar como verdades muitas das lições que se recebem.
Acontece, muitas vezes, que não as compreendemos e achamos duro ter de as aprender, sobretudo quando os mestres são os dissabores, as tristezas, as tentações e as dificuldades e, todavia, devemos não só aceitá-las, como também reconhecer que nos são enviadas pela mão divina(…).
Os resultados da experiência não se podem fazer sentir senão no decurso da vida, e a vida é uma questão de tempo. O homem experiente aprende a considerar o tempo como o seu ajudante…” (SMILES, Samuel. Trad de D.Amélia Pereira.O caráter, p.438-41).
– Quando o Senhor revelou o mistério da Igreja, imediatamente após ter dito que a edificaria, anunciou que “as portas do inferno não prevaleceriam contra ela” (Mt.16:18), ou seja, a existência da Igreja está indissociavelmente ligada com a luta contra as hostes espirituais da maldade nos lugares celestiais (Ef.6:12).
Por isso, foi dito que, no mundo, o povo de Deus teria aflições (Jo.16:33), mas que isto não deveria nos desanimar, porque nos está prometida a vitória por nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo (I Co.15:57).
A partir do instante em que passamos a servir a Deus, forças contrárias tentarão sufocar a nossa nova vida em Cristo (Mt.13:21,22) e isto é permitido pelo Senhor precisamente para que melhoremos nossos caminhos diante d’Ele, adquirindo, entre outras coisas, a paciência, que é um dos primeiros resultados decorrentes da poda nos ramos da videira verdadeira (Jo.15:2).
V – CONSEQUÊNCIAS DO ANDAR DIGNO DA VOCAÇÃO DIVINA
– O apóstolo diz que, quando andamos com mansidão e humildade, com longanimidade, isto faz com que nos suportemos uns aos outros em amor (Ef.4:2).
Nem poderia ser diferente: se somos mansos, estamos “inclinados”; se somos humildes, reconhecemos nossa pequenez; se somos longânimos, aprendemos a suportar o sofrimento.
– Ora, com estas características, conseguimos administrar as diferenças que há entre nós, pois não há um ser humano que seja igual ao outro, e, agora, embora estejamos num corpo, prosseguimos sendo diferentes uns dos outros, mas,
agindo com mansidão, humildade e longanimidade, tudo é superado, pois cada um considera o outro superior a si mesmo, todos entendem que devem seguir a cabeça da Igreja que é Cristo, além do que todos suportam as contrariedades e adversidades que exsurgem ao longo da caminhada nossa para os céus.
– A consequência deste suportar de uns aos outros em longanimidade é a unidade do corpo de Cristo. Todos tendo o mesmo sentimento, suportando-se mutuamente em amor, mantêm o corpo de Cristo unido, sob o comando da cabeça, que é o Senhor Jesus e, por conta disso, guardamos a unidade do Espírito, pelo vínculo da paz (Ef.4:3).
– A paz com Deus torna-se paz de Deus (Fp.4:7; Cl.3:15), ou seja, a integridade e completude que alcançamos em Deus quando somos salvos (Rm.5:1),
expande-se para os nossos relacionamentos com os irmãos, com os demais salvos, surgindo uma integração no corpo de Cristo, e, assim como os membros do nosso corpo estão todos interligados, formando um corpo,
cada um exercendo a função e mantendo a vida no todo, também nós nos integramos e cada qual exercendo a sua função, mantém o corpo de Cristo unido, e não só unido, mas vivo e em contínuo crescimento.
– Esta paz é que nos vincula um ao outro e nos mantém na unidade do Espírito, em mais uma demonstração de que a ideia do movimento dos “desigrejados” não tem qualquer respaldo bíblico e vai contra o que ensina a sã doutrina.
Temos de manter vínculo de paz com os demais irmãos, para que se demonstre a unidade do Espírito e só nesta unidade podemos estar em Cristo e perseverar com vida em nossa peregrinação terrena.
– Esta unidade é, então, descrita pelo apóstolo de forma sucinta mas extremamente clara e objetiva: um só corpo, um só Espírito, uma só esperança da vocação, um só Senhor, uma só fé, um só batismo, um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, e por todos, e em todos (Ef.1:4-6).
– Há um só corpo. Jesus formou a Igreja, edificou-a sobre Si mesmo e, portanto, a Igreja é “católica”, ou seja, “universal”.
Existe apenas uma Igreja, um só povo de Deus, formado pelos lavados e remidos pelo sangue de Cristo.
A Igreja, embora seja única, manifesta-se em vários grupos, as chamadas “igrejas locais”, porque se trata de um organismo espiritual, místico, que somente se reunirá como um todo por ocasião do arrebatamento da Igreja.
– Há um só Espírito. Quando somos salvos, recebemos o Espírito Santo (Jo.7:38,39), que, inclusive, derrama o amor de Deus em nossos corações (Rm.5:5).
Em sendo assim, não pode haver entre os salvos outro Espírito senão o Espírito Santo, Espírito inclusive que nos faz ter consciência de que somos filhos de Deus (Rm.8:15),
Espírito que, como disse o apóstolo ao mencionar as bênçãos espirituais que recebemos nos lugares celestiais em Cristo, foi que nos deu o selo, sendo Ele o penhor da nossa herança, que nos garante, pois, como somos, agora, propriedade de Deus (Ef.1:13,14).
– Há uma só esperança da nossa vocação. Fomos chamados para irmos morar para sempre com o Senhor nas mansões celestiais (Jo.14:1-3) e estamos neste caminho e, em razão desta esperança, vivemos em santificação (I Jo.3:1-3). A Igreja não deseja construir um paraíso terrestre, nem viver aqui, mas aguarda novos céus e nova terra onde habita a justiça (II Pe.3:13).
– Há um só Senhor. O Espírito Santo que recebemos nos faz glorificar a Jesus (Jo.16:14) e a reconhecê-l’O como Senhor (I Co.12:3), como a cabeça da Igreja.
Não servimos aos homens (I Co.7:23), mas, sim, a Deus, que deu o senhorio a Jesus (Mt.28:18; Fp.2:9-11).
– Há uma só fé. Todos devem crer em Jesus Cristo e nas Escrituras, que são as Suas testemunhas (Jo.5:39).
Não há outro fundamento em que podemos nos firmar senão o próprio Cristo, sobre o qual a Igreja é edificada (Ef.2:20; I Co.3:11).
– Há um só batismo. Aqui alguns se confundem, pois o escritor aos hebreus fala em “doutrina dos batismos” (Hb.6:2) e o apóstolo Paulo faz menção também do “batismo de João” (At.19:3).
– Paulo está a falar aqui da Igreja, da sua unidade e, como tal, está a dizer que só uma forma de ser humano passar a pertencer à Igreja, mediante o “batismo”, que é a sua inserção no corpo de Cristo, tal como descrito em I Co.12:13, batismo este que é declarado publicamente no “batismo nas águas”, que é uma ordenança de Cristo.
– Por isso mesmo, não se pode admitir o “rebatismo nas águas”, pois isto é a mais completa negação desta verdade doutrinária, de que há um só batismo, uma só entrada no corpo de Cristo.
– Como bem afirma a Declaração de Fé das Assembleias de Deus, “…o batismo em águas é uma ordenança de Cristo para a Sua Igreja, dada por ordem específica do Senhor Jesus (…).
É um ato importante e repleto de significados espirituais, que é administrado pela Igreja ao crente, mediante arrependimento e confissão de fé, onde quer que o evangelho seja pregado.
Nós o efetuamos por imersão do corpo inteiro uma única vez em águas, em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo.…” (XII, intr.. e 1, p.127).
– O “rebatismo” é a negação pública, diante de Deus, da igreja e dos homens, de tudo quanto se obteve de Deus desde o batismo anterior até o rebatismo,
é a negação pública da atuação do Espírito Santo na vida de alguém, é renegar o próprio Espírito Santo, é dizer que ele não tinha atuado antes, é atribuir ao Espírito Santo uma ação maligna, o que é praticamente um ato de apostasia. Tomemos cuidado, amados irmãos!
– Há um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, e por todos, e em todos. Temos um único Deus e a unidade da Igreja mostra esta unidade, porque somos um com Cristo, que é a Pessoa do Filho, tendo um só Espírito ao nosso lado, que é outra Pessoa Divina, e Cristo Se submete voluntariamente ao Pai,
Pessoa que Lhe deu todo o poder e Lhe exaltou soberanamente sobre todo o nome. Deus único, em Suas três Pessoas, revela como a unidade da Igreja reflete a unidade divina, e nem podia ser diferente pois esta Igreja é o povo deste Deus.
– Este Deus, que é Pai de todos (daí porque, quando nos ensinou a orar, o Senhor Jesus mandou que orássemos ao “Pai nosso” – Mt.6:9), também é sobre todos.
Com efeito, embora Jesus seja a cabeça da Igreja, Ele, após tornar a congregar todas as coisas em Si (Ef.1:10), submeter-se-á voluntariamente ao Pai (I Co.15:28) e, naturalmente,
nesta sujeição, estaremos envolvidos, até porque, nesta época, já seremos a Sua esposa (Ap.19:7), unidos indissoluvelmente com Ele para sempre. Paulo já afirmara aos coríntios que Deus é a cabeça de Cristo (I Co.11:3).
– Este Deus também é por todos, porque ama os homens e por isso resolveu salvá-los. A Igreja nada mais representa senão o favor de Deus, a Sua graça, pois ela ao se manifestar trouxe salvação a todos os homens (Tt.2:11).
– Por fim, este Deus é em todos. Com efeito, a Igreja é morada de Deus no Espírito (Ef.2:21), somos morada do Pai e do Filho (Jo.14:21) e templo do Espírito Santo (I Co.6:19).
Ev. Caramuru Afonso Francisco
Fonte: https://www.portalebd.org.br/classes/adultos/5326-licao-10-a-intercessao-pelos-efesios-i-2