INTRODUÇÃO
– Na sequência do estudo dos livros dos Reis, estudaremos o reinado de Acazias, filho de Acabe e Jezabel.
– Acazias é o retrato de quem rejeita a salvação.
I – A SOBREVIDA DADA A CASA DE ONRI
– Estudamos, nas lições anteriores, o trágico reinado de Acabe, o sexto rei do reino do norte, o segundo rei da terceira dinastia, a casa de Onri, pai de Acabe.
– A Bíblia não economiza palavras: Acabe foi o pior rei que tinha havido até então, pois, além de manter os “pecados de Jeroboão”, ainda se casou com Jezabel, filha do rei de Sidom, que introduziu o culto a Baal e a Aserá (ou Asera), os deuses da fertilidade, aprofundando sobremaneira a apostasia espiritual das dez tribos e quase que erradicando o culto a Deus no país.
– Por isso, Deus levantou o profeta Elias que, após três anos e meio de seca, fez descer do fogo do céu no desafio do monte Carmelo e todo o povo aclamou que só o Senhor era Deus e, deste modo, foram mortos todos os 850 profetas tanto de Baal quanto de Aserá, tendo, ainda por cima, o profeta orado e vindo chuva sobre a terra.
– Tudo isso, entretanto, não representou nem a morte nem o exílio de Jezabel, como até achara o profeta Elias, que, decepcionado, acabou por fugir e entrou em verdadeira depressão, tendo tido uma profunda experiência com o Senhor no monte Horebe, de onde voltou revigorado para dar continuidade a seu ministério.
– Jezabel continuou a dar as coordenadas para o governo de Israel, pois dominava completamente o rei Acabe e cometeu abominável crime ao mandar matar Nabote, vizinho do palácio do rei em Jezreel, que se recusara a vender a sua vinha a Acabe. Diante deste gesto ignominioso, Deus, então, mandou que Elias levasse uma mensagem a Acabe, em que o Senhor decidira exterminar a família reinante.
– Ao ouvir a mensagem, porém, Acabe se humilhou, pedindo misericórdia a Deus e, por causa disso, o Senhor avisou a Elias que a casa de Onri não seria destruída nos dias de Acabe, mas, sim, de seus filhos.
– Obteve, assim, a casa de Onri uma sobrevida, tendo ainda havido dois outros reis além de Acabe no trono de Israel, os seus dois filhos, Acazias e Jorão.
Deus mostra, assim, a Sua misericórdia, dando oportunidade às pessoas para que se arrependam. O juízo divino sempre vem, pois Deus é justiça, mas ninguém poderá jamais acusar o Senhor de ter sido inflexível, intransigente. Deus sempre concede ao homem real oportunidade de salvação, cabendo ao próprio homem, porém, escolher, dentro do livre-arbítrio que lhe é concedido, se aceita, ou não, esta oferta salvadora do Senhor.
– Acabe, em vez de receber este gesto misericordioso do Senhor para se arrepender dos seus pecados e começar a servir a Deus, desperdiçou esta sobrevida que se lhe deu, inclusive se permitindo usar pelo inimigo de nossas almas.
– Com efeito, sabendo que fora alvo da misericórdia divina, Acabe continuou com a sua política de alianças e, neste passo, fez cessar a inimizade que havia entre Israel e Judá.
Foi o primeiro rei a fazer a paz com o reino do sul, aliando-se com Josafá, que era, então, o rei de Judá, numa aliança que envolveu, inclusive, o casamento de sua filha Atalia com o príncipe herdeiro do trono de Judá, Jeorão.
– Acabe, assim, além de ter introduzido o culto a Baal e Aserá em Israel, por intermédio do seu casamento com Jezabel, conseguia, também, inserir o culto idolátrico em Judá, mediante o casamento de sua filha com Jeorão, o que iria, inclusive, pôr em risco a própria linhagem messiânica naquele reino.
– Percebemos, pois, que o adversário de nossas almas não vacila. Percebendo a misericórdia demonstrada a Acabe por Deus, imediatamente tratou de tirar proveito da situação para estender ainda mais o seu plano de desvirtuamento do povo de Deus, conseguindo atingir o seu verdadeiro alvo, que era a casa de Davi.
– Pedro mostra-nos que o diabo ainda é o mesmo, estando sempre ao derredor dos servos de Deus buscando a quem possa tragar (I Pe.5:8).
Paulo diz que não podemos dar lugar ao diabo (Ef.4:27) e o próprio Senhor Jesus adverte Seus discípulos que se vacilarmos e deixarmos nosso ser vazio depois de termos obtido a salvação, o adversário virá com muito maior força para dominar sobre nós (Mt.12:43-45; Lc.11:24-26). Tomemos cuidado, irmãos!
– Confiante na aliança que havia feito com Judá, Acabe quis, então, guerrear contra a Síria, inimigo que havia se levantado mais de uma vez contra Israel nos dias de Acabe (I Rs.20) e que Acabe deveria ter destruído, mas não o fez, o que lhe causou a repreensão do próprio Deus.
– Acabe, juntamente com Josafá, reuniram-se e resolveram guerrar contra os siros, oportunidade em que Josafá pediu que fosse consultado um profeta da parte do Senhor, pois a corte de Acabe estava repleto de falsos profetas, tendo, então, sido trazido o profeta Micaías, que estava preso, o qual profetizou a derrota de Israel e a morte do rei Acabe (I Rs.22:1-28).
– A profecia de Micaías cumpriu-se literalmente e Acabe, mesmo disfarçado como um soldado comum, acabou sendo morto em batalha e, retirado do campo de batalha, acabou sendo levado para Samaria, onde seu sangue foi lambido pelos cães, cumprindo-se, deste modo, o que fora profetizado por Elias a respeito de Acabe (I Rs.,22:29-40).
II – ACAZIAS REINA
– Morto Acabe, subiu ao trono o seu filho Acazias, que reinou apenas dois anos (I Rs.22:52).
– Acazias, cujo nome significa “Javé é Senhor” ou “Javé tem sustentado”, é mais uma personagem bíblica que contraria o seu próprio nome, pois, embora ele afirme que “Javé é Senhor”, o que este rei pôde constatar em todos os episódios que cercaram a vida de seu pai, notadamente no ministério de Elias, a quem ele bem conhecia, como adiante se verá, foi um rei que serviu a Baal, adorando esta divindade cujo culto fora trazido por sua mãe Jezabel, que, aliás, ainda continuou a “dar as cartas” no reino de Israel (I Rs.22:54).
– O texto sagrado diz que Acazias foi um mau rei, que, além de manter os “pecados de Jeroboão”, andou nos caminhos de seu pai e de sua mãe no tocante à idolatria. Perpetuou, assim, o estado péssimo que havia sido introduzido por seu pai em Israel.
– Com Acazias, vemos o grande mal que causa uma educação feita fora da sã doutrina, uma educação doméstica que não se preocupa em ensinar a Palavra de Deus. O Senhor já havia advertido os israelitas de que o ensino da lei se deveria dar, primeiramente, no lar e que esta seria uma condicionante para a manutenção do povo na Terra Prometida (Dt.6:6-9; 11:18-21).
– No entanto, desde cedo, os israelitas descuidaram deste mandamento e o resultado foi o triste período dos juízes, em que Israel ficou num marasmo espiritual de séculos (Jz.2:10-22).
– Agora, no reino do norte, que se mantinha nos “pecados de Jeroboão”, o que os impedia de servir a Deus consoante os ditames da lei de Moisés, o mesmo se dava e o resultado era um contínuo afastamento de Deus, a ponto de se ter, nos dias de Acabe, um culto rival ao culto a Deus, o culto a Baal e a Aserá, no qual fora criado e instruído Acazias.
– A força da educação doméstica em Acazias foi tal que, mesmo diante da demonstração de poder que Deus deu por meio do profeta Elias, Acazias preferiu servir a Baal, manteve-se sob a influência de seus pais, de modo que, ao subir ao trono, era um perfeito idólatra, alguém que havia rejeitado completamente ao único e verdadeiro Deus.
– Os tradutores da Septuaginta resolveram dividir aqui o livro dos Reis, dada a sua extensão, uma vez que se iniciava a narração do curto reinado de Acazias, após o reinado de Acabe, que havia sido muito importante na história do reino do norte.
– Morto Acabe, Moabe, que estava sob o domínio de Israel, revoltou-se (II Rs.1:1). Com tal rebelião bem sucedida, que dá início à derrocada do reino de Israel, o Senhor mostra todo o Seu desagrado com a situação espiritual em que se encontrava o povo.
– Como se não bastasse isso, o próprio rei Acazias sofre um acidente, caindo das grades de um quarto alto, que tinha em Samaria, adoecendo. Tinha sido uma grande queda e a sua situação de saúde era periclitante.
– Diante deste estado de coisas, o rei, que era idólatra, mandou que mensageiros fossem até Ecrom, cidade dos filisteus, e consultasse a Baal-Zebube, que era o deus daquela cidade, se ele sararia, ou não (II Rs.1:2).
– Baal-Zebube era o “deus das moscas”, era a divindade de Ecrom, uma das cinco cidades dos filisteus, a última a receber a arca da aliança antes de ela ser devolvida a Israel nos dias de Samuel (I Sm.5:10).
A arqueologia tem demonstrado que se tratou de importante cidade naquela época. Alguns entendem que este nome era uma forma zombeteira de os israelitas se dirigirem a esta divindade, cujo nome seria mesmo “Baal-Zebul”, que significa “Senhor dos lugares altos”, o que até explica porque o rei Acazias tinha pedido fosse ele consultado, já que havia caído de um lugar alto.
– O gesto de Acazias era uma nítida afronta ao Senhor. O rei deliberadamente desconsiderava a Deus e mandava consultar uma falsa divindade, situada num país estrangeiro, para saber se iria, ou não, sarar.
Era uma indelével prova de que não cria em Deus, de que considerava que Deus era apenas mais uma divindade e que, inclusive, era incapaz de lhe dar qualquer solução, nem mesmo dizer se iria, ou não, sarar.
– Mesmo diante de todo o poder que Deus demonstrara no reinado de seu pai Acabe, inclusive nas próprias circunstâncias que levaram à morte do seu antecessor, profetizada por Micaías, Acazias mandou consultar um ídolo. Era uma cabal rejeição ao senhorio divino.
– Muitos hoje estão a fazer precisamente o que fez Acazias. Não, não estamos a dizer dos seguidores de religiões que têm seus deuses e ídolos, como os praticantes do xintoísmo (a religião nacional japonesa) ou do hinduísmo, que creem em milhões de divindades, nem mesmo estamos a falar daqueles que cultuam os santos ou beatos no romanismo.
– Estamos a falar dos sedizentes cristãos que vivem correndo atrás de “profetas”, buscando consultá-los, querendo suas orientações e revelações.
Tais pessoas estão, a exemplo de Acazias, também a rejeitar a Deus, indo a “terras estranhas” para saber se irão, ou não, sarar. Como assim?
Não estão à busca de “homens e mulheres de Deus”? Sim, estão à busca de homens e mulheres, desprezando a Deus, que está em nós, pois o genuíno e autêntico crente é “templo santo no Santo”, “morada de Deus no Espírito” (Ef.2:21,22). Tomemos cuidado, amados irmãos!
– Acazias era alguém completamente comprometido com a idolatria, um incrédulo em Deus e, mesmo diante de uma situação adversa, mesmo diante do testemunho do poder de Deus que presenciou no reinado de seu pai, mantinha-se com seu coração endurecido, alheio a Deus, rejeitando ao Senhor.
É este sentimento que levaria à destruição do reino do norte (Os.4:6) e que levará bilhões ao lago de fogo e enxofre. Que Deus tenha misericórdia de nós!
– A postura de Acazias indignou o Senhor (I Rs.22:54) e o anjo do Senhor disse a Elias para que se levantasse e se encontrasse com os mensageiros do rei e lhes dissesse que, como Acazias desprezara a existência do Deus de Israel, ele haveria de morrer, não se levantando da cama onde estava desde o acidente (II Rs.2:3).
– Discute-se quem seria este “anjo do Senhor”. Teria sido um anjo ou seria uma teofania? Difícil dizer, porquanto não há qualquer circunstância no texto que nos permita decidir por uma ou outra hipótese.
Alguns entendem que, como se tratava de uma expressão de indignação de Deus, por ter sido desprezado, foi o próprio Deus quem Se dirigiu ao profeta, o que explicaria, inclusive, a grande ousadia com que o profeta agiu naquela oportunidade. É algo a se pensar.
– Elias imediatamente obedeceu à ordem divina (dada pessoalmente ou por um anjo) e foi ao encontro dos mensageiros do rei.
Elias não titubeou, não ficou temeroso, nem questionou ao Senhor. Após a experiência que tivera no monte Horebe, estava bem consciente de sua missão e prosseguiu nela.
– Assim também devemos agir, amados irmãos, notadamente quando estamos no princípio das dores, quando é clarividente a perseguição disseminada contra a Igreja neste período final de preparação do mistério da injustiça para a implantação do governo anticristão mundial.
Não temamos, mas façamos a obra de Deus enquanto é dia, porque a noite vem, quando ninguém mais pode trabalhar (Jo.9:4).
– Elias encontrou-se com os mensageiros e lhes deu a mensagem da parte do Senhor: Da cama, a que subiste, não descerás, mas sem falta morrerás.
A contundência do profeta foi tanta que os mensageiros, atônitos, nem sequer pediram ao profeta que se identificasse e, imediatamente, retornaram para Samaria, a fim de dar o recado divino para o monarca.
– Vemos aqui a autoridade da palavra profética de Elias. Os mensageiros deixaram de ir para Ecrom, apesar da ordem real, retornando para Samaria para levar a mensagem de quem nem sabiam quem era. Temos aqui uma belíssima figura do poder da Palavra de Deus.
Ela é superior aos mandamentos humanos, é poderosa e, como diz o profeta Isaías, não volta para Deus vazia, antes fará o que apraz ao Senhor e prospera naquilo para que o Senhor a enviou (Is.55:11).
– Por isso mesmo, não devemos temer pregar o Evangelho, que é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê (Rm.1:16), como também falar tudo quanto tem revelado ao homem, sem titubeio nem covardia, não deixando de dizer ao mundo qual é a vontade de Deus para a humanidade.
– Os mensageiros retornaram e deram a notícia ao rei, não sabendo identificar de quem se tratava. Entretanto, Acazias bem desconfiou de quem era e logo perguntou qual era o trajo daquele homem e eles lhe disseram que era um homem vestido de pelos e com os lombos cingidos de um cinto de couro. Acazias, então, não teve dúvidas em identificar aquele homem como sendo Elias, o tisbita (II Rs.1:5-8).
– Esta passagem mostra-nos, por primeiro, que Acazias agia deliberadamente, cometia um “pecado voluntário”, ou seja, fazia questão de desprezar ou menosprezar ao Senhor.
Tanto que logo desconfiou de que a mensagem que lhe fora mandada era da parte de Deus, e, como tal, proveniente de Elias, o mais proeminente homem de Deus daquela época.
– Por segundo, que o teor da mensagem, em vez de lhe causar arrependimento e pedido de misericórdia, o que, aliás, havia feito seu pai Acabe, apenas lhe trouxe desejo de vingança, vontade de matar Elias, a propósito, o mesmo sentimento nutrido por Jezabel após o desafio do monte Carmelo, desejo que cremos não havia se dissipado, sendo, como era Jezabel, uma mulher extremamente perversa. Evidenciada ficava, pois, a dureza de cerviz do rei, a sua resistência ao Espírito Santo.
– Por terceiro, notamos como o rei conhecia Elias, a reforçar esta sua voluntária rebeldia e rejeição a Deus. Tinha tanto conhecimento de quem era Elias que podia identificá-lo inclusive por suas vestes. Podemos mesmo dizer que nutria ódio por ele assim como sua mãe.
– Por quarto, vemos que o profeta Elias tinha um porte, uma conduta que o fazia conhecido de muitos na sociedade de seu tempo. Elias foi identificado pelo seu trajo. Isto nos mostra que a vestimenta é, sim, um elemento que deve nos distinguir como servos de Deus no meio da sociedade.
– Verdade é que Elias era um homem que não era sociável e que tal conduta não deve ser seguida pelos que cristãos se dizem ser, que devem ter como exemplo Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, que é de uma conduta diametralmente oposta a esta de Elias, que foi posteriormente seguida por João Batista, cujo contraste com o comportamento de Cristo foi por Este mesmo mencionado (Mt.11:16-19; Lc.7:31-34).
No entanto, o fato de ser identificado com a vestimenta é algo que tem de ser valorizado pelos servos do Senhor, que devem ser se apresentar com vestes modestas e que cumpram a missão da vestimenta, que é a de cobrir a nudez.
– Lamentavelmente, nos dias difíceis em que vivemos, esta verdade bíblica tem sido deixada de lado e já não são poucos os que descuidam disto, utilizando vestimentas mundanas como se isto não tivesse importância alguma. Tomemos cuidado, amados irmãos!
III – O PROFETA ELIAS E OS SOLDADOS DE ACAZIAS
– Acazias não se humilhou diante da dura notícia mandada por Elias. Em vez de repetir o gesto de seu pai, resolveu mandar prender o profeta, talvez com o intento de matá-lo, o que há muito desejava fazer sua mãe Jezabel.
– Então, no alto de sua arrogância, mesmo acamado e sentenciado à morte, Acazias mandou cinquenta homens para trazer o profeta à sua presença. O comandante daqueles cinquenta homens, então, apressadamente foi até o cume do monte onde estava Elias.
– Aqui vemos mais uma nota sobre a conduta de Elias. Ele estava no cume do monte, num lugar alto (não há como deixar de ver aqui um paradoxo, pois Baal-Zebul seria o “senhor dos lugares altos”), local onde o capitão o encontrou. O texto não nos diz como o capitão sabia que ele ali estava, o que nos permite deduzir que era um local onde o profeta costumava ficar, de todos conhecido, inclusive de Acazias.
– Num certo sentido, o servo do Senhor é “previsível”, porque todos sabem como ele vai agir, já que ele obedece à Palavra de Deus.
Os inimigos de Daniel, por exemplo, bem sabiam que o profeta não iria obedecer a uma lei que determinasse que ninguém orasse a qualquer divindade durante trinta dias e apenas ao rei Dario, por isso “montaram aquela arapuca” para mandá-lo à cova dos leões; é inegável, também, que alguns dos servidores de Nabucodonosor já estavam de olho nos amigos de Daniel, sabendo que eles não iriam se prostrar à estátua construída pelo monarca babilônico.
– Humanamente pensando, esta “previsibilidade” seria uma fraqueza, um ponto vulnerável para os servos do Senhor, que vivem em luta contra as hostes espirituais da maldade mas é aí que se faz manifestar o poder de Deus.
Apesar da “previsibilidade”, o servo do Senhor pode confiar no seu Deus e Ele, contra todas as perspectivas humanas, livra o servo da cova, como da fornalha de fogo ardente. E, se isto não acontecer, não tem importância: a fidelidade a Deus nos levará para as mansões celestiais. Aleluia!
– Ao chegar, confiado na autoridade que lhe dera o rei, o capitão mandou a Elias: Homem de Deus, o rei diz: Desce (II Rs.1:9).
– Aqui vemos bem a mentalidade deste capitão. Ele reconhecia que Elias era homem de Deus, era o profeta do Senhor, mas o rei Acazias estava acima dele.
O capitão, que ali representava o rei, quis mostrar ao profeta “quem mandava”. Cometia o capitão o mesmo pecado de Acazias, qual seja, o de negar o senhorio do Deus de Israel.
– Aqui também temos uma importante lição espiritual. O servo do Senhor não pode se submeter ao poder político quando este é rebelde contra Deus.
Se o fizer, estará “descendo espiritualmente”. A Igreja está desfrutando de todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo (Ef.1:3), está “em cima”, com a sua vida escondida com Cristo em Deus (Cl.3:1-3) e, por isso, não pode se submeter a quem resiste ao Senhor e à Sua Palavra, sob pena de “descer”.
– Nos dias em que vivemos, em que cada vez mais os governantes se comprometem com o mistério da injustiça, com o espírito do anticristo, não podemos, de modo algum, atender à ordem de “descer”, mas nos mantermos “em cima”, sem nos comprometermos com eles nem aceitarem suas nefandas ofertas, porque, como Neemias, estamos fazendo uma grande obra e não podemos descer (Ne.6:3).
– Elias não se deixou intimidar, mas mostrou ao capitão quem realmente manda. O profeta disse que, se era homem de Deus, que viesse fogo do céu e consumisse a ele e aos cinquenta e, na mesma hora, desceu fogo do céu e consumiu a ele e aos seus cinquenta (II Rs.1:10).
– Deus é maior que o homem, mesmo o rei. Por que Elias pediu que descesse fogo do céu e consumisse aqueles homens? Certamente, evocou aqui o desafio do monte Carmelo, onde todo o povo havia constatado que “Só o Senhor é Deus”.
O profeta, com este gesto, mostrava a Acazias que só Deus era o Senhor, por isso mesmo não se podia consultar a Baal-Zebube e que, sendo o único e verdadeiro Deus, não poderia o rei se rebelar contra o Senhor.
– Este fato foi notório, pois, apesar de todos os cinquenta homens terem sido consumidos pelo fogo vindo do céu, Acazias teve conhecimento disto.
– Entretanto, apesar de mais esta cabal demonstração do poder divino, Acazias não se humilhou. Pelo contrário, mandou outro capitão com outros cinquenta soldados e com muito maior furor.
Por que dizemos com maior furor? Porque este segundo capitão foi ainda mais petulante que o primeiro, pois, ao dirigir ao profeta, disse: Homem de Deus, assim diz o rei: Desce depressa (II Rs.1:11).
– Era a reafirmação da autoridade real. Mesmo diante de tamanha demonstração do poder de Deus, o rei agora mandava que o profeta obedecesse imediatamente, coo se nada tivesse acontecido.
Eis o resultado da dureza de cerviz, do coração empedernido que rejeita voluntariamente ao Senhor. Por mais que Deus mostre o Seu poder, há cada vez maior demonstração de recusa, rebelião e até de blasfêmia.
É o que ocorrerá quando do lançamento das taças com que Deus consumará a Sua ira na Grande Tribulação, quando os adoradores da besta, diante de tamanha mostra do poder e soberania divinos, preferirão blasfemar a se arrepender (Ap.16:9,11,21).
– Elias não se deixou intimidar mais uma vez. O servo de Deus deve ser constante, sempre abundante na obra do Senhor (I Co.15:58). Quando tomamos a posição de servir a Deus, a pressão aumentará contra nós. O profeta, mesmo após aquela demonstração de poder, voltou a ser intimidado, e agora com maior petulância, mas continuou confiando em Deus, sem se deixar abalar.
– Ante nova e mais forte demonstração de arrogância, respondeu com as mesmas palavras da primeira vez. Se era homem de Deus, que descesse fogo do céu e consumisse a todos e, pela segunda vez, isto aconteceu (II Rs.1:12).
– Parecia que, depois de duas demonstrações poderosas do poder divino, Acazias iria se demover, desistir de seu intento. Ledo engano!
Ainda mandou um terceiro grupo de cinquenta soldados, como se nada tivesse acontecido. Como é cego aquele que resolve se opor a Deus!
Não é por outro motivo que, mesmo diante de tantos juízos, o Anticristo congregará todas as nações para tentar destruir Israel ao término da Grande Tribulação.
– Se o rei continuava na sua insensatez espiritual absoluta, este outro capitão já não procedeu da mesma forma.
Sabendo que cem homens já haviam morrido, que Deus era maior, ao chegar ao monte, não deu qualquer ordem ao profeta, mas subiu o monte e se pôs de joelhos diante de Elias e lhe suplicou, pedindo que a sua vida e a de seus homens fosse preciosa aos olhos do profeta (II Rs.1:13).
O anjo do Senhor, então, disse a Elias que descesse e não temesse e fosse até a presença do rei (II Rs.1:15).
– Deus exalta os que se humilham (Lc.18:14) e, deste modo, este terceiro capitão, por ter se humilhado não diante do profeta, mas diante de Deus, não só poupou a sua vida como também conseguiu levar o profeta até a presença do rei, pois o próprio anjo do Senhor mandou que Elias o acompanhasse e fosse até Samaria.
– O terceiro capitão reconheceu que fogo havia vindo do céu e consumido os cem homens. Sabia que isto era obra de Deus e que Deus é maior do que o rei, maior do que o profeta e que somente em Deus podemos alcançar a misericórdia, porque as misericórdias do Senhor são a causa de não sermos consumidos (Lm.3:22).
– O terceiro capitão não trouxe qualquer ordem do rei ao profeta, mas pediu pela sua vida e pela de seus soldados e se põe na condição de servos e não de “soldados do rei”. Quando reconhecemos o senhorio de Deus, somos alcançados pela Sua misericórdia e recebemos vida e vida com abundância.
– Devemos sempre nos humilhar diante da potente mão de Deus e, a Seu tempo, seremos exaltados (I Pe.5:6).
– Notemos que o capitão subiu o monte em cujo cume o profeta estava. Em vez de mandar o profeta “descer”, ele resolveu “subir”. Nós, também, em nossa humilhação, devemos “subir”, ir até a presença do Senhor, “levantar a nossa alma” a Deus (Sl.25:1).
– Somente “levantamos nossa alma” a Deus quando reconhecemos que estamos embaixo, que somos pó, que dependem inteiramente da graça e misericórdia de Deus. Como diz a poetisa Frida Vingren, na terceira estrofe do hino 126 da Harpa Cristã, ninguém voa às alturas santas sem as asas da humilhação .
– O escritor aos hebreus diz que precisamos entrar no lugar santíssimo do santuário celestial, onde está Cristo Jesus, o nosso sumo sacerdote, devemos chegar ao trono da graça, mas, para isto somente se nos humilharmos (Hb.4:16; 10:19-23).
Esta ida à presença de Deus depende integralmente de nossa postura de confissão, de reconhecermos nossa pequenez e nossa extrema necessidade da graça e misericórdia do Senhor.
– Assim procedeu o terceiro capitão e, diante disto, os céus se moveram e o anjo do Senhor disse a Elias que fosse com aqueles soldados até Samaria (II Rs.1:15).
– O anjo do Senhor disse a Elias para que ele não temesse em seguir com aqueles homens. Temos uma demonstração a mais de que o profetas Elias, este gigante espiritual, era homem como nós, sujeito às mesmas paixões (Tg.5:17).
Mesmo tendo orado e tendo descido fogo do céu que consumiu cem soldados, ele temia morrer nas mãos do rei Acazias.
– Somos, amados irmãos, como diz o povo “de carne e osso” e, deste modo, absolutamente natural que tenhamos medo das coisas que podem nos acontecer. Por exemplo, é normal que um crente tenha receio de ser contaminado com a COVID-19 e vir a morrer, como milhares de pessoas têm morrido. Isto faz parte da nossa natureza humana.
– O que, porém, não é normal nem pode ser admitido é que este medo se torne em pânico, em desespero, em pavor. Elias tinha medo de ser morto por Acazias, mas, quando o anjo do Senhor disse para que ele fosse com o terceiro capitão, confiou em Deus e foi, obedecendo à voz do Senhor.
– Temos de saber que a nossa vida está escondida com Cristo em Deus. Assim, mesmo diante da pandemia da COVID-19, temos de continuar a viver, a fazer o que necessário para a nossa sobrevivência, e, principalmente, continuar a fazer a obra do Senhor.
Sigamos as orientações e determinações das autoridades sanitárias, tomemos as medidas de prevenção, mas não fiquemos apavorados, em pânico e paralisados, ainda mais porque sabemos que o morrer para o salvo em Cristo é ganho e estar com Ele é muito melhor (Fp.1:21-23), pois nem a morte nos pode separar do amor de Deus que está em Cristo Jesus nosso Senhor (Rm.8:37-39).
– Neste ponto, aliás, devemos aqui fazer uma pequena digressão, porque, séculos mais tarde, quando o Senhor Jesus foi impedido de se hospedar numa aldeia dos samaritanos, Tiago e João pediram a Jesus que lhes permitisse fazer descer fogo do céu para consumir aqueles samaritanos, lembrando-se deste episódio ocorrido na vida do profeta Elias (Lc.9:51-54).
– Mas, ao contrário do que vemos neste episódio do profeta, Jesus repreendeu o desejo dos filhos de Zebedeu, dizendo que eles não sabiam de que espírito eram porque o Filho do homem não tinha vindo para destruir as almas dos homens, mas para salvá-las (Lc.9:55,56).
– Fica, então, a pergunta: haveria contradição na ação divina com o profeta Elias e agora no que não foi permitido fazer com os samaritanos pelo Senhor Jesus? Teria Deus mudado daquela época para os dias de Jesus?
Ter-se-ia aqui uma prova do que veio a dizer Marcião, um dos primeiros hereges da história da Igreja, de que havia um Deus no Antigo Testamento e outro, em o Novo Testamento?
– Não há qualquer contradição em ambos os episódios. Em ambos, vemos a ação do mesmo Deus e a a mesma ação de Deus. Como assim?
– Por primeiro, observamos que Acazias foi movido pelo desejo de vingança contra Deus e contra o seu profeta. Ficou enraivecido com a mensagem do profeta e demonstrava ter o mesmo sentimento homicida de sua mãe Jezabel.
Este sentimento foi absorvido pelos dois primeiros capitães, que agiram em nome e por conta do rei, defendendo a superioridade do rei a Deus e ao profeta.
– Ora, que diferença havia entre este sentimento de Acazias e o sentimento que invadiu os corações de Tiago e de João? São estavam eles, porventura, querendo vingar-se dos samaritanos por não terem eles dado pousada a Jesus, porque perceberam que Jesus era judeu e estava se dirigindo para a Páscoa em Jerusalém?
– Nenhum. Eles, que haviam em nome e por conta de Jesus tentado conseguir pousada naquela aldeia de samaritanos, queriam vingar-se de quem havia contrariado o “rei”, o “Messias”. Não nos esqueçamos de que
Jesus estava resolvido a ir para Jerusalém e que os discípulos interpretaram aquilo como sendo o prenúncio de que Jesus estabeleceria o Seu reino (Lc.19:11) e, precisamente, Tiago e João eram os que mais cobiçavam posições de realce neste reino que criam ser de iminente instalação (Mc.10:35-45).
– Assim, Tiago e João estavam a agir como os dois primeiros capitães, querendo vingar-se de quem ousara afrontar o “rei” Jesus, vendo em Jesus mais o “rei de Israel” do que propriamente o Filho de Deus, o Salvador da humanidade.
– Portanto, quando Jesus os repreende e não os permite repetir o gesto do profeta Elias, isto se deve ao fato de que estavam eles movidos não pelo espírito de Elias, que foi uma reação divina à insolência, soberba e desejo de vingança do rei Acazias, ali representado pelos seus soldados, mas, sim, pelo próprio espírito de Acazias. Por isso, o Senhor lhes mostra que eles não sabiam qual era o espírito de Cristo, que queria salvar e não destruir a alma dos homens.
– Jesus revela ali o mesmo espírito com que Deus tratou o terceiro capitão, poupando não só a sua vida e a de seus soldados, mas ainda fazendo com que a ordem real fosse cumprida.
– Como diz o pai da Igreja, Beda (673-735): “O Senhor repreendeu neles, não o exemplo de um santo profeta, mas a ignorância da vingança que havia neles, rude ainda, fazendo-os ver que não queriam a emenda por amor, mas a vingança por ódio.
Assim, apesar de lhes haver ensinado o que era amar o próximo como a si mesmo e também infundido o Espírito Santo, tais vinganças não faltaram, embora fossem muito mais raras do que no Antigo Testamento.
Por isso continua: ‘O Filho do homem não veio para destruir as almas, mas para salvá-las”; como se dissesse: E você, então, que leva o selo de seu espírito, também imita suas ações, agora agindo bem e então julgando com retidão.” (AQUINO, Tomás de. Cátena áurea: Lc.9:51-56. Disponível em: https://hjg.com.ar/catena/c504.html Acesso em 03 maio 2021) (tradução de texto em espanhol pelo Google).
– Elias foi até Samaria e repetiu a mesma mensagem que havia dado aos mensageiros do rei. Imagine a cena: dentro do palácio do rei, no quarto onde o rei estava acamado, num ambiente totalmente desfavorável, Elias mostra toda sua confiança em Deus.
Não tem medo de dizer ao rei que havia Deus em Israel e que, com o seu gesto de consultar a Baal-Zebube, o rei havia assinado a sua sentença de morte (II Rs.1:16).
– Após ter dado a mensagem, o profeta sai tranquilamente do palácio, sem ser molestado, sem que ninguém pusesse as mãos sobre ele, apesar do ódio que lhe nutriam tanto o rei quanto a rainha-mãe. Eis o poder de Deus, eis porque não devemos temer o que nos possa fazer o homem.
– Acazias morreu, como vaticinou Elias e, como não tinha filhos, seu irmão Jorão passou a reinar em seu lugar (II Rs.1:17). Continuava, ainda, a casa de Onri a reinar sobre Israel mas seria este o último rei.
Ev. Caramuru Afonso Francisco