INTRODUÇÃO
-Prosseguindo o estudo da vida cristã como um caminho, analisaremos hoje a escolha da porta estreita e da porta larga.
-A graça de Deus nos permite escolher a salvação.
I – A PECAMINOSIDADE DO HOMEM
-Depois de termos visto como se inicia a caminhada do homem rumo ao céu, vamos nos deter sobre este ato de escolha da porta estreita.
-Por primeiro, devemos observar que, quando o homem foi criado, foi posto no Éden num jardim formado por Deus para ele guardar e lavrar (Gn.2:15), no qual havia o necessário não só para a sua vida material (Gn.2:9,10) como também para sua vida espiritual, pois o Senhor vinha toda viração do dia para ter um momento de intimidade com o ser humano (Gn.3:8).
-Tem, portanto, que o homem se encontrava em um estado de perfeita comunhão com o Senhor, sendo Seu mordomo sobre toda a criação terrena, com poder de domínio sobre as demais criaturas, que, inclusive, nomeou (Gn.2:19), bem como o poder de modificar o que fora criado para seu proveito, até porque teria de se multiplicar por expressa ordenação divina (Gn.1:28).
-Neste estado, porém, o texto sagrado ressalta que ao homem foi dado o livre-arbítrio. O Senhor ordenou a Adão que comesse de todas as árvores do jardim, menos da árvore da ciência do bem e do mal, porque, no dia em que ele o fizesse, haveria de morrer (Gn.2:16,17).
-Na expressão divina, na qual, saliente-se, os doutores da lei judaica construíram toda a base da ética (as chamadas “Sete Leis de Noé”), vemos clarividentemente que tinha o homem o poder de escolha entre obedecer ou desobedecer a Deus.
-O primeiro elemento que notamos aqui é que se tratou de uma ordem de Deus. Deus é o Senhor de todas as coisas, tudo é Seu (Sl.24:1), pois Ele é o Criador (Gn.1:1) e Sustentador (Hb.1:3) de tudo.
-Deus ordenou porque é o Todo-Poderoso (Ex.6:3; Jó 5:17) e, como tal, tem o poder e a prerrogativa exclusivos de determinar ao homem o que este deve fazer, visto ser ele tão somente uma criatura.
-Entretanto, o Senhor quis que o homem tivesse a liberdade de escolher servi-l’O ou não e, por isso, ao estabelecer a ordem de que não deveria comer do fruto da árvore da ciência do bem e do mal, deixou claro que o homem tinha a capacidade de fazê-lo. O homem podia comer do fruto proibido, embora não o devesse fazer.
-Dentro de Sua soberania, o Senhor também disse ao homem qual seria o efeito da desobediência: a morte.
-Lamentavelmente, ao ser tentado por Satanás, o homem cedeu à tentação e pecou, comendo do fruto da árvore da ciência do bem e do mal e, como havia dito o Senhor, morreu imediatamente, uma vez que ficou separado da comunhão com Deus, tanto que quando o Senhor chegou ao jardim naquele fatídico dia, o primeiro casal d’Ele se escondeu, já que não tinha mais como Se apresentar diante d’Ele (Gn.3:8).
-Esta separação, que é a morte espiritual, resultou também na perda tanto da moradia no jardim, pois de lá o primeiro casal foi expulso, como também de acesso à árvore da vida, a fim de que não pudesse mais ter a vida eterna (Gn.3:22-24).
-Com efeito, o fruto da árvore da vida propiciava ao homem a manutenção da sua existência física de forma perene, para que, para sempre, desfrutasse da companhia do Senhor aqui na face da Terra.
-Com o pecado, porém, não poderia haver esta existência perene, porque seria ela uma existência fora da presença de Deus, a própria condenação eterna, como, aliás, ocorrera com o diabo e seus anjos. Adão adquirira uma natureza pecaminosa, que transmitiria a todos seus descendentes (Gn.5:3; Rm.3:9-18).
-Entretanto, no dia mesmo da queda, veio a grande surpresa para todos, qual seja, a de que Deus queria salvar o homem e, portanto, prometeu restabelecer a comunhão perdida, por intermédio da semente da mulher que pisaria a cabeça da serpente e teria seu calcanhar ferido (Gn.3:15).
-Esta boa nova, ou seja, este evangelho, que foi primeiramente pregado pelo próprio Deus, fez com que se passasse a ter um caminho de salvação, pelo qual se pudesse novamente entrar em comunhão com o Senhor.
-Feito para viver em comunhão com o seu Criador, o ser humano sente naturalmente esta necessidade de se chegar a Deus e, por causa disto, surge a “religiosidade” ou “sentimento religioso” que possui todo ser humano, que nada mais é que o imperativo de se religar a Deus, de tentar restabelecer a comunhão perdida.
-Vemos esta realidade no episódio de Caim e Abel, filhos do primeiro casal, quando ambos sacrificam ao Senhor, ambos vão buscar um meio de se relacionar com Deus, sendo que somente Abel e sua oferta foram aceitos, uma vez que se reconheceu naquele gesto o senhorio divino, a necessidade de buscar agradar-Lhe, a necessidade que temos de reconhecer nossa pecaminosidade e dependência do favor de Deus.
-Caim, pelo contrário, quis oferecer um sacrifício segundo as suas próprias concepções, da sua maneira, sem dar ao Senhor o devido valor a Ele devido, sem reconhecer “o peso da divindade”, que nada mais é que devotar-Lhe a devida glória.
-Nestas duas atitudes, aliás, vemos como deu Deus ao homem a liberdade de escolha, o livre-arbítrio que, ao contrário do que dizem os adeptos da predestinação incondicional, não se perdeu com a prática do pecado.
-Tanto Caim quanto Abel tiveram liberdade de oferecer seus sacrifícios conforme a sua vontade. Ambos já nasceram com a natureza pecaminosa e puderam fazer diferentes escolhas, numa clara demonstração de que o pecado não retirou o livre-arbítrio do homem, como defendem os adeptos da predestinação incondicional.
-Notamos, aliás, que, mesmo tendo tido a rejeição de Deus e de sua oferta, Caim não foi desamparado pelo Senhor. Bem ao contrário disto, o Senhor fez questão de dizer a Caim que, se ele fizesse bem, também haveria
aceitação para ele (Gn.4:7), o que foi renovado mesmo após o assassinato por ele cometido, quando Deus lhe pôs um sinal para que ninguém o matasse, dando-lhe, assim, oportunidade de arrependimento, mas Caim, infelizmente, preferiu sair da presença do Senhor (Gn.4:16) e se perdeu, sendo, por isso, chamado como sendo do maligno (I Jo.3:12).
-A propósito, esta expressão de que “Caim era do maligno”, mostra-nos a realidade da situação espiritual do homem após o pecado. Expulso do Éden, o primeiro casal não tinha mais acesso à árvore da vida, estava, portanto, em estado de morte espiritual, de separação de Deus.
-É esta a situação de todo ser humano. Como diz o salmista Davi, somos concebidos em pecado e formados em iniquidade (Sl.51:5).
Nascemos já com o “vírus do pecado” em nós, que, quando adquirimos a consciência, leva-nos a escolher o mal e a enveredarmos pelo caminho da perdição. Só Jesus, por ter sido concebido por obra e graça do Espírito Santo, escolheu o bem e não o mal quando adquiriu a consciência (Is.7:15).
-Somos levados a escolher o mal, não há como não o fazermos, mas isto não significa que deixamos de escolher. A escolha é de cada um de nós, temos a liberdade de escolher e, embora venhamos a escolher o mal, o Senhor sempre proporciona, como fez a Caim, a oportunidade para nos arrependermos e passarmos a escolher o bem.
-Está aqui a graça de Deus, este favor imerecido. Deus quer que todos os homens se salvem e venham ao conhecimento da verdade (I Tm.2:4) e, por isso, estabeleceu um plano para a salvação do homem, o que se dá mediante a fé em Cristo Jesus, a semente da mulher, que veio ao mundo para pagar o preço dos nossos pecados derramando Seu sangue no Calvário e satisfazendo a justiça divina.
-Estamos todos prontos a entrar no caminho da perdição, o que se faz quando adquirimos a consciência. Deus, porém, quer que saiamos deste caminho e passemos a andar no caminho da salvação e, para tanto, providenciou a salvação em Cristo. Se crermos em Jesus e invocarmos o nome do Senhor seremos salvos (Rm.10:13,14).
-Esta noção de “invocação” bem nos ensina a respeito da escolha e da necessidade de reconhecermos o senhorio divino, de tributar-Lhe a glória. “Invocar” significa “pedir o auxílio, a proteção, o socorro de
alguém”. A palavra hebraica “qara” (ָרא ק) tem o significado de “bradar, clamar, gritar” como que a indicar uma situação de desespero, consciência de que se está em risco de vida, enquanto a palavra grega “epikalesetai” (ἐπικαλέσηται) tem o significado de “chamar uma pessoa pelo nome”, ou seja, reconhecer que esta pessoa tem condições de ajudar, de socorrer.
-A “invocação” começa com o reconhecimento de que somos inferiores a Deus, que Ele é o Ser Supremo, que sem Ele não podemos sequer existir. É a admissão de nossa nulidade diante do Todo-Poderoso, a quem, em razão disto, precisamos pedir e suplicar, a quem devemos obedecer e honrar.
-A poesia sacra “Cristo e eu” bem demonstra este sentimento existente na invocação: “Cristo e eu aqui andamos juntos, Ele supriu o nada que sou eu. Nesta caminhada, eu e Ele mais refúgio em glória ao que vencer.
Ó felicidade imensurável, tudo, tudo, tudo se fez meu desde que minha vida eu dei a Ele, minha nulidade Ele escondeu. Ó felicidade inenarrável, glória, glória, glória ao que vencer. Fez-se Ele o tudo em minha vida, minha nulidade Ele escondeu”.
-Não é por outro motivo que o Senhor Jesus disse que o primeiro passo para segui-l’O é negar-se a si mesmo (Mc.8:34; Lc.9:23), renunciar-se (Mt.16:24; Lc.14:33). Precisamos reconhecer que somos menos do que nada (Is.40:17;41:24), uma nulidade e que dependemos única e exclusivamente do Senhor.
-Quando reconhecemos que estamos num estado de miséria espiritual, irremediavelmente perdidos e carentes do auxílio divino, estamos já a fazer a escolha pelo caminho da salvação e, então, o Senhor vem nos socorrer
e nos tira do lamaçal do pecado, do charco de lodo e põe os nossos pés na rocha, firmando nossos passos (Sl.40:2).
-Faz-se necessário que invoquemos o nome do Senhor, há uma escolha de nossa parte, ainda que não tenhamos como, por nossas próprias forças, sair do caminho da perdição e ir para o caminho da salvação.
-Como bem afirma a Declaração de Fé das Assembleias de Deus a respeito: “…A Queda no Éden arruinou toda a humanidade tão profundamente que transmitiu a todos os seres humanos a tendência ou inclinação para o pecado.
Não somente isso, contaminou toda a humanidade: ‘não há um justo sequer’ (Rm.3:10); ‘todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus’ (Rm.3:23).
A natureza moral foi corrompida [Gn.6:5,12], e o coração humano tornou-se enganoso e perverso [Jr.17:9]. Todas as pessoas estão mortas em ofensas e pecados [Ef.2:1], são inimigas de Deus [Rm.8:7] e escravas do pecado [Rm.6:17;7:5].…” (DFAD IX.6, pp.100-1).
-Aqui está o erro doutrinário dos chamados “pelagianos” (por ter sido este pensamento desenvolvido por Pelágio – 350-423), que negam a natureza pecaminosa do homem, dizendo que o homem pode, por livre e espontânea vontade, evitar de trilhar pela senda da perdição.
-Mas também aqui vemos os erros dos “calvinistas” (por ter sido este pensamento desenvolvido por João Calvino – 1509-1564, ainda que, antes dele, também tenham defendido tal postura Agostinho – 354-430 e Martinho Lutero – 1483-1543), que dizem que o homem não tem capacidade alguma de escolha e que é Deus quem determina quem será salvo e quem se perderá.
-Também sem razão os chamados “semipelagianos” (seguidores de João Cassiano – 460-435), que dizem que o homem tem uma boa vontade, uma disposição para escolher o caminho da salvação, pois a imaginação do homem é continuamente má (Gn.8:21) e quem tem boa vontade é Deus e não o homem (Sl.51:18; Sl.106:4; Lc.2:14).
-É o homem quem escolhe se quer, ou não, crer em Deus e pedir-Lhe a salvação, invocando o nome do Senhor.
A invocação está à disposição de todos até o momento em que passamos para a eternidade, como é exemplo o caso de Caim, o primeiro ímpio, que teve toda a sua existência terrena para se arrepender dos seus pecados e invocar o nome do Senhor, não o tendo feito, porém.
-A ira de Deus manifesta-se sobre toda a impiedade e injustiça dos homens que detêm a verdade em injustiça (Rm.1:18), ou seja, aos homens que se recusam glorificar a Deus, dando-Lhe a devida honra e obediência (Rm.1:21). Tem-se, portanto, que se trata de uma consequência do exercício da vontade destes homens, não uma imposição “soberana” da divindade.
-É assim que devemos entender a chamada “depravação total” do ser humano. Como bem explica a Declaração de Fé das Assembleias de Deus:
“…Apesar de tudo, a imagem de Deus no homem não foi aniquilada [Gn.9:6; Tg.3:9]; foi, no entanto, desfigurada a tal ponto que a sua restauração só é possível em Cristo [Ef.2:10]…” (DFAD IX.6, p.101).
II– A PORTA ESTREITA
-A maior demonstração de que tem o homem o livre-arbítrio para escolher o caminho da salvação está na circunstância de que o Senhor propõe ao homem o caminho da vida, como vemos claramente não só no caso já mencionado de Caim, como também quando o Senhor faz o pacto no monte Sinai com Israel.
Como o Senhor mesmo diz em Dt. 30:5 que propõe a vida e a morte, numa clara demonstração de que não se trata de imposição, como querer fazer crer os adeptos da predestinação incondicional.
-O Senhor tornou a fazer esta proposta quando apareceu em sonho a Salomão para lhe avisar que havia atendido à oração feita na dedicação do templo, quando, em II Cr.7:19, disse que havia proposto os
mandamentos, deixando bem claro que os israelitas poderiam se desviar para a direita ou esquerda, numa prova de que não existe esta imposição alardeada pelos “calvinistas”.
-A palavra hebraica utilizada nestas duas passagens é “nathan” (ִּתי ַ֤ת _ ָנ ), que tem muitos significados, mas que, segundo a Bíblia de Estudo Palavras-Chave ao tratar dela, no verbete 5414 do Dicionário do Antigo Testamento, teria três significados principais: dar ou conceder permissão; pôr ou colocar e fazer ou construir. Nas três principais acepções, vemos que se tem, sempre, duas ações volitivas: a divina, que toma a iniciativa e a do homem, que se apropria, ou não, daquilo que é dado, permitido, posto ou feito.
-Em Hb.12:2,3, é dito que o próprio Jesus, enquanto homem, recebeu uma proposta da parte do Pai, quer a de um gozo de que desfrutaria caso suportasse a cruz, desprezasse a afronta bem como suportasse as contradições dos pecadores contra si mesmo.
-Aqui, a palavra grega é “prokeimai” (πρόκειμαι), que é “colocar diante dos olhos, i.e., (figurado) estar presente (na mente). Destacar (como exemplo ou recompensa) – ser o primeiro, apresentar diante” (BÍBLIA DE ESTUDO PALAVRAS-CHAVE. Dicionário do Novo Testamento, verbete 4295, p.2372).
-Tem-se, portanto, que o que Deus faz é “propor”, ou seja, “apresentar diante” dos homens a opção de seguirem Eles ao Senhor, entregarem-se a Ele, sabendo que, ao término desta existência terrena, que será permeada de contradições dos pecadores contra si mesmo, de afrontas e suportando a cruz, ou seja, o encargo que é dado pelo próprio Deus para ser cumprido, teremos o gozo, aquilo que foi apresentado de antemão pelo Senhor.
-O caminho da vida, revelado no dia mesmo da queda do homem, é apresentado aos seres humanos, que o veem distante, assim como Cristão, a personagem da obra de Bunyan, viu ao longe uma luz, não tendo sequer conseguido avistar a porta estreita apontada por Evangelista, e, se a pessoa crer naquilo que é dito pelo Senhor e se dispõe a sair de onde se encontra, que é o caminho da perdição, então o Senhor o leva até a porta.
-Percebe-se aqui a dinâmica da salvação. Deus quer salvar o homem e, por isso, lhe faz esta proposta de salvação, é a graça de Deus, sem a qual não se pode ter salvação (Ef.2:8). O homem, então, precisa crer na proposta divina, e temos, então, a atuação da fé, o meio pelo qual a graça divina passa a atuar em nós.
-Quando cremos, confessando e se arrependendo dos nossos pecados e pedindo perdão deles a Cristo, somos perdoados e justificados, dando entrada neste caminho, nesta graça (Rm.5:1).
-A graça de Deus, sendo recebida pelo homem, permite-lhe ver o reino de Deus (Jo.3:3) e, desta maneira, pelo poder atuante do Espírito Santo (que faz o convencimento do pecador – Jo.16:8-11) e da Palavra de Deus (que leva a fé salvadora ao ouvinte da pregação – Rm.10:17 e é a semente que produz a vida – I Pe.1:23), torna o homem aceito no reino dos céus, como diz o item 6 do Cremos da Declaração de Fé das Assembleias de Deus.
-A luz do evangelho da glória de Cristo faz cessar a cegueira espiritual do homem, que vive em trevas espirituais (II Co.4:3,4) e passamos a ter a visão celestial, o que nos leva a querer iniciar a caminhada para os céus, que nada mais é que andar no caminho da salvação.
-A porta, porém, é estreita, diz-nos o Senhor Jesus (Mt.7:13; Lc.13:24). Temos aqui a palavra grega “stenos” (στενός), cujo significado é “…de obstáculos próximos, aperto dificuldade” (BÍBLIA DE ESTUDO PALAVRAS-CHAVE. Dicionário do Novo Testamento, verbete 4728, p.2401) e teria como provável base a palavra grega “histemi” (‘ιστεμι), cujo significado é “…permanecer, indicar, trazer, continuar, concordar, estabelecer, reter, colocar, apresentar, fundar, parar, permanecer, ficar parado, levantar-se…” (ibid., verbete 2476, pp.2242-3).
-O que se percebe, pois, que a porta é “estreita”, por primeiro, porque não deixa margem para espaço, os obstáculos estão próximos, não se pode deixar de caminhar senão para frente, não há atalhos nem lugar para modificações ou alterações.
-Estes obstáculos próximos são identificados pelo escritor aos hebreus em Hb.12:1 como sendo o embaraço e o pecado. Quem entra pela porta estreita tem consciência do que é o pecado e como ele deve ser evitado e combatido.
-Uma das características que se tem observado nestes dias difíceis em que vivemos é a descrença ou relativização do pecado, a licenciosidade que hoje vigora na vida de muitos sedizentes cristãos mas que, com tal conduta, demonstrou que não estão a trafegar no “caminho apertado”, o caminho que vê como obstáculos o pecado e o embaraço.
-Por segundo, a porta é “estreita” porque faz entrar num caminho “apertado”, a palavra grega “thlibo” (θλίβω), cujo significado é “…afligir, estreitar, amontoar, sofrer tribulação, perturbar” (ibid., verbete 2346, p.2234).
-O caminho “apertado” é o caminho em que há dificuldades, tribulações e oposição. Como já visto, nele Nosso Senhor teve de suportar as contradições dos pecadores e desprezar a afronta (Hb.12:2,3), pois “…por muitas tribulações nos importa entrar no reino de Deus” (At.14:22 “in fine”).
-Notamos, portanto, que todos que procuram andar num “caminho de prosperidade”, que estão à buscar de um “parar de sofrer”, entendendo ser isto a vida cristã, estão a trafegar noutro caminho que não é o caminho que conduz ao céu. Pensemos nisto!
-Por terceiro, a porta é “estreita” porque nos faz entrar no caminho da “permanência”, da “perseverança”.
Uma característica essencial da Igreja, o povo que está trafegando o caminho da salvação, é a “perseverança” na doutrina dos apóstolos, na comunhão, no partir do pão e nas orações (At.2:42). Só quem persevera até o fim será salvo (Mt.24:13).
-Por quarto, a porta é “estreita” porque nos faz andar de acordo com o Senhor, faz-nos concordar com Ele.
Como disse o profeta Amós, dois não podem andar juntos se não estiverem de acordo (Am.3:3) e é preciso que estejamos concordes com o Senhor a partir de nossa consciência (Rm.13:5), de forma que as palavras do Senhor Jesus estejam em nós e nós n’Ele estejamos (Jo.15:7), para que sejamos um com Ele, como Ele e o Pai são um (Jo.17:22,23). Daí porque Paulo dizer que não mais vivia, mas Cristo vivia nele (Gl.2:20).
-Por quinto, a porta é “estreita” porque “estabelece”, “fixa” o nosso comportamento, torna-nos uma “coluna” (Cf. Ap.3:12), ou seja, passamos a ser uma pessoa que tem sempre o mesmo comportamento, que se porta sempre em de acordo com a vontade de Deus, que é firme em seus atos e palavras, que não muda de parecer nem se deixa levar pelas opiniões ou pensamentos dos homens.
-Aqueles que trafegam pelo caminho da salvação cumprem a Palavra de Deus, obedecem ao Senhor, sendo como o monte de Sião que não se abala mas permanece para sempre (Sl.125:1). O futuro habitante dos céus é aquele que anda em sinceridade, pratica a justiça, fala verazmente segundo o seu coração (Sl.15:2) e, mesmo que jure com dano seu, não muda (Sl.15:4).
-Esta característica é o que se denomina de fidelidade, ou seja, o cumprimento aos compromissos assumidos, independentemente das circunstâncias. Por isso, Daniel foi orar ao Senhor mesmo depois de ter lido o decreto do rei Dario, o medo (Dn.6:10).
-A porta estreita é por onde entram aqueles que não saem da posição em que foram postos pelo Senhor, ou seja, não tiram seus pés da rocha (Sl.40:2), não abandonam os lugares celestiais em Cristo, onde desfrutam de todas as bênçãos espirituais (Ef.1:3)
-Por sexto, a porta é “estreita” porque nele entram os que se levantaram, os que não mais se encontram subjugados pelo pecado, que não estão mais atolados no charco de lodo (Sl.40:2). São aqueles que “estão em pé” (Lc.21:36; I Co.10:12). Estar em pé nada mais é que estar “…firme na consciência da absolvição e aprovação final…” (ibid., verbete 2476, p.2243).
-Por sétimo, a porta é “estreita” porque nela entram os que resistem. O verbo “histemi” tem o significado de “ficar em pé, resistir”. Como há obstáculos próximos, como há oposição e dificuldades, torna-se necessário que estejamos sempre resistindo, lutando, não permitindo que o mal prevaleça em nós.
-Além da sujeição a Deus, devemos resistir ao diabo (Cf. Tg.4:7). Os que trafegam no caminho da salvação estão em constante luta contra o diabo, a carne e o pecado, sendo imperioso que nos mantenhamos em batalha até aquele grande dia que tanto se aproxima.
-Este enfrentamento explica porque Nosso Senhor e Salvador disse que é preciso empregar força para entrar no reino de Deus (Lc.16:16). É preciso haver luta para que permaneçamos na porta estreita, para que cheguemos aos céus, o “bom combate” mencionado pelo apóstolo Paulo (II Tm.4:7).
III– A PORTA LARGA
-No sermão do monte, o Senhor Jesus diz que se deve entrar pela porta estreita, porque muitos entram pela porta larga, pelo caminho espaçoso que conduz à perdição. Cristo disse que são poucos que encontram a porta estreita (Mt.7:13,14).
-Em outra passagem, o Senhor disse que devemos porfiar por entrar pela porta estreita, porque muitos procurarão entrar e não poderão (Lc.13:24).
-Notamos, portanto, que é necessário um esforço para entrar na porta estreita, algo que é superior à própria força humana, tanto que Jesus diz que as pessoas, se tentarem por si sós, entrarem na porta estreita, nem mesmo a encontrarão. Isto porque o homem não pode salvar-se, depende da graça de Deus para que possa ser levado ao caminho da salvação.
-É preciso “porfiar” por entrar na porta estreita. A palavra grega “agonidzomai” (άγωνίζομαι) tem o significado de “…competir, lutar, literalmente (compelir por um prêmio), de modo figurado (contender com um adversário), ou no genitivo (esforçar-se para realizar algo): — lutar, laborar adorosamente, empenhar- se…” (BÍBLIA DE ESTUDO PALAVRAS-CHAVE. Dicionário do Novo Testamento, verbete 75, p.2035).
-É este “esforço”, este “empregar força” que mostra que a entrada pela porta estreita não é algo natural, não é algo que decorre da natureza decaída do homem nem tampouco de uma boa vontade que tenha para com as coisas de Deus, como defendiam Pelágio ou João Cassiano respectivamente.
-Somente se houver a ação da graça divina é que o homem pode não só ver como também entrar pela porta estreita e, para tanto, necessário se faz que se entregue a Cristo, que creia que Ele é o Senhor e Salvador, como é pregado no Evangelho, e que necessário se faz nascer de novo, o que somente se faz por causa da ação da Palavra de Deus.
-Não é à toa que Bunyan, na sua feliz alegoria tenha mostrado que Cristão, mesmo tendo tomado ciência pela leitura do pergaminho que lhe dera Evangelista de que deveria fugir da ida vindoura, não conseguia enxergar a porta estreita, mas apenas podia parecer ver uma luz brilhante distante.
-O homem natural é aquele que entra pela porta larga. A palavra “larga” é a palavra grega “platys” (πλατύζ), cujo significado é “espalhar, estender, i.e., largo:— amplo” (ibid., verbete 4116, p.2356), palavra derivada de “plasso” (πλάσσω), cujo significado é “…moldar, i.e., formar, modelar ou fabricar:— formar” (ibid., verbete 4111, p.2356).
-O que nota, pois, é que a porta “larga” é aquela em que se permite que a pessoa se modele, se forme, tome as suas atitudes, tome a força que bem quiser, forma esta que será sempre uma deformação, porque o homem já nasce com a natureza pecaminosa, já propenso a praticar o mal e o pecado. Nesta suposta automodelação, ele apenas será mais uma peça fabricada pelo maligno, mais um ser deformado que está caminhando para a ruína e morte eterna.
-Na ilusão de que faz o que quiser e que, mesmo assim, alcançará a vida eterna, o homem natural está, na verdade, sob o domínio do pecado (Cf. Gn.4:7; Jo.8:34), sendo mais um “produto fabricado” para satisfazer os desejos do diabo (Jo.8:44).
-Como afirmou Sadhu Sundar Singh (1869-1929), o grande pregador do Evangelho na Índia no final do século XIX e início do século XX, “…Pecado é alguém deixar de lado a vontade de Deus e viver de acordo com a própria vontade, abandonando o que é verdadeiro e legítimo para satisfazer os próprios desejos, pensando que assim obterá felicidade.
No entanto, ao fazê-lo, tal pessoa não obtém real felicidade ou desfruta de verdadeiro prazer…” (Aos pés do mestre. Trad. A voz do vento. 2.ed., p.29), bem como que
“…Muitos que estão imersos no pecado não possuem consciência de sua carga, assim como alguém que mergulha na água possa ter toneladas de água sobre ele, mas está totalmente inconsciente de seu peso até ser asfixiado na morte. Mas aquele que sai da água e busca retirar um pouco dela, logo descobre seu peso, por menor que seja…” (ibid., p.32).
-O homem, nascido com a natureza pecaminosa, utilizando-se somente de suas forças, de seu intelecto, de seu raciocínio, entra pela porta larga e lá passa a achar que está fazendo tudo o que lhe apraz e que conseguirá, mesmo assim, a vida eterna, mas estará sempre caminhando para a perdição, caso não creia na proposta divina de trilhar o caminho da salvação.
-A porta larga é a aceitação da mentira satânica de que o homem é igual a Deus e pode viver independentemente d’Ele (Gn.3:5) e, assim, passa o homem a fazer o que lhe apraz, o que entende ser correto, não desejando ter conhecimento do Senhor, recusando servi-l’O e a Lhe fazer orações (Jó 21:14,15).
-A porta larga dá acesso ao caminho “espaçoso” (Mt.7:13) e aqui a palavra grega em foco é “eurychorus” (εύρύχωρος), cujo significado é “espaçoso:—amplo” (BÍBLIA DE ESTUDO PALAVRAS-CHAVE. Dicionário do Novo Testamento, verbete 2149, p.2219), mas amplo no sentido de “…ideia de espaço vazio, espaço, i.e., um espaço de território (mais ou menos extensivo; com frequência incluindo seus habitantes): — costa, campo, região, terreno, terra” (ibid., verbete 5561).
-O que se percebe, portanto, que é um caminho em que há “espaço vazio”, em que há “vaidade” em que o seu caminhante pode fazer o que bem entender, mas que se revela ter algo sem qualquer consistência e que, sobretudo, leva à perdição, porquanto se está afastado e separado de Deus e não há como alcançá-lo.
-Como bem diz o patriarca Jó, neste caminho está ausente a sabedoria (Jó 28:12-23), pois o temor do Senhor é a sabedoria e apartar-se do mal é a inteligência (Jó 28:28) e é precisamente isto que não se faz ao se entrar na porta larga.
-Por isso mesmo, o apóstolo Paulo afirma que tais homens, dizendo-se sábios, tornam-se loucos, porque se desvanecem em seus discursos e seu coração insensato se obscurece e o resultado disto é a mudança da glória do Deus incorruptível em semelhança da criatura, com a idolatria, bem como a entrega às concupiscências do seu coração, com a imundícia e a desonra do corpo, com a imoralidade e toda espécie de pecado (Rm.1:21- 32).
-Toda esta falsa liberdade de agir nada mais é que a escravidão do pecado (Jo.8:34) e não se tem outro salário de tal conduta senão a morte (Rm.6:23), daí porque ser o caminho que conduz à perdição.
-Notamos aqui a malignidade da expressão “Todos os caminhos levam a Deus”, máxima que tem sido tenazmente defendida nos últimos tempos, difundida que foi pela Nova Era e que hoje encontra guarida no “diálogo inter-religioso” que já prepara celeremente a religião que adorará o Anticristo e o diabo (Ap.13:1-8), a ser chefiado pelo Falso Profeta (Cf. Ap.13:11,12). Tomemos cuidado, amados irmãos!
– Como diz conhecido corinho infantil: “Há um caminho cheio de luz e nenhum outro há e este é só Jesus, uma verdade jorra da cruz, vida temos em Jesus”. Amém!
Pr. Caramuru Afonso Francisco
Fonte: https://portalebd.org.br/classes/adultos/10391-licao-2-a-escolha-entre-a-porta-estreita-e-a-porta-larga-i