INTRODUÇÃO
– Na sequência do estudo da vida e do ministério de Paulo, veremos a sua coragem diante da morte.
– O ministro de Cristo Jesus deve ser exemplo inclusive no modo de encarar a morte física.
I – A VIDA CRISTÃ E A REALIDADE DA MORTE
– Na sequência do estudo da vida e do ministério do apóstolo Paulo, veremos a atitude do apóstolo diante da morte.
– A vida cristã tem de enfrentar a realidade da morte física. O próprio Paulo diz que somente o cristão tem a perspectiva de não morrer, a exemplo do que já ocorreu com Elias e com Enoque, tanto que, ao ensinar sobre o arrebatamento da Igreja, disse que nem todos dormiremos, mas todos seremos transformados (I Ts.4:15,16; I Co.15:51,52).
– Com efeito, a salvação em Cristo Jesus é tão grandiosa que até mesmo a “maior certeza da vida”, que
é a morte física (Hb.9:27), se desfaz, porquanto os que estiverem vivos no arrebatamento da Igreja não sofrerão a morte física, mas serão transformados, num abrir e fechar de olhos, e se encontrarão com o seu Senhor nos ares.
– No entanto, sabemos todos que o número daqueles que não passarão pela morte física é pequeno em relação a todos os que creram em Cristo ao longo do tempo da Igreja sobre a face da Terra, este que compõem a chamada “igreja triunfante”, que é aquela que aguarda a ressurreição, porque dormiu no Senhor.
– A morte física é uma realidade inevitável, portanto, para um grande número de salvos na pessoa de Jesus Cristo. Verdade é que a morte física é recebida pelo salvo de modo diferente, pois a perspectiva do arrebatamento da Igreja e a nossa comunhão com o Senhor nos permite ter a consolação que os demais não têm (I Ts.4:13).
– Por isso mesmo, jamais podemos dizer que o cristão está imune à morte física ou, mesmo, que há uma promessa de longevidade para os que creem em Cristo, como, aliás, equivocadamente, difundiram os defensores das falsas teologias da confissão positiva e da prosperidade.
– Jesus, Ele mesmo condenado à morte por conta da pregação do Evangelho (Mt.26:6), sempre disse aos Seus discípulos que, por causa do serviço ao Senhor, os cristãos seriam mortos (Lc.21:12-17; Jo.15:18-20), mas que não se deveria temer a morte física, pois quem pode matar o corpo, não pode matar o homem interior (Mt.10:28).
– Paulo bem sabia o destemor que os servos do Senhor tinham com relação à morte física, pois, como perseguidor, pôde presenciar que muitos agiam da mesma maneira que Estêvão, ou seja, não temiam morrer por causa do Evangelho, uma atitude que é extremamente agradável a Cristo, como podemos verificar no teor da Sua carta ao anjo da igreja de Esmirna (Ap.2:10).
– O martírio de Estêvão certamente causou grande impacto na vida de Paulo, que estava ali para consentir na morte daquele que é o primeiro mártir do Cristianismo. Assim que convertido, o apóstolo já é avisado pelo Senhor de que saberia o que significava sofrer pelo nome de Cristo (At.9:15,16).
– Antes mesmo de convertido, o apóstolo já tinha conhecimento do quanto o cristão está imunizado do medo da morte, o que, ademais, não era algo estranho a Paulo que, como doutor da lei que era, tinha pleno conhecimento do conceito de martírio entre os judeus, o chamado “Kidush Ha-Shem”, ou seja,
“a santificação do Nome”, segundo o qual o maior ato de virtude ou heroísmo é a oferta da própria vida em holocausto para a santificação do Nome de Deus, por lealdade à Torah e em defesa do povo judeu, fato este que passou a ser particularmente enaltecido com o episódio da profanação do templo e da perseguição contra a religião judaica empreendida por Antíoco Epifânio em 168 a.C.
OBS: O livro apócrifo de II Macabeus narra um destes episódios de martírio que aqui transcrevemos: “Aconteceu também que sete irmãos foram presos, junto com sua mãe. Torturando-os com chicotes e flagelos, o rei queria obrigá-los a comer carne de porco, contra o que determina a Lei.
Um dentre eles, falando por primeiro, disse:
“Que retendes conseguir e o que queres saber de nós? Estamos prontos a morrer, antes que transgredir as leis de nossos antepassados”.
Enfurecido, o rei ordenou que se pusessem ao fogo assadeiras e caldeirões. Logo que ficaram incandescentes, ordenou que se cortasse a língua ao que falara primeiro, e lhe arrancassem o couro cabeludo e lhe decepassem as mãos e os pés, tudo isso à vista dos outros irmãos e de sua mãe. 5
Já mutilado em todos os seus membros, mandou que o levassem ao fogo e, ainda respirando, o torrassem na assadeira. Espalhando-se por muito tempo o vapor da assadeira, os outros, junto com a mãe, animavam-se mutuamente a morrer com coragem, dizendo:
“O Senhor Deus está vendo e na verdade se compadece de nós, segundo o que Moisés declarou pela voz de quem entoa o seu cântico: ‘Ele se compadecerá de seus servos”.
Tendo morrido o primeiro dessa maneira, levaram o segundo para a tortura. Após lhe arrancarem o couro cabeludo, perguntaram-lhe se havia de comer, antes que ser torturado em cada membro do seu corpo.
Ele, porém, respondeu, na língua dos seus antepassados: “Não o farei.” Por isso, a seguir, também ele foi submetido às torturas do primeiro. Estando quase a expirar, falou: “Tu, ó malvado, nos tiras da vida presente.
Mas o rei do universo nos fará ressurgir para uma vida eterna, a nós que morremos por suas leis!” Depois deste, começaram a torturar o terceiro. Intimado a pôr a língua para fora, ele o fez imediatamente e com coragem estendeu as mãos, dizendo com serenidade:
“Do céu recebi estes membros, e é por suas leis que os desprezo, pois espero dele recebê-los novamente”. O próprio rei e os que o rodeavam ficaram espantados com o ânimo desse adolescente, que em nada reputava os tormentos.
Tendo morrido também este, começaram a torturar da mesma forma o quarto. Estando para morrer, ele falou: “É melhor para nós, entregues à morte pelos homens, esperar, da parte de Deus, que seremos ressuscitados por Ele. Para ti, porém, ó rei, não haverá ressurreição para a vida!” 15
A seguir, trouxeram à frente o quinto, e passaram a torturá-lo. Ele, porém, fixando os olhos no rei, disse: “Tu fazes o que bem queres, embora sejas um simples mortal, porque tens poder entre os homens. Não penses, porém, que o nosso povo foi abandonado por Deus. 17
Espera um pouco, e verás a majestade do seu poder: como há de atormentar-te, a ti e à tua descendência!” 18 Depois trouxeram o sexto, o qual também, antes de morrer, falou: “Não te iludas em vão! Nós sofremos isto por nossa própria culpa, porque pecamos contra o nosso Deus.
É por isso que nos acontecem estas coisas espantosas. Tu, porém, não penses que ficarás impune, tendo-te atrevido a lutar contra Deus!” Mas sobremaneira admirável e digna de abençoada memória foi a mãe, a qual, vendo morrer seus sete filhos no espaço de um dia, soube portar-se animosamente por causa da esperança que tinha no Senhor.
A cada um deles exortava na língua dos seus antepassados, cheia de coragem e animando com força viril a sua ternura feminina.
E dizia-lhes: “Não sei como viestes a aparecer no meu ventre, nem fui eu quem vos deu o espírito e a vida. Também não fui eu quem deu forma aos membros de cada um de vós. Por isso, o Criador do mundo, que formou o ser humano no seu nascimento e dá origem a todas as coisas, ele, na sua misericórdia, vos restituirá o espírito e a vida.
E isto porque, agora, vos sacrificais a vós mesmos, por amor às suas leis”. Antíoco suspeitou que estava sendo menosprezado, e que essas palavras eram de censura. Como restasse, ainda, o filho mais novo, começou a exortá-lo
não só com palavras, mas ainda com juramentos lhe assegurava que o faria rico e feliz, contanto que abandonasse as tradições dos antepassados – mais, que o teria como amigo e que ele lhe confiaria altos encargos.
Como o moço não lhe desse a menor atenção, o rei dirigiu-se à mãe, convidando-a a aconselhar o rapaz para o seu próprio bem. Depois de muita insistência do rei, ela aceitou tentar convencer o filho. Inclinando-se para ele, e fazendo pouco caso do cruel tirano, assim falou na língua dos antepassados:
“Filho, tem compaixão de mim, que por nove meses te trouxe no meu ventre e por três anos te amamentei, alimentei e te conduzi até esta idade, provendo sempre ao teu sustento. 28 Eu te suplico, filho, contempla o céu e a terra e o que neles existe.
Reconhece que Deus os fez do que não existia, e que assim também se originou a humanidade. Não tenhas medo desse carrasco. Ao contrário, tornando-te digno de teus irmãos, enfrenta a morte, para que eu te recupere com eles no tempo da misericórdia”. Ela ainda falava, quando o rapaz disse: “A quem esperais?
Eu não obedeço às ordens do rei. Aos preceitos da Lei, porém, que foi dada aos nossos pais por meio de Moisés, a esses obedeço. 31
Quanto a ti, que és o autor de toda a maldade que se abate sobre os hebreus, não conseguirás escapar das mãos de Deus. Porquanto nós, é por causa dos nossos pecados que padecemos. 33
E se agora, o Senhor, que vive, está moderadamente irritado contra nós, a fim de nos punir e corrigir, ele novamente se reconciliará com os seus servos.
Tu, porém, ó ímpio e o pior dos criminosos do mundo, não te exaltes em vão, embalado por falsas esperanças, tendo levantado as mãos contra os filhos de Deus. Pois ainda não escapaste ao julgamento do Deus todo-poderoso, que tudo vê.
Quanto aos meus irmãos, tendo suportado agora um sofrimento momentâneo, morreram pela aliança de Deus, por uma vida eterna. Tu, porém, pelo julgamento de Deus, hás de receber os justos castigos da tua soberba.
De minha parte, como meus irmãos, entrego o corpo e a vida pelas leis de nossos antepassados, suplicando a Deus que se mostre logo misericordioso para com a nossa nação e que, mediante tormentos e flagelos, te obrigue a reconhecer que só ele é Deus.
Tenho a certeza de que, em mim e nos meus irmãos, deteve-se a ira do Todo poderoso, que se abateu com justiça por sobre todo o nosso povo”. 39
Enfurecido, o rei tratou a este com crueldade ainda mais feroz do que aos outros, não suportando ver-se de tal modo escarnecido. Assim também este morreu, sem mancha, confiando totalmente no Senhor. Por último, depois dos filhos, foi morta a mãe.” (II Mc.7:1-41).
– No entanto, o martírio era visto pelos judeus como um gesto de lealdade para com Deus mas como uma defesa de Israel, sendo certo que os mártires deveriam aguardar a ressurreição do último dia para que fossem devidamente premiados no “mundo-do-além”.
– O apóstolo, porém, viu que, com Estêvão, e depois, os demais integrantes da “seita dos nazarenos”, havia uma esperança muito diferente. Estêvão já brilhava seu rosto antes mesmo da morte e, ao morrer, além de já ver os céus abertos, ainda pôde afirmar que contemplava a Cristo Jesus à direita do Pai, tendo, ademais, perdoado os seus algozes (At.7:54-60).
– Com a conversão, Paulo pôde entender o porquê da reação diferente dos cristãos diante da morte e ele mesmo, ao longo de toda a sua vida cristã, enfrentou sem medo algum as várias ameaças de morte que sofreu, a começar por Damasco, quando teve de sair da cidade escondido num cesto por entre os muros (At.9:25; II Co.11:32,33).
– Se queriam matá-lo em Damasco, não foi diferente em Jerusalém, onde também teve de sair às pressas para não ser morto (At.9:29,30).
– Na primeira viagem missionária, o apóstolo é apedrejado em Listra fica como meio morto (At.14:19,20), enquanto que, na segunda viagem missionária, sofreu ameaças de morte em Tessalônica (At.17:5-10) e em Bereia (At.17:13,14).
– Este enfrentamento com a morte física seria uma constante na vida do apóstolo, como ele narra em II Co.11:24-27, de modo que é bem profundo quando vemos que o apóstolo, ao falar aos anciãos de Éfeso em Mileto que não tinha a sua vida por preciosa (At.20:24).
– Paulo, ao dizer que não tinha a sua vida por preciosa, mostra qual é o sentido da vida para um cristão: cumprir com alegria a carreira e o ministério recebido pelo Senhor Jesus para dar testemunho do evangelho da graça de Deus (At.20:24), ou, como disse aos coríntios, ficar na vocação em que foi chamado (I Co.7:20), atender ao chamado de Cristo, negociar as minas recebidas do Senhor na realização da obra de Deus (cfr. Lc.19:13).
– Ao proceder deste modo, Paulo simplesmente imita a Cristo, para quem a vida só tinha sentido a fim de realizar a obra d’Aquele que O havia enviado (Jo.4:34; 17:4). Este sentido de missão que Cristo tinha em relação ao Pai, nós temos de ter em relação ao Filho, afinal de contas fomos enviados por Ele assim como Ele foi enviado pelo Pai (Jo.20:21).
– Assim, quando preso em Jerusalém, o apóstolo, sabendo que o propósito da prisão era levá-lo a Roma, como lhe foi revelado pelo próprio Senhor Jesus (At.23:11), demonstrou não ter temor algum quanto aos episódios que se sucederam, mesmo tendo ficado alguns anos em Cesareia, apelando para César não porque tivesse medo de ser morto pelos judeus, que, aliás, era o que queriam fazer desde sempre (cfr. At.23:12-24; 25:2,3), mas porque sabia que a vontade de Deus era que fosse para Roma.
– Em Roma, também, nesta primeira prisão, não demonstrou temor algum de morrer, como nos mostram suas epístolas escritas na prisão (Filipenses, Colossenses, Efésios e Filemom). Na carta aos filipenses, que estavam abalados com esta prisão, o apóstolo mostra claramente o seu estado de ânimo, tanto que esta epístola é conhecida como a “carta da alegria”, animando e estimulando os crentes de Filipos.
– Nesta epístola, o apóstolo diz que para ele o viver é Cristo e o morrer é ganho, de modo que tinha ele dúvida até se preferiria continuar vivendo ou já deixar a Terra para aguardar no terceiro céu, que ele já havia contemplado em arrebatamento (cfr. II Co.12:1-4), o dia da manifestação de Jesus Cristo.
– No entanto, o Senhor já deixara claro que o apóstolo ainda não morreria naquela oportunidade (Fp.1:24-26) , obedientemente, sabendo que ainda havia algo a realizar na obra de Deus, o apóstolo avisa aqueles crentes que brevemente os veria, o que, certamente, ocorreu, ainda que disto não haja registro nas Escrituras.
– Aqui temos, aliás, algo que ficou bem caracterizado nestes tempos de pandemia da COVID-19: a vida do servo de Deus aqui na Terra só tem sentido enquanto tiver ele algo a fazer para o Senhor Jesus.
– Paulo, ao saber que ainda tinha algo a fazer para Cristo, soube que se livraria da prisão que estava em Roma, como, aliás, ocorreu. Muitos perguntam porque tantos servos do Senhor sucumbiram na pandemia, inclusive diversos obreiros. Saibamos todos que isto se deu porque não tinham eles mais nada a fazer aqui, já haviam cumprido o seu ministério.
– Paulo mostra que todo salvo deve entender que sua peregrinação terrena está umbilicalmente relacionado com o que tem a fazer para o Senhor. Terminado o trabalho, seremos recolhidos para o Paraíso, onde aguardaremos o arrebatamento da Igreja, sabendo, aliás, como disse Paulo, que lá esteve, que “isto é ainda muito melhor” (cfr. Fp.1:23).
II – PAULO PREVÊ A SUA MORTE
– Paulo foi absolvido da primeira acusação e foi solto, tendo, então, ido a Filipos e, muito provavelmente, mandado pela igreja de Roma, ido para a Espanha, como era seu desejo desde antes de ir para Jerusalém, onde fora preso (cfr. Rm.15:23-25).
– De regresso desta viagem, quando estava muito provavelmente em Trôade, talvez por denúncia de Alexandre, o latoeiro (cfr. II Tm.4:13,14), foi novamente preso, em meio à perseguição desenvolvida contra os cristãos por Nero e mandado de novo para Roma.
– Em Roma, Paulo é avisado pelo Senhor que as coisas, desta vez, não se dariam da maneira anterior, que a morte viria inevitavelmente e, sob esta certeza, Paulo escreve, então, sua segunda epístola a Timóteo, onde, já no encaminhamento do final da carta, traz a seu filho na fé mais uma revelação do Espírito Santo, a como que explicar o alto grau de solenidade e seriedade da exortação para que seu filho na fé cumprisse o seu ministério mesmo diante da apostasia.
– O apóstolo iria morrer, não sairia vivo da prisão, como acontecera na vez anterior: “estou sendo oferecido por aspersão de sacrifício, e o tempo da minha partida está próximo” (II Tm.4:6).
– Paulo faz esta afirmação com serenidade, porque não tinha medo da morte. Ele já havia dito que a vida que vivia o fazia na fé do Filho de Deus, pois não era ele mais quem vivia, mas, sim, Cristo vivia nele (Gl.2:20).
Ele já havia morrido para o mundo (Gl.6:14) e não tinha a sua vida por preciosa (At.20:24), sabendo que o morrer para ele era ganho (Fp.1:21) e entendendo que a morte lhe traria algo muito melhor do que esta existência terrena (Fp.1:23).
– Paulo vivia nesta terra com um único e exclusivo propósito que era o de cumprir com alegria a sua carreira e o ministério que recebera do Senhor Jesus, para dar testemunho do Evangelho da graça de Deus (At.20:24).
Assim, na primeira prisão em Roma, embora desejasse estar com Cristo, que era algo muito melhor do que ficar nesta Terra, o apóstolo havia compreendido de que ainda não era o tempo da partida, que tinha ainda algo a fazer para o Senhor na Sua obra, entre as quais, ir novamente a Filipos para confortar e animar os crentes daquela igreja local.
– Agora, porém, quando já tinha ido a Filipos, provavelmente ido a Espanha e retornado a Ásia, onde foi preso em Trôade, talvez por uma denúncia de Alexandre, o latoeiro, o apóstolo chegava à conclusão de que sua carreira havia terminado, que não lhe restava nada mais a fazer na obra do Senhor senão se oferecer como aspersão de sacrifício, do que ser mártir, dando a sua vida por causa da fé em Jesus.
– O apóstolo faz esta revelação a Timóteo porque esperava de seu filho na fé a mesma disposição. Ele não deveria se preocupar com a grande perseguição que a Igreja sofria no reinado de Nero, nem tampouco ter medo de ter, também, de dar a sua vida por causa da fé. Sua única e exclusiva preocupação deveria ser cumprir o ministério, fazer a obra dum evangelista, pregar a Palavra, impedir a proliferação de falsos ensinos na membresia da igreja de Éfeso e deixar-se ficar nas mãos do Senhor, inclusive, se fosse o caso, também enfrentando o martírio, se fosse esta a vontade de Deus.
– Sabemos que ninguém aceita de bom grado a morte física, visto que o homem não foi criado para morrer e este evento, consequência da entrada do pecado no mundo, é algo que contraria o propósito divino originário de nossa criação, motivo pelo qual se trata de fato que não encontra em nossas mentes e interior aceitação, nem pode ter tal aceitação.
– No entanto, conquanto seja algo que não seja de nossa aceitação, é uma realidade com a qual devemos conviver, que devemos enfrentar e o salvo em Cristo Jesus deve ter uma atitude de resignação, de esperança e de consciência.
– A atitude de resignação no sentido de que todos os salvos em Cristo Jesus morrerão, com exceção daqueles que estiverem vivos no dia do arrebatamento da Igreja.
Sendo assim, devemos nos conformar com a ideia de que a morte física é uma possibilidade real para todo salvo e que, portanto, devemos viver de modo a que não sejamos surpreendidos com tal evento. Isto envolve, além da nossa santificação e vigilância, para que, no dia de nossa morte física, não sejamos apanhados em pecado, como também a própria tomada de providências concernentes à nossa ausência neste mundo, inclusive medidas para que nossos familiares e entes queridos não fiquem desamparados e sejam sobremaneira prejudicados com a nossa morte.
– Não adianta querer lutar contra a realidade da morte física, buscando, como faziam os alquimistas da Idade Média, o “elixir da longa vida”.
É lógico que devemos cuidar de nossa saúde, devemos pedir a cura das enfermidades ao Senhor, mas que isto nunca represente a ilusão de que somos “imunes” à morte. Não devemos desejar morrer, mas temos de reconhecer que esta é uma possibilidade muito grande em nossa existência terrena.
– Paulo sabia desta realidade e a enfrentava com naturalidade. Quando de sua viagem a Jerusalém, avisado de que muito sofreria e seria encarcerado, por meio de profecias, foi resoluto ao afirmar que estava pronto para morrer.
Anos haviam se passado desde então, tinha ele sido poupado da morte pelo Senhor mas agora o mesmo Deus lhe dizia que estava próximo o tempo de sua partida e o apóstolo, resignadamente, conta isto a Timóteo, tomando as devidas providências diante desta realidade, como podemos observar na sequência da epístola:
pede a Timóteo que viesse depressa, a tempo de o apóstolo poder vê-lo antes de sua morte, devendo trazer com ele a Marcos (II Tm.4:9,11); pede que lhe sejam trazidas capa e livros, que havia deixado por ocasião de sua prisão em Trôade (II Tm.4:13), manda saudações a irmãos que sabia que nunca mais veria (II Tm.4:19).
– Tal conduta de Paulo mostra, assim, a atitude de esperança com que o apóstolo encarava a morte, pois, ao saber, pelo Espírito Santo, que não escaparia da condenação à morte diante da acusação política que agora pairava sobre ele, não entrou em desespero, nem ficou a choramingar ou a suplicar a Timóteo que “levantasse um clamor” com a igreja de Éfeso para a absolvição e consequente libertação da prisão.
– O apóstolo tinha consciência de que havia acabado a carreira, havia feito tudo quanto era da vontade de Deus que fizesse em seu ministério e, portanto, nada mais havia para que o apóstolo fizesse nesta Terra, tendo, portanto, chegado o tempo de descansar das suas obras, aguardando a ressurreição no dia do arrebatamento da Igreja.
Ora, se o objetivo da vida de Paulo era cumprir o ministério que lhe fora confiado, por que razão deveria ele agora se desesperar diante da iminência da morte? Sua vida só tinha sentido em fazer a vontade de Deus e Deus agora nada mais queria que ele fizesse sobre a face da Terra.
– O servo de Cristo Jesus almeja desfrutar da eternidade com Deus. Seu objetivo de vida é chegar aos céus e a morte física nada mais representa senão precisamente esta passagem para a eternidade, um primeiro estágio para aquilo que representará a consumação de todo o processo da salvação, que é a glorificação, o que ocorrerá apenas no dia do arrebatamento da Igreja.
No entanto, a morte física traz o descanso a todos os que labutaram incansavelmente nesta peregrinação terrena na obra de Deus (Ap.14:13).
– Paulo sabia que chegara o momento de ele descansar dos seus trabalhos e ir para o local aonde fora levado em arrebatamento anos antes (Cf. II Co.12:1-4), lugar que já sabia ser glorioso e que fizera com que Paulo afirmasse, quando ainda preso pela primeira vez, que era muito melhor estar com Cristo do que neste mundo.
– Diante da morte, o servo de Jesus não pode ficar desesperado, angustiado ou alarmado, mas deve demonstrar que sua vida tem um alvo, que é o de desfrutar da eternidade com Deus.
Nosso saudoso pai, que partiu para a eternidade há alguns anos, quando teve de decidir sobre a realização de uma cirurgia de alto risco, na qual não resistiu, foi bem claro ao afirmar que não tinha que temer o risco da morte, visto que havia pregado durante toda a sua vida que o céu era bom e não poderia negar toda a sua vida ministerial temendo morrer.
É esta a atitude que deve ter um genuíno e autêntico servo de Cristo: saber que aquele que crê em Cristo Jesus, ainda que esteja morto, viverá (Jo.11:25).
– Resulta disto, aliás, a terceira atitude, que é a atitude de consciência. O servo de Cristo Jesus deve ter consciência que, desde o momento em que recebeu a Cristo como seu Senhor e Salvador, sua vida tem um único propósito: fazer a vontade de Deus.
Sua vida não mais lhe pertence, ele é propriedade de Cristo (I Co.6:20), de forma que deve estar à disposição do Senhor não só para ir aonde o Senhor mandar, para fazer o que o Senhor quer se faça, mas, também, para cessar de fazer todas as coisas e partir para o Paraíso.
– O Senhor Jesus tinha esta consciência, tanto que disse que a Sua comida era fazer a vontade d’Aquele que o enviara e de realizar a Sua obra (Jo.4:34), tendo, ainda, na Sua oração sacerdotal, dito que havia glorificado o Pai na terra tendo realizado a obra que lhe dera a fazer (Jo.17:4) e, com uma palavra de vitória, ter dito, na cruz, que estava consumada esta mesma obra (Jo.19:30), ocasião em que entregou Seu espírito nas mãos do Pai e expirou (Lc.23:46), a nos mostrar que a morte vem quando cumprimos tudo quanto Deus quis que fizéssemos sobre a face da Terra.
– Paulo, tendo esta consciência, diz que havia combatido o bom combate, acabado a carreira e guardado a fé (II Tm.4:8).
Sabedor de que iria morrer, o apóstolo chegou à conclusão que nada mais lhe restava fazer em termos de ministério e podia humildemente e em gratidão a Deus dizer que, neste momento final, havia sido fiel, havia mantido a sua luta contra as hostes espirituais da maldade e permanecido em comunhão com o Senhor.
– Assim, em vez de procurar prolongar a vida, de se apegar à existência terrena, o ministro de Cristo Jesus, que é um exemplo para todos os fiéis (I Tm.4:12; Hb.13:7; I Pe.5:3), deve mostrar à membresia da igreja local e a todos os homens que a vida somente tem sentido se for vivida como uma luta incessante contra as hostes espirituais da maldade, como uma existência que deve sempre cumprir a vontade de Deus e, por fim, como um esforço para jamais abandonar a fé em Jesus Cristo.
– “…Combati o bom combate. Aquilo para o que Timóteo foi convocado (1Tm 6.12) foi cumprido pessoalmente pelo apóstolo e suportado até o vitorioso fim. Ele ‘proclamou o evangelho de Deus mediante grande luta’. Agora acabou a luta, esgotou-se a luta da vida, o bom combate chegou a bom fim.
Ele lutou contra poderes sombrios da maldade, contra Satanás, contra vícios judaicos, cristãos e gentílicos, hipocrisia, violência, conflitos e imoralidades em Corinto, fanáticos e desleixados em Tessalônica, gnósticos helenistas judeus em Éfeso e Colossos, e não por último – no poder do Espírito Santo – o velho ser humano dentro de si mesmo, tribulações externas e temores internos.
Acima de tudo e em tudo, porém, lutou em prol do evangelho, a grande luta de sua vida, seu bom combate. Completei a corrida.
A imagem do atleta competidor que alcançou a meta e por quem espera a coroa da vitória. Agora não cabe mencionar os incontáveis obstáculos que ele certamente conhece e poderia enumerar, mas o final da corrida, a perseverança até o alvo. Nada pôde deter sua trajetória, por nada ele foi interrompido significativamente. Agora tampouco poderes mundanos destruirão sua vida de forma autocrática, ele é ‘prisioneiro do Senhor’.
O que ele anunciou aos anciãos de Éfeso na despedida se cumpriu agora: Todavia, não me importo, nem considero a minha vida de valor algum para mim mesmo, se tão-somente puder terminar a corrida e completar o ministério que o Senhor Jesus me confiou, de testemunhar o evangelho da graça de Deus’ Tu, Timóteo, cumpre cabalmente teu ministério, assim como eu agora concluí minha tarefa.
Uma vida cumpriu seu propósito quando a tarefa foi reconhecida e concretizada e quando Deus é glorificado assim. Guardei a fé.
Será que se deve traduzir aqui com a frase que se tornou linguajar corrente ‘Guardei a fidelidade’? Sem dúvida tem-se em vista ‘a fidelidade até a morte’; é intencional a ligação com 2Tm 2.11-13; também a fidelidade do administrador, do qual se demanda prestação de contas no juízo; a aprovação do colaborador e sua paciência até o fim no trabalho penoso, quando os frutos estão maduros.
Tudo está englobado, mas antes de tudo e em tudo vale uma só coisa: ‘Aqui se trata da perseverança dos santos, os que guardam fielmente os mandamentos de Deus e a fé em Jesus.’ ‘Guardei a fé’, isso é o alfa e o ômega, origem e alvo daquele que por ocasião do primeiro aprisionamento confessou: Cristo
é minha vida e morrer para mim é lucro. Poder crer até o fim, ser sustentado na fé em Jesus, receber constantemente essa fé renovada e aprofundada: essa é a graça máxima, dádiva imerecida, exaltação da fidelidade de Deus.
O soldado, o corredor, o administrador (agricultor) – todas as três metáforas que Paulo lançou a Timóteo para encorajá-lo, todas direcionadas para o fim dos tempos, cumpriram-se em Paulo.
Essas declarações não são marcadas pelo enaltecimento próprio, mas pela gratidão e adoração àquele que o tornou forte na luta, que o conduziu à perfeição, que o presenteou com a fé e o preservou.…” (BÜRKI, Hans. op.cit., p.61).
– Diante da constatação de que nada mais lhe restava fazer em termos de ministério, o apóstolo diz que o que aguardava era tão somente a coroa da justiça que o Senhor, justo juiz, lhe daria naquele dia e não somente a ele mas também a todos que amarem a vinda do Senhor (II Tm.4:8).
– Com esta afirmação, Paulo mostra-nos que há um hiato entre a ida ao Paraíso e o Tribunal de Cristo, período de descanso dos trabalhos, descanso este que não deve ser confundido com o “sono da alma”, esta falsa doutrina ensinada por alguns segmentos religiosos.
Os que morrem no Senhor vão para o Paraíso onde, conscientemente, aguardam a ressurreição, que ocorrerá no dia do arrebatamento da Igreja, quando, então, serão levados ao encontro com o Senhor nos ares e lá serão levados ao Tribunal de Cristo, onde receberão o galardão, a recompensa pelos seus trabalhos.
– A coroa de justiça é o galardão que terão todos aqueles que tiverem agido como o apóstolo Paulo, cumprindo o seu ministério, lutado contra o mal e se mantido fiéis ao Senhor durante toda a sua existência terrena após terem se tornado “novas criaturas” (II Co.5:17).
– “…desde que tenho lutado com coragem e completou a corrida, o que resta senão esperar a coroa? Chama-a coroa da justiça, porque Deus vai dar-lhe justiça. Mas, pelo contrário, que sabermos que a vida eterna é dada pela bela graça de Deus (Rm.6; Rm.8), logo não de justiça.
Respondo: está lá a graça quanto à raiz do mérito; a justiça quanto ao ato, que procede da vontade ou, diga-se, a coroa da justiça a que se dá de justiça, porque dá aos justos o que corresponde a suas obras justas. “Dizei aos justos que bem lhes irá porque comerão do fruto das suas obras” (Is.3:10). Esta coroa é dupla: um principal e um secundário.
A primeira é a recompensa essencial, que é nada mais do que o gozo de usufruir a verdade. “Naquele dia o Senhor dos Exércitos será por coroa gloriosa, e por grinalda formosa, para os restantes do Seu povo” (Is.28:5). Assim, Deus é nossa coroa.
A segunda é a que se deve a obras qualificadas e de muito boa textura, a aura, uma das quais é devida aos mártires. (AQUINO, Tomás de. op.cit. Disponível em: http://www.clerus.org/bibliaclerusonline/pt/index.htm Acesso em 17 jun. 2015) (tradução nossa de texto em espanhol).
– A expressão “amam a Sua vinda” é assim explicada por William Hendriksen: “…De todos os indícios de que alguém ama o Senhor, um dos melhores é este fervoroso anelo que Ele regresse, porque tal pessoa está pensando não só em si e em sua glória pessoal, mas também em seu Senhor e na vindicação pública dele.
A coroa aguarda tais pessoas…” (op.cit., pp.389-90). Este é o verdadeiro e genuíno desejo da Igreja, sendo, aliás, a oração conjunta que ela faz com o Espírito Santo (Ap.22:17).
O anelo da Igreja é, portanto, não ficar vivo aqui na Terra, mas, sim, ser arrebatado pelo Senhor, pouco importando se vivo no dia do arrebatamento ou se já morto, tendo de ressuscitar primeiro para o encontro com o Senhor nos ares.
– Após tal afirmação categórica de confiança e de esperança ante a morte, o apóstolo pede que Timóteo viesse depressa, inclusive avisando ter mandado Tíquico para Éfeso (II Tm.4:12), como que a indicar que não deixaria a igreja efésia acéfala durante o tempo em que Timóteo fosse até Roma para se despedir do apóstolo, a mostrar o cuidado pastoral do apóstolo, numa coerência que demonstrava quão sereno estava o apóstolo mesmo diante da proximidade da morte.
– Paulo, apesar desta serenidade diante da proximidade da sua morte, não deixa de mostrar o seu sentimento de solidão, já que só Lucas estava com ele como também não deixa de mostrar sua tristeza pelo abandono sofrido por parte de Demas, que resolvera deixar o ministério e se dedicar à vida terrena (II Tm.4:10), como também de pedir a Deus que tomasse as devidas providências diante dos males que lhe foram causados por Alexandre, o latoeiro, que deve ter sido o pivô da sua segunda prisão (II Tm.4:14).
Neste particular, Paulo mostra todo o seu espírito cristão, pois não pede vingança nem demonstra ressentimento, mas apenas faz a constatação do que tais atitudes desagradáveis acarretaria a seus autores.
– Paulo ainda pede a Timóteo que lhe trouxesse os livros, inclusive os pergaminhos, como a capa que havia deixado na casa de Carpo.
O apóstolo mostra a Timóteo que, apesar de estar no final de seu ministério, ainda deveria meditar nas Escrituras (que são os pergaminhos), pois isto dizia respeito a sua vida devocional, e não apenas a seu ministério. Mesmo sabendo que iria morrer, Paulo não havia desistido de se alimentar espiritualmente com a Palavra de Deus. Que exemplo para obreiros que desprezam o estudo da Palavra de Deus…
– Paulo revela, ainda, os fatos que ocorreram quando de sua primeira audiência, quando se viu solitário, sem a assistência de qualquer pessoa, mas tendo experimentado a companhia do Senhor, a mostrar como as circunstâncias que abalam nossas emoções não têm o condão nem o podem ter em nosso relacionamento espiritual com o Senhor.
– O apóstolo não havia perdido a esperança em Deus e confiava que, apesar de todas estas contrariedades, o Senhor o livraria de realizar uma má obra, de perder a sua santidade, de deixar de prosseguir o restante de vida que possuía sobre a face da Terra.
O apóstolo mostra-nos que, mesmo diante da iminência da morte, não podemos vacilar, devendo nos manter vigilantes e dependentes da graça e da companhia do Senhor para que cheguemos até o fim.
– E, com esta demonstração exemplar de serenidade e de confiança em Deus, Paulo encerra o seu ministério epistolar, sendo um estímulo e exemplo a ser seguido por todos nós, que devemos ter o Senhor Jesus com o nosso espírito. Amém.
Ev. Caramuru Afonso Francisco
Fonte: https://www.portalebd.org.br/classes/adultos/6903-licao-12-a-coragem-do-apostolo-paulo-diante-da-morte-i