INTRODUÇÃO
– Na sequência do estudo da Bibliologia, analisaremos hoje a inspiração divina das Escrituras.
– A Bíblia é a Palavra de Deus
I – DEUS SE REVELA AO HOMEM
– Deus criou o homem para que fosse um ser que tivesse com Ele comunhão. Foi feito como “imagem e semelhança de Deus” (Gn.1:26) e, como tal, constituir-se no elo entre o Criador e a criação terrena (Gn.1:28).
– Ora, para que este objetivo fosse alcançado, era fundamental que Deus estabelecesse uma comunicação com o homem, pois não se pode ter comunhão se, antes, não houver comunicação. Por isso mesmo, já no início da existência, Deus entrou em diálogo com o homem que criara (Gn.2:16,17).
– Este diálogo não era esporádico, mas contínuo, tanto que, em toda viração do dia, o Senhor tinha um momento especial com o primeiro casal (Gn.3:8).
– Com o pecado, esta comunhão se quebrou, mas Deus continuou a Se comunicar com o homem, tanto que o primeiro casal ensinou seus filhos a adorá-l’O (Gn.4:3,4), manifestando-se Deus na consciência do homem (Gn.4:6,7), tendo, desde cedo, os homens iniciado a invocação ao Senhor (Gn.4:26) e o Senhor iniciado, inclusive, a Sua manifestação através de profetas, como Enoque (Jd.14) e Noé (II Pe.2:5).
– Quando a comunidade pós-diluviana se rebela contra o Senhor, à unanimidade, no episódio da torre de Babel (Gn.11:1-6), Deus inicia a formação de um povo que fosse Sua propriedade peculiar dentre os povos (Ex.19:5,6) e, ao formar esta grande nação, a partir de Abrão, para fazer benditas todas as famílias da Terra (Gn.12:1-3), também tratou de fazer com que a Sua revelação fosse reduzida a escrito, a fim de que tivesse confiabilidade e superasse o limite humano da transitoriedade da vida (Sl.78:2-7; Hc.2:2,3; Jr.36:1-3,32; Ap.1:1-3).
– A escrita tem este papel de superar duas das limitações humanas: a fidelidade da mensagem e a transitoriedade da vida física.
– Como bem se sabe naquela famosa brincadeira denominada “telefone sem fio”, há uma tendência para que a mensagem oral traga distorção ao se passada boca a boca, o que, para quem é espiritual, não é de admirar, dada a natureza pecaminosa do homem e a própria circunstância de estar o homem sob o império da morte (Hb.2:14), num mundo cujo príncipe é o próprio pai da mentira (Jo.8:44).
– Em virtude do pecado, foi o homem privado de comer do fruto da árvore da vida, estando destinado, pó como é, a tornar a ele (Gn.3:19), de modo que não poderá a ficar transmitindo o que sabe às gerações futuras, tendo contato com os que vão a nascer, visto que quase nunca consegue viver além dos 120 anos (Gn.6:3; Sl.90:9,10). Desta maneira, se se dependesse apenas da comunicação oral, impossível seria a continuidade do conhecimento humano para o futuro.
– Se assim se dá com o ser humano, que, com a razão que lhe deu o Senhor, criou a escrita para superar tais limitações, como poderíamos crer que Deus não tomaria também esta iniciativa?
Por isso, ainda antes de preparar a libertação do povo que formara, já encarregou Moisés de dar início a esta revelação escrita Sua à humanidade, fazendo com que, ainda no deserto de Midiã, reduzisse a escrito a história de Jó.
– Assim, ao lado da chamada “revelação geral” de Deus, pela qual o Senhor Se dá a conhecer ao homem seja pelas coisas criadas (Sl.19:1-4; Rm.1:18-20), seja pela consciência (Rm.2:12-16), passou a haver, também, a “revelação especial”, na qual Deus não só mostra o Seu poder e a Sua soberania, mas também o Seu desejo de restabelecer a Sua comunhão com o homem, de salvar a humanidade.
– A Bíblia Sagrada, portanto, é uma das formas de “revelação especial” de Deus ao homem e, como tal, já se apresenta como algo vindo da parte do Senhor, algo divino, algo proveniente da mente do Todo-Poderoso e que, por isso mesmo, não podia ser produzida de modo natural, a partir dos escritores que a redigiram.
– Como afirma Davi no Salmo 68.11a, “o Senhor deu a palavra” e, por isso mesmo, o profeta Isaías pôde afirmar que Deus a chama de “a palavra que sai da Minha boca” (Is.55:11a), porque se trata de algo da parte de Deus, que vem diretamente do trono do Senhor.
– Por isso mesmo, a transmissão desta Palavra para a sua redução a escrito não se poderia dar de um modo natural, mas, necessariamente, por uma forma especial em que, de forma singular, Deus trouxesse à mente humana aquilo que iria ser revelado, ou seja, é preciso que haja uma transmissão do Espírito de Deus ao espírito do que vai escrever, pois “…o Espírito penetra todas as coisas, ainda as profundezas de Deus.
Porque qual dos homens sabe as coisas do homem, senão o espírito do homem, que nele está? Assim também ninguém sabe as coisas de Deus, senão o Espírito de Deus.” (I Co.12:10,11).
– Esta transmissão das “profundezas de Deus” para os escritores da Bíblia Sagrada é o que se denomina de “inspiração”, palavra esta que não é uma “invenção teológica”, mas que provém do próprio texto bíblico, pois é Pedro quem afirma que “…a profecia nunca foi produzida por vontade de homem algum, mas os homens santos de Deus falaram inspirados pelo Espírito Santo” (II Pe.2:21).
II – A INSPIRAÇÃO VERBAL PLENÁRIA DAS ESCRITURAS
– Visto que a Bíblia tem origem em Deus, temos de enfrentar uma questão interessante: se a Bíblia é a Palavra de Deus, como explicar que ela tenha assumido a forma de uma obra humana, visto que ela foi escrita e, para tanto, Deus teve de se valer de homens e de materiais para tal processo?
– Embora seja a Palavra de Deus, a Bíblia foi escrita e redigida por seres humanos que, para escrevê-la, usaram de todos os materiais que tinham à sua disposição para tanto, lembrando-se, aliás, que, no tempo da formação dos escritos sagrados,
não havia o papel, material que o Oriente Médio e o Ocidente somente conheceram num tempo posterior à elaboração das Escrituras, elaboração esta, aliás, que durou mais de mil e quinhentos anos, que é o tempo que vai de Moisés ou Jó, apontados como os autores do livro de Jó, que é o livro mais antigo das Escrituras, até a redação dos livros do apóstolo João, que são considerados os últimos escritos inspirados da Bíblia Sagrada.
– Em primeiro lugar, é interessante notar que Deus não escreveu parte nenhuma da Bíblia. As Escrituras registram que Deus havia escrito as primeiras tábuas da Lei (Ex.32:15), mas elas foram quebradas por Moisés, indignado que estava pela corrupção do povo no episódio do bezerro de ouro (Ex.32:19).
As segundas tábuas, embora lavradas por Moisés, foram também escritas por Deus (Dt.10:1-4), mas estas tábuas foram colocadas na arca, ou seja, não puderam ser lidas pelo povo. Moisés escreveu o seu teor, nesta oportunidade, naquilo que viria a ser o Pentateuco (Ex.34:27), numa comprovação de que parte alguma das Escrituras foi feita pelo dedo de Deus.
– O mesmo devemos dizer a respeito do Filho. Jesus nada deixou escrito, mas tudo que transmitiu o fez oralmente, teor este que foi, posteriormente, lembrado pelo Espírito Santo para que pudesse ser reduzido a escrito (I Co.11:23; II Pe.2:16-18; I Jo.1:1,3).
Vemos, pois, que, embora seja a Palavra de Deus, a Bíblia não foi escrita, em momento algum, por Deus, que delegou, pois, tal tarefa para o homem.
– Quis Deus, portanto, que a Bíblia fosse escrita pelos homens, embora se tratasse da própria Palavra do Senhor, para que as Escrituras fossem, elas mesmas, a demonstração da comunhão que se pretendeu restabelecer entre Deus e o homem.
Esta comunhão, que, em Jesus, estava evidenciada pela dupla natureza, é um dos aspectos pelos quais as Escrituras são consideradas testemunhas do próprio Verbo Divino (Jo.5:39). Assim, pois, como Jesus é homem e é Deus, as Escrituras também são Palavra de Deus, mas escrita pelos homens.
– Havia, ademais, um propósito divino na redução da Sua Palavra a escrito. O ser humano depende da memória para guardar tudo quanto lhe é ensinado.
A experiência demonstrou que o homem, mesmo antes da queda, era incapaz de guardar, em sua memória, plenamente o ensino divino, tanto que Eva, ao ser desafiada pela serpente quanto ao ensino divino, não o reproduziu com fidelidade (compare Gn.2:16,17 com Gn.3:2,3).
Assim, como o homem não era capaz de manter a fidelidade e a credibilidade dos ensinos obtidos pela via oral, bem como por ser limitado, quanto ao tempo, nesta transmissão, já que, pelo pecado, estava condenado à morte física, não podendo ensinar senão a algumas gerações seguintes (Sl.78:1-8), imperioso se fazia reduzir a Palavra de
Deus a escrito, a fim de que houvesse maior credibilidade, pois “o que está escrito, está escrito” (Jo.19:22) e o que está escrito não pode ser anulado (Jo.10:35 “in fine”), além de a Palavra poder ser lida e conhecida de gerações futuras que jamais teria contato com as que haviam recebido a mensagem, superando-se, deste modo, o limite da morte física dos homens (Dt.31:10,26-29).
– Mas, como pode o homem, cujos pensamentos estão tão distantes dos de Deus (Is.55:8,9; I Co.2:9), escrever a Palavra de Deus, reduzir a escrito aquilo que é próprio da Divindade? Somente de uma maneira: através da inspiração (II Tm.3:16; II Pe.1:21).
– Em II Tm.3:16, a palavra “inspirado” é tradução da palavra grega “theópneustos” (θεόπνευστος), cujo significado é “soprado por Deus”, ou seja, as Escrituras são geradas por Deus, assim como Deus concedeu o fôlego de vida ao homem e ele se tornou alma vivente (Gn.2:7), assim também deu nascimento às Escrituras.
– Tal expressão é muito elucidativa, porque nos mostra que a Escritura é “divinamente inspirada”, ou seja, é fruto da ação direta do Espírito Santo, não havendo, portanto, nenhuma participação humana na concepção e na elaboração da mensagem contida na Bíblia, cuja “matéria”, ou seja, cujo “conteúdo” é diretamente dado por Deus aos escritores.
– Em II Pe.1:21, a palavra “inspirados” é tradução da palavra grega “ferómenoi” (φερόμενοι), cujo significado é “movidos”, “trazidos”, “levados por uma força interior”, que nos indicam que, para escrever as Escrituras, estes homens, em primeiro lugar, eram “homens santos de Deus”, ou seja,
homens que se encontravam separados do pecado e separados para Deus, que estavam, portanto, em plena comunhão com o Senhor e, por isso, sobre eles podia vir o Espírito Santo, com o propósito de fazê-los redigir aquilo que o Senhor lhes revelava.
Eram, portanto, levados, por uma força interior, a escrever aquilo que escreveram, prova de que não se tratava de “conteúdo” ou “mensagem” que fossem de suas mentes, mas que vinha diretamente da parte de Deus.
– Esta realidade vemos verbalizada no texto sagrado mais de 3.800 vezes, por meio da expressão “assim diz o Senhor”, frequentemente utilizada pelos profetas, a indicar que o que estavam a falar não era algo de sua mente ou imaginação, mas algo que lhes fora transmitido diretamente pelo próprio Deus.
– De se observar, aliás, que esta expressão “assim diz o Senhor”, na Versão Almeida Revista e Corrigida surge, pela vez primeira, em Ex.4:22, quando o próprio Deus manda que Moisés, tido por muitos como sendo o primeiro escritor da Bíblia (e se não o foi, foi quem trouxe a conhecimento do povo de Israel o livro de Jó),
assim se dirigisse a Faraó e, pela vez derradeira, no livro de Malaquias (Ml.1:4), o último profeta literário do Antigo Testamento. Tem-se, pois, uma expressão típica da “antiga aliança”, quando ainda o Espírito Santo não podia habitar no ser humano, já que Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo não havia sido ainda glorificado (Jo.7:39).
– Em o Novo Testamento, a “inspiração” prossegue, mas agora a mensagem é dada pelo Espírito Santo que já habita em cada um dos escritores sagrados, de modo que a expressão se altera. Não é mais “Assim diz o Senhor”, mas, sim, “o que eu recebi do Senhor” (I Co.11:23);
“mando, não eu, mas o Senhor” (I Co.7:10); “porque não vos fizemos saber a virtude e a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo, seguindo fábulas artificialmente compostas, mas nós mesmos vimos a Sua majestade” (II Pe.1:16);
“porque a vida foi manifestada e nós a vimos, e testificamos dela, e vos anunciamos a vida eterna, que estava com o Pai e nos foi manifestada” (I Jo.1:2), numa intimidade que se revela mesmo quando fala algo que lhe é próprio, como Paulo, nesta passagem: “segundo o meu parecer, e também eu cuidado que tenho o Espírito de Deus” (I Co.7:40).
– É por este motivo que Pedro atesta que as Escrituras não podem ser de “particular interpretação”, ou seja, que os textos bíblicos não podem ser entendidos isoladamente, mas como parte de um conjunto, pois, embora tenham sido escritos por homens de diferentes culturas, de diferentes épocas, de diferentes classes sociais, de diferentes graus de instrução, o resultado não é fruto da cultura, da história, da época, da posição social nem tampouco da erudição de cada um dos escritores, mas tão somente obra do Espírito Santo, que é o mesmo a ter agido na vida de cada um destes “homens santos de Deus”.
– Este é o ensino bíblico a respeito da elaboração das Escrituras, que é chamada de “teoria da inspiração plenária das Escrituras”, porque entende que a Bíblia toda, sem qualquer exceção, foi inspirada pelo Espírito Santo, ou seja, as Escrituras foram geradas pelo próprio Deus que deu a mensagem a cada um dos escritores, que, fielmente, vez que homens santos de Deus, reduziram a escrito a mensagem recebida, doutrina esta totalmente encampada na Declaração de Fé aprovada pela CGADB, como se vê no item 1 do “Cremos”, “in verbis”:
“CREMOS na inspiração divina verbal e plenária da Bíblia Sagrada, única regra infalível de fé e prática para a vida e o caráter cristão (II Tm.3:14-17)”.
– No capítulo I de nossa “Declaração de Fé”, isto é deixado explícito: “Nossa declaração de fé é esta: cremos, professamos e ensinamos que a Bíblia Sagrada é a Palavra de Deus, única revelação escrita de Deus dada pelo Espírito Santo, escrita para a humanidade e que o Senhor Jesus Cristo chamou as Escrituras Sagradas de a ‘Palavra de Deus’, que os livros da Bíblia Sagrada foram produzidos sob inspiração divina…”
– Mas como o Espírito Santo inspirou os escritores do texto sagrado? Esta é outra discussão que se faz, pois entendem alguns que o Espírito ditou as palavras aos escritores, assim como, por exemplo, Jeremias teria feito a Baruque (Jr.36:1-8), Pedro teria feito, em relação a sua carta, com relação a Silvano (I Pe.5:12) ou como Paulo, em relação a Tércio, no que toca à carta aos romanos (Rm.16:22).
Este pensamento é conhecido como o da “inspiração verbal” e se baseia, entre outros textos, em Ex.34:27 e Dt.31:24.
– Não resta dúvida de que muitos escritores da Bíblia reduziram a escrito mensagens que lhes foram dadas verbalmente por Deus, como é exemplo os dez mandamentos e boa parte daquilo que foi escrito por Moisés na lei.
No entanto, temos de entender que Deus opera além de quaisquer limites humanos ou que nossa compreensão possa atingir, de forma que temos de, neste ponto, fazer coro ao seguinte pensamento de Russell Norman Champlin, que reproduzimos:
“…a inspiração, normalmente, é verbal, visto que diz respeito à comunicação da verdade em linguagem humana. Isso não significa, entretanto, que consiste em mero ditado de palavras, mas significa que os diversos processos que jazem por detrás da questão, envolvendo aspectos como a individualidade dos escritores, o meio ambiente, o treinamento, a experiência deles, além de outros fatores, foram de tal modo manipulados por Deus que o resultado foi que as palavras registradas não são apenas do homem, mas são plenamente de Deus…” (CHAMPLIN, R.N. Escrituras. In: Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia, v.2, p.475).
– Deus “soprou aos ouvidos” dos escritores, ou seja, transmitiu-lhes a mensagem, mas não se tratou de um mero ditado, como o acontecido nos casos de Jeremias e Baruque, Paulo e Tércio ou Pedro e Silvano.
Estes três escribas simplesmente transcreveram o que lhes foi dito, não tendo tido qualquer participação individual no texto que lhes foi ditado. Baruque, mesmo, depois de ter escrito, foi para a porta do templo ler e ninguém considerou que aquela mensagem fosse de Baruque, mas, sim, do profeta Jeremias, tanto que o texto bíblico chama aquele rolo de “palavras de Jeremias” (Jr.38:10) e até hoje consideramos este livro das Escrituras como o livro do profeta Jeremias.
– A inspiração verbal, portanto, não é um mero ditado, porque notamos diferenças de estilo e de vocabulário em cada livro das Escrituras, há, sim, uma participação individual de cada escritor, a indicar que não eram eles meros autômatos, meros transcritores do que lhes fora transmitido por Deus.
– Embora seja gerada e comunicada por Deus ao homem, quem escreve é o homem e esta escrita é a participação humana na elaboração das Escrituras. A escrita dos textos bíblicos é a “forma” do texto, ou seja, o modo como ele é escrito, a maneira como a mensagem é redigida.
Esta “forma” é humana, tanto que, ao analisarmos os textos bíblicos, notamos que há uma mudança de estilo, de língua e de vocabulário entre os diversos autores da Bíblia. A começar pela língua: o Antigo Testamento é escrito em hebraico e aramaico; já o Novo Testamento, em grego.
– É oportuno aqui observar que, como ensina o pastor Antonio Gilberto, “… Deus inspirou não só as ideias na mente do escritor, mas também as palavras, uma vez que ‘as palavras são a expressão do pensamento’. Confronte os termos ‘falar’ e ‘palavra’, referentes à mensagem divina em I Co.2:13; Hb. 1:1; II Pe.1:21; Ap.22:6.
Assim, a inspiração divina da Bíblia não foi só pensada, mas também falada…” (Manual da Escola Dominical, 5. ed. melhorada e aumentada, p.48) (itálicos originais).
– O estilo de um Moisés, criado em toda a ciência do Egito, é bem diferente do estilo de um boiadeiro, como é Amós, sem falarmos que as figuras de linguagem e as palavras utilizadas por Moisés ou pelo autor dos livros de Samuel diferem daqueles empregados pelos do Novo Testamento.
– Tudo isto nos mostra, claramente, que, embora a mensagem seja de Deus, há a intervenção da individualidade de cada autor, não no “conteúdo”, não na “mensagem”, pois, se assim fosse, não se teria a perfeita e extraordinária harmonia e unidade que a Bíblia apresenta, mesmo havendo mais de um milênio e meio entre o início e o término da sua elaboração, mas na “forma” de cada um.
– Eis o motivo por que é totalmente contrária às Escrituras a afirmação do ex-pastor presbiteriano Nehemias Marien (1932-2007) de que a Bíblia seria uma obra “psicografada”, como o são os livros produzidos pelos “médiuns espíritas”.
Ao contrário dos demônios, que tomam posse dos seus “médiuns” e os fazem escrever suas “mensagens” inconscientemente, escravizando-os, nosso Deus, que sempre releva a dignidade com que fez o homem, inspirou pelo Seu Espírito, a cada autor de texto bíblico mas sem lhes retirar a individualidade, a liberdade e a consciência. Que Deus maravilhoso e dignificador do ser humano!
– Vemos aqui porque a inspiração embora seja verbal não retira a individualidade de cada escritor. Porque Deus criou o homem com o livre-arbítrio, com liberdade de escolha, com autonomia de vontade e, por isso mesmo, jamais poderia anular, mesmo na inspiração das Escrituras, esta individualidade criada por Ele mesmo.
Nosso Deus não é contraditório. Por isso, embora tenha transmitido a mensagem a cada escritor, mensagem que é fielmente reduzida a escrito, pois estamos diante de homens santos de Deus, em perfeita comunhão com o Senhor, cada escrito tem as peculiaridades de cada indivíduo, tem a maneira, o modo, a forma de cada escritor.
– É por isso, aliás, que, muitas vezes, temos dificuldade em entender visões recebidas pelos escritores bíblicos, notadamente nos textos proféticos, uma vez que, dentro da individualidade e realidade vivida de cada escritor, ele tende a descrever o que vê que, embora seja um registro fiel daquilo que o Senhor lhe mostra, é algo que, quase sempre, está fora do contexto cultural dos nossos dias, da nossa realidade presente.
Esta dificuldade, porém, é mais uma comprovação de que a Bíblia é um livro único no mundo, pois, além de ser a Palavra de Deus, é resultado da individualidade de cada homem santo de Deus inspirado pelo Espírito Santo.
– Questão interessante que se levanta é a referente às versões e traduções das Escrituras. Podemos falar em “inspiração” também com relação àqueles que traduziram e traduzem para as diferentes línguas o conteúdo originário das Escrituras?
– Antes de se responder a esta questão, é notável verificar que a Bíblia é o único texto sagrado de todas as religiões existentes no mundo que não funda a sua sacralidade na sua língua original. Os judeus insistem em considerar que, assim como o texto da Bíblia Hebraica (o Antigo Testamento), a língua hebraica também
é sagrada (tanto que o “hebraico” é chamado pelos judeus de “língua sagrada”). Os muçulmanos, igualmente, entendem que o Alcorão é tão somente o texto em árabe, sendo as diversas versões e traduções existentes (cujo reconhecimento só recentemente tem sido feito pelas principais autoridades islâmicas) apenas “o significado do texto”, mas jamais o próprio texto. Não é diferente a tradição entre budistas, hinduístas (cuja língua sagrada é o sânscrito) e outros segmentos religiosos.
– Deus, entretanto, não faz questão que a Sua Palavra esteja presa a uma determinada língua. Foi Ele próprio quem confundiu as línguas dos homens (Gn.11:1-11), tendo-o feito por misericórdia e amor, para que não tivesse que destruir toda a humanidade por sua rebeldia.
Destarte, como Seu propósito é fazer-Se conhecer a todos os homens, não faria sentido algum que obrigasse os homens a aprender hebraico, aramaico e grego para que conhecessem a Sua vontade.
– Esta superação das barreiras culturais, aliás, foi parte do mistério de Cristo que esteve oculto durante séculos até a consumação da obra redentora do Calvário (Ef.3:4-6).
– Assim, a tradução do texto bíblico para todas as línguas existentes não só não é impedida pela sã doutrina, como se trata de uma necessidade e de algo que é desejado e estimulado pelo Espírito Santo, já que não haverá o término desta dispensação antes que todas as nações cheguem ao conhecimento do evangelho (Mt.24:14), pregação esta que é atestada e autenticada pelas Escrituras (I Co.15:3,4).
– No entanto, se há uma ação de acordo com a vontade de Deus no processo de tradução e versão da Bíblia nas línguas das nações, se isto corresponde a um dos aspectos das duas tarefas da Igreja (evangelização dos perdidos e aperfeiçoamento dos santos), num ministério, aliás, que não tem sido convenientemente valorizado pelas igrejas locais, ainda que tenha se intensificado grandemente nos últimos anos, num sinal até da proximidade da volta do Nosso Senhor, não se pode estender a “inspiração verbal plenária” a estes trabalhos de tradução.
– Não se nega que as pessoas que são vocacionadas para esta tarefa são dirigidas pelo Espírito Santo e, desta maneira, serão capacitadas para fazer o trabalho da melhor maneira possível e de forma a ganhar as almas para Cristo e a promover o crescimento espiritual dos salvos, mas as traduções não são o mesmo papel que a elaboração do texto bíblico.
– As Escrituras foram inspiradas pelo Espírito Santo, os homens santos de Deus que a elaboraram receberam da parte de Deus o teor da mensagem, mas os homens de Deus que fazem as traduções não são objeto da mesma operação, operação esta que cessou quando do encerramento do texto bíblico com os textos de João.
– A partir de então, não tivemos mais a revelação por meio de “inspiração verbal plenária”, mas, sim, uma outra atuação do Espírito Santo, que é a “iluminação”, que Aldery Nelson Rocha, define como sendo
“… o entendimento do Espírito Santo. Não muda o Escrito nem a mensagem.(…). A iluminação é uma grande ajuda
à organização dos fatos, do ponto-de- vista histórico, como do ponto-de-vista profético, mas já requer algo de revelação. Lucas, ao ordenar os fatos que se deram, nos dias de Jesus, explicou que precisou de investigação diligente e conhecimento histórico.…” (ROCHA, A. Nelson. 2ª Pedro da Bíblia Di Nelson: a graça que a nós foi profetizada, p.32. Arquivo encaminhado para primeira revisão).
– A grande diversidade de versões e de traduções da Bíblia Sagrada é, portanto, uma necessidade para a maior divulgação das Escrituras à humanidade e, neste desiderato, é uma tarefa que é do agrado do Espírito Santo. No entanto, não são tais versões e traduções obra da “inspiração verbal plenária”.
– Mas que significa “inspiração plenária”? Significa que toda a Bíblia é inspirada. Desde “Gênesis até Apocalipse”, as Escrituras são a Palavra de Deus. Como afirma o apóstolo Paulo a Timóteo:
“Toda Escritura divinamente inspirada é proveitosa para ensinar, para redarguir, para corrigir, para instruir em justiça, para que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente instruído para toda boa obra” (II Tm.3:16,17).
– O texto bíblico todo é inspirado. O Senhor Jesus testificou que todo o Antigo Testamento é Escritura, tanto que fez questão de mostrar que Sua obra salvífica estava predita “na Lei de Moisés, e Profetas, e Salmos”
(Lc.24:44), expressão que se refere a todo o Antigo Testamento, a chamada Bíblia Hebraica, a TANACH (Torá – lei, Neviim – profetas e Chetuvim – escritos). Neste ponto, desmentia os saduceus, que somente reconheciam a lei de Moisés, desprezando os demais escritos, considerando-os de valor inferior à lei.
– O Novo Testamento não é diferente, pois o apóstolo Pedro chama não só os escritos paulinos mas os demais já existentes na Igreja de Escritura, dando a eles o mesmo valor do Antigo Testamento (II Pe.3:15,16), tendo o Apocalipse, que é revelação do próprio Jesus (Ap.1:1), afirmado ser o término da inspiração (Ap.22:18,19).
– Deste modo, não se pode admitir qualquer pensamento de que haja um texto mais inspirado que outro, um texto bíblico mais importante que outro, ou que algum texto bíblico deva ser deixado de lado. A Bíblia toda é a Palavra de Deus e não podemos “rasgar qualquer página” das Escrituras, como muitos têm feito em nossos dias. Tomemos cuidado, amados irmãos!
– Mas, ao mesmo tempo que a “inspiração plenária” nos mostra que toda a Bíblia é inspirada, também nos ensina que só a Bíblia é inspirada e que todos os demais escritos não possuem a autoridade que tem as Escrituras. A Bíblia, e ela SÓ, é a Palavra de Deus.
– Dentro desta verdade, não podemos dar credibilidade total a qualquer outro escrito, seja ele qual for. Assim, não se pode acrescentar à Bíblia qualquer outro escrito e não se está aqui se referindo tão somente a atitudes como a da Igreja Romana, que oficializou no Concílio de Trento a introdução de sete livros no cânon ou a outros segmentos religiosos que dão autoridade a outros escritos, como os mórmons (que, ao lado das Escrituras, seguem os escritos de Joseph Smith) ou mesmo os adventistas (que dão caráter autoritário aos escritos de Ellen Gould White), mas àqueles que “informalmente” dão autoridade a escritos, “revelações” e “visões”, deixando de aferi-los à luz da Bíblia Sagrada ou, por vezes, preferindo-os ao texto sagrado.
– Sendo a Bíblia Sagrada um texto de “inspiração divina, verbal e plenária”, ela somente pode ser discernida espiritualmente. Como ensina o saudoso pastor Antônio Gilberto, “o autor da Bíblia é Deus, Seu real intérprete é o Espírito Santo e Seu tema central é o Senhor Jesus Cristo” (Manual da Escola Dominical. 5. ed. melhorada e aumentada, p.30).
– Em sendo assim, não há como entender-se a Palavra de Deus senão pelo Espírito Santo. Deus Se revelou ao homem, mas é absolutamente necessário que o Espírito Santo abra a nossa mente para que tenhamos condição de entender a mensagem divina.
Foi assim que os discípulos puderam compreender a obra salvífica de Cristo (Lc.24:44,45), mesmo tendo passado com Ele durante três anos e mesmo depois de O terem visto ressuscitado!
– Se assim foi com os discípulos, que tiveram a presença física de Jesus mas que não podiam compreender quando o Senhor lhes falava de Sua morte e ressurreição, e por diversas vezes, precisamente porque ainda não tinham o Espírito Santo, como podemos achar que entenderemos as Escrituras senão pelo Espírito Santo, senão pelo discernimento espiritual?
Paulo foi bem claro ao nos mostrar que as coisas de Deus somente se discernem espiritualmente (I Co.2:10-16) e ele bem sabia do que falava, pois, antes de se converter, era um doutor da lei, mas não tinha tido ainda a revelação de Cristo nele (cf. Gl.1:15,16).
– O pastor Antônio Gilberto diz que uma das dificuldades na compreensão da Bíblia é “…falta de comunhão profunda do estudante com o divino Autor da Bíblia (Ninguém melhor do que o autor de uma obra para explaná-la…” (Dificuldades da Bíblia. Bíblia com comentários de Antônio Gilberto, p.2049).
– Por isso, ao termos consciência de que a Bíblia é um livro inspirado por Deus, tenhamos também a iniciativa de buscar a presença do Senhor, de estarmos em comunhão com Ele, a fim de que possamos compreender este livro santo, porque ele somente será compreendido se tivermos a nossa mente aberta pelo Espírito Santo, se formos templo do Espírito Santo, se formos morada de Deus no Espírito. Temos sido isto?
Pr. Caramuru Afonso Francisco
Fonte: https://www.portalebd.org.br/classes/adultos/7004-licao-2-a-inspiracao-divina-da-biblia-i